Quando o presidente francês, Emmanuel Macron, advertiu recentemente que um processo de adesão da Ucrânia ou de outros países à União Europeia (UE) poderia levar décadas, ele deve ter pensado no exemplo da Turquia. O país é candidato desde 1999, e a decisão de fazê-lo foi tomada por razões políticas pelo então chanceler federal alemão, Helmut Kohl.
Desde então, vários capítulos das negociações de adesão foram abertos ao longo dos anos − mas as relações com o cada vez mais autocrático presidente Recep Tayyip Erdogan acabaram esfriando.
À medida que as violações dos direitos humanos em Ancara se tornaram mais flagrantes e os desenvolvimentos políticos cada vez mais antidemocráticos, a UE finalmente suspendeu as negociações. É possível que Macron tivesse essa história em mente como um sinal de advertência.
Nesta quinta-feira (19), foi a vez de o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, afirmar que não haverá regras especiais para permitir uma rápida adesão da Ucrânia ao bloco europeu, que foi solicitada formalmente após o país ser invadido pela Rússia. No Parlamento alemão, Scholz disse que Macron tem razão quando ressalta que o processo de adesão à UE não é uma questão de meses ou alguns anos.
Para ser justo com candidatos de longa data dos Bálcãs Ocidentais, não deve haver “atalhos” para entrar na UE, disse. Por isso, a União Europeia quer se concentrar em apoiar a Ucrânia “rápida e pragmaticamente”, afirmou, citando um fundo bilionário de solidariedade proposto pela Comissão Europeia para a reconstrução do país após o fim da guerra de agressão russa.
Os critérios de Copenhague
O primeiro passo no processo de adesão é o status de país candidato. Para isso, devem ser atendidos os chamados critérios de Copenhague, decididos na cúpula de 1993 na capital dinamarquesa. De acordo com esses critérios, um país deve ter um governo democrático estável e reconhecer o Estado de direito e suas liberdades e instituições.
Em última análise, no entanto, é também uma decisão política, ou seja, se os demais membros da UE acreditam que um novo país se encaixa na família europeia e pode ser útil para o bloco por razões geoestratégicas ou econômicas.
É evidente que a Turquia não pode se tornar oficialmente um país candidato em seu estado político atual. Mas também é claro que não se pode descartar retrocessos democráticos durante o processo de adesão à UE. Eles se tornam ainda mais prováveis quanto mais longo for esse caminho.
Por outro lado, mesmo a adesão não impede desenvolvimentos antidemocráticos, como mostra o exemplo da Hungria, de Viktor Orbán.
Premiê da Hungria, Viktor Orbán, participa de comício em 1º de abril de 2022 — Foto: Petr David Josek/Reuters
As negociações formais podem começar assim que um país estiver disposto e for capaz de reconhecer, aplicar e implementar a legislação da UE. Nesse âmbito, deve realizar reformas judiciais, administrativas, econômicas e de outras estruturas políticas para cumprir os critérios de adesão, ou padrões da UE. O início das negociações deve ser acordado por unanimidade pelo Conselho Europeu, formado pelos líderes de cada país do bloco.
Em um primeiro passo, a Comissão Europeia analisa a situação das instituições do país candidato e propõe uma estrutura de negociação dividida em capítulos individuais. Se os Estados-membros da UE aceitarem essa parte do procedimento, podem começar as negociações sobre as seções individuais.
Desde a última revisão do procedimento, no ano passado, as áreas de negociação estão divididas em seis grupos temáticos: fundamentos; mercado interno; competitividade e crescimento justo; questões ecológicas; recursos, agricultura e coesão; e relações externas. Esses grupos são então divididos em 35 subcategorias. Dessa forma, todas as áreas de um Estado são examinadas para ver até que ponto elas atendem aos requisitos da União Europeia.
Líderes da União Europeia participam de cúpula em Bruxelas, na Bélgica, no sábado (18) — Foto: John Thys/AP
Quando são encontradas deficiências, os negociadores da UE propõem reformas com “benchmarks”, marcos de referência para uma implementação gradual. Por exemplo, se nem todas as crianças têm acesso à educação, o país candidato deve reformar o sistema de ensino. Se a política interfere muito na nomeação de juízes, são impostas reformas no sistema judiciário para garantir sua independência. O país candidato, por sua vez, é obrigado a implementar as recomendações de Bruxelas, o que pode levar anos, dependendo do caso.
Se o candidato acredita que já reformou o suficiente, a área relevante é revisada novamente pela UE. Se, entretanto, um país candidato se recusar a implementar as reformas prescritas, o processo de adesão fica travado. No caso de retrocessos democráticos claros, como na Turquia, o processo pode ser congelado completamente.
Adesões apesar de problemas
Um tratado de adesão é aceito quando todos os capítulos são encerrados e aprovados pelos governos no Conselho Europeu. Só depois é elaborado um tratado de adesão, que deve ser aprovado pela Comissão e pelo Parlamento Europeu e, finalmente, de forma unânime pelo Conselho Europeu. A adesão estará finalmente concluída quando o próprio país candidato eliminar também os obstáculos internos à ratificação.
Entre 2004 e 2007, 12 países, da Estônia à Bulgária, tornaram-se membros da UE, numa adesão em massa dos países do Leste Europeu. Tratou-se claramente de uma decisão política, que ignorou de forma generosa diversas deficiências entre os novos membros.
Verificou-se, por exemplo, que a mudança das estruturas comunistas na economia e na administração pública levou muito mais tempo do que se esperava. A Bulgária, por exemplo, continua profundamente afetada pela corrupção, e a Romênia ainda tem instituições disfuncionais.
Os países bálticos, por outro lado, tornaram-se modelo para os novos membros. O último país a entrar no bloco foi a Croácia, em 2013. Depois disso, o processo de adesões estagnou.
População comemora entrada da Croácia na União Europeia — Foto: Antonio Bronic/Reuters
Desde então, muitos antigos membros da UE, como a França, a Holanda ou algumas nações escandinavas, estão claramente cansados de ampliações. A adesão custa muito dinheiro − 14 bilhões de euros estão reservados no orçamento da UE para auxílio de pré-adesão, e isso cria problemas políticos intermináveis.
Vários países dos Bálcãs Ocidentais continuam na lista de espera, lhes sendo repetidamente prometidos progressos no processo porque sua adesão parece estrategicamente importante, mas, na verdade, nada progride. Kosovo e Bósnia e Herzegovina são exemplos de países que ainda não estão preparados para o status de candidatos porque seus governos ameaçam seus vizinhos ou violam grosseiramente normas da UE.
Negociações de adesão malsucedidas também foram arrastadas ao longo de vários anos com a Sérvia e Montenegro, onde a Comissão Europeia tem se preocupado principalmente com o Estado de direito, seu critério mais importante.
Mais recentemente, foram abertas negociações com a Macedônia do Norte e a Albânia, embora o governo holandês esteja bloqueando seu progresso devido a dúvidas sobre a disposição do governo albanês de combater o crime organizado transfronteiriço. A Grécia bloqueou a Macedônia do Norte por anos devido à disputa sobre o nome do país, e agora a Bulgária está causando problemas por causa de uma disputa sobre o idioma.
O prédio do Ministério das Relações Exteriores em Skopje, na Macedônia do Norte, é iluminado com as cores da bandeira ucraniana — Foto: Robert Atanasovski/AFP
Em vista da situação complicada em relação a países menores candidatos à adesão, não é surpresa que muitos membros da UE vejam com apreensão as ambições de filiação da Ucrânia. Antes da guerra atual, Kiev nem sequer foi capaz de cumprir os requisitos de reforma originados da relação de parceria com a UE, com problemas envolvendo corrupção e Estado de direito.
A invasão russa mudou a situação política, mas não o funcionamento interno do país, que primeiro precisará de um enorme programa de reconstrução. E quando se trata de admitir países que não estão politicamente preparados para isso, a UE certamente deve ser considerada gato escaldado desde a última grande ampliação, em meados dos anos 2000.
FONTE: Lapada Lapada