Proposta aprovada na última semana desconsidera que subsídio do chefe do Executivo é teto do funcionalismo local. Texto virou alvo do Ministério Público e pode gerar gasto extra anual de R$ 25 milhões a partir de 2025. Câmara Municipal dos Vereadores de Ribeirão Preto, SP
Cedoc/EPTV
O projeto de lei que aumenta em quase 50% os salários do prefeito, vice-prefeito, secretários municipais e vereadores em Ribeirão Preto (SP) deve causar aos cofres públicos impacto 20 vezes maior do que a previsão feita pela Câmara Municipal.
Sob bate-boca entre parlamentares e protesto de populares, a proposta foi aprovada na última semana no plenário.
O texto assinado pela mesa diretora afirma que, no Executivo, o impacto anual seria de quase R$ 1,3 milhão a partir de 1º de janeiro de 2025.
No entanto, não considera o fato de que o salário do prefeito serve como teto do funcionalismo municipal e que qualquer mudança pode gerar um efeito cascata na folha de pagamento.
Entre 382 servidores da ativa e inativos que atingiram o limite constitucional, os gastos extra seriam de ao menos R$ 25,6 milhões ao ano, apontam cálculos feitos pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-USP) e obtidos pelo g1.
A proposta virou alvo de um inquérito civil e aguarda a sanção ou veto do prefeito Duarte Nogueira (PSDB). Nesta reportagem, você vai entender os efeitos que o projeto pode causar na administração municipal.
1. Quais contas foram feitas
2. Como o teto funciona
3. Quem são os outros beneficiados
4. O que dizem as partes contrárias
5. Qual a justificativa
6. O que dizem Prefeitura e Câmara
1. Quais contas foram feitas
O levantamento considera 114 servidores da ativa e 268 pessoas que integram o Instituto de Previdência dos Municipiários (IPM), que reúne pensionistas e aposentados.
Todos atingiram o limite (R$ 23.054,20) e têm os valores excedentes descontados no contracheque. Os dados foram calculados com base na folha de pagamento de janeiro, disponível no Portal da Transparência.
No Executivo, se o limite aumentar para R$ 34.384,86, o impacto será de 7,9 milhões ao ano, enquanto no IPM, R$ 17,7 milhões.
Dessa forma, a previsão é de ao menos R$ 25,6 milhões anualmente. O montante não considera outros órgãos de administração indireta, como fundações e autarquias, e o reajuste ao prefeito, secretários e vice: R$ 1.291.695,24 – único valor apresentado no projeto.
Logo, considerando ambas as situações, o impacto real seria de pelo menos R$ 26.966.654 ao ano, valor 20 vezes superior à projeção da Câmara.
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2. Como o teto funciona
Os descontos são feitos a partir da remuneração bruta dos servidores que atingiram o limite constitucional. Um fiscal fazendário aposentado, por exemplo, teve descontados R$ 27,6 mil no mês retrasado.
Se o teto não existisse, ele receberia R$ 50,6 mil, desconsiderando outros descontos como imposto de renda e previdência, conforme explica o professor de contabilidade da FEA Marcelo Botelho.
“Se faz um deflator em função do limite constitucional para o bruto ficar dentro do valor. Aí, obviamente, existem os descontos para ele receber o líquido. É uma conta complexa que leva em conta muitos fatores”, conta o professor.
3. Quem são os outros beneficiados
Além do prefeito, vice, secretários e vereadores, o reajuste também beneficia o chamado “Grupo do teto”, do qual fazem parte servidores da ativa, pensionistas e aposentados que recebem o limite do prefeito.
À reportagem, um fiscal fazendário que faz parte do grupo comemorou o fato e lembrou que eles não recebem reajuste pela inflação desde 2017.
“[Estamos] muito felizes, embora os anos de congelamento e perda salarial sejam irrecuperáveis”, diz o profissional, que preferiu não ser identificado.
Vereadores aprovam aumento de salário de parlamentares, prefeito, vice e secretários em Ribeirão Preto
Reprodução/TV Câmara
4. O que dizem as partes contrárias
O promotor Sebastião Sérgio da Silveira instaurou na terça-feira (28) um inquérito civil para apurar supostas irregularidades na tramitação do projeto.
A medida ocorreu após o Ministério Público (MP) receber ofício de instituições contrárias à forma pela qual o texto foi conduzido, como a Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (Acirp) e o Instituto Ribeirão 2030, entidade que atua no controle de gastos públicos na cidade.
Membro do Instituto, Márcio Minoru diz que, pela importância, a pauta necessitaria de audiências públicas para um debate com a população, como aconteceu na proposta que pretende aumentar o número de cadeiras no Legislativo municipal.
“A gente até acha correta a recomposição salarial por conta da inflação. Isso deve acontecer para todo mundo. Mas não fazer da forma como foi feita. A forma extremamente apressada para que não houvesse tempo de as pessoas se organizarem para questionar. Essa forma que eles fizeram, apresentando um projeto às vésperas de Carnaval. O que a gente gostaria de saber, principalmente, era sobre o estudo de impacto orçamentário que, claramente, estava errado”, argumenta.
Minoru ressalta, ainda, que o prazo limite para votação do reajuste na próxima legislatura seria em meados de 2024.
5. Qual a justificativa
O projeto de lei foi apresentado pela Mesa Diretora da Câmara dos Vereadores durante sessão ordinária de 16 de fevereiro. O texto prevê reajuste de 35,56% mais a projeção de inflação de 5,79% em 2023, e de 4% em 2024.
Conforme a Constituição Federal, o reajuste dos valores precisa ser proposto e votado pela Câmara Municipal dos Vereadores e só pode ser autorizado para o próximo mandato, por isso a validade a partir de janeiro de 2025, que é quando assumem os novos eleitos.
Segundo a Mesa Diretora da Câmara, a justificativa é que o último reajuste foi autorizado em janeiro de 2016 e que a inflação acumulada desde a última revisão é de aproximadamente 45%, calculada pelos índices de preços Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Atualmente, cada ministro do STF recebe R$ 39,3 mil. Em janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou o reajuste parcelado de 18%, que vai elevar o valor para R$ 46,3 mil em fevereiro de 2025.
Já a remuneração dos vereadores, segundo o texto, “está bem abaixo do total recebido pelos deputados estaduais, cuja vinculação se baseia, exclusivamente, na parcela atinente ao subsídio do parlamentar da Assembleia Legislativa Estadual”.
O reajuste nos salários do alto escalão do Executivo impacta, ainda, os diretores superintendentes das autarquias municipais e os presidentes das empresas municipais, cujo controle acionário pertença ao município de Ribeirão Preto. O percentual, no entanto, está condicionado à lei e aos estatutos sociais.
De acordo com o texto aprovado, os novos salários brutos em Ribeirão Preto serão:
Prefeito: de R$ 23.054,20 para R$ 34.384,86 (reajuste de 49.14%)
Vice-prefeito e secretários municipais: de R$ 11.527,10 para R$ 17.192,43 (reajuste de 49,14%)
Vereadores: de R$ 13.809,95 para R$ 20.597,25 (reajuste de 49,14%)
Conforme o último holerite, os salários líquidos, isto é, com desconto, são:
Prefeito: 17.051,93
Vice-prefeito e secretários municipais: mais de R$ 8 mil (varia de acordo com cada desconto)
Vereadores: 10.336,40
Não há como prever, no entanto, como ficarão os salários líquidos após o aumento por conta dos descontos.
Plenário da Câmara Municipal dos Vereadores de Ribeirão Preto, SP
Cedoc/EPTV
6. O que dizem Prefeitura e Câmara
Procuradas, a Prefeitura e a Câmara de Ribeirão Preto não haviam se posicionado até a última atualização do texto. Já o presidente da Casa, Franco Ferro (PRTB), afirmou que o projeto foi votado dentro da legalidade.
Votação
A proposta foi aprovada pela Câmara na sessão de 23 de fevereiro. O texto, que entrou em discussão na Casa de Leis ao ser protocolado há duas semanas, recebeu 19 votos favoráveis e um contrário, dado por Ramon Faustino (PSOL).
Quando o projeto foi anunciado pelo presidente da Câmara, os manifestantes começaram a vaiar e a gritar “vergonha”. Antes da votação, os vereadores aprovaram um substitutivo ao projeto original que alterava uma questão jurídica do texto, mas nada que alterasse o teor do reajuste.
Vereadores discutem durante votação de aumento de salário em Ribeirão Preto, SP
Ao justificar o voto contrário, Ramon Faustino defendeu que o projeto deveria ter sido mais discutido antes de ser votado e chegou a ser interrompido por outros parlamentares, como Igor Oliveira (MDB) e Franco Ferro, que citaram que ele havia se comprometido a votar favorável ao aumento em dezembro.
Na época, Faustino considerou “lamentável a hostilidade e a violência, as interrupções a minha fala e ao meu direito de expressão e defesa de voto”.
Franco Ferro, por sua vez, disse que não houve discussão alguma e que apenas estava representando a posição dos demais vereadores, pois Ramon havia apalavrado com todos sobre o apoio ao projeto. Igor Oliveira também foi procurado, mas não havia se manifestado.
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FONTE: Lapada Lapada