terça-feira, fevereiro 11, 2025

"Infecções cresceram muito; pode ser reflexo da pandemia"

O aumento de casos de infecções respiratórias tem afetado principalmente crianças e alarmado pais por conta da superlotação dos pronto-atendimentos em Cuiabá

 

Em entrevista ao MidiaNews, a pediatra Amanda Callejas explicou que o aumento está ligado a diversos fatores, entre eles o fato do outono ser uma estação na qual há alterações de temperatura, umidade, além da mudança no regime de chuvas. Mas algo que pode estar contribuindo também é que a  população infantil está recém-saída do período pandêmico.

 

Isso quer dizer que, por ficarem reclusas por muito tempo, também associado às medidas profiláticas como uso de máscaras, álcool em gel e outros, as crianças tiveram pouco ou nenhum contato com esses vírus respiratórios, em especial o sincicial, que pode causar uma doença chamada bronquiolite.

 

Além disso, a médica também aborda sobre medidas profiláticas que podem ser tomadas a fim de diminuir o contágio, alimentação no período da doença e qual o papel do vírus da covid nesse momento atual.

 

Leia os principais trechos da entrevista:

 

MidiaNews – Por que as unidades de pronto-atendimento infantil estão lotadas? 

 

Amanda Callejas – O outono é uma época de maior sazonalidade dos vírus respiratórios, então já é uma época que normalmente a gente já tem mais infecções e deixam os pronto-atendimentos mais lotados. O que aconteceu ano passado e esse ano foi que, nessa época, as infecções aumentaram mais ainda. Então, normalmente já é muito cheio, mas houve uma piora, e a gente acha que isso seja reflexo da pandemia.

 

O sistema imunológico da criança, por ser imaturo, vai produzindo anticorpos conforme ela vai entrando em contato com as doenças. Esses anticorpos, alguns duram mais, outros menos. Então, o fato das crianças terem ficado muito tempo sem entrar em contato com muitas doenças, porque ficou todo mundo isolado, fez como se elas tivessem uma redução desses anticorpos que seriam habituais e isso faz com que elas peguem as infecções com mais facilidade.

 

Se você observar os índices hospitalares, são épocas em que normalmente já é mais lotado, como disse antes. Mas esse ano, realmente, está um pouco mais que o normal. Então, é como se tivesse tido o agravamento de um fenômeno que é natural. 

 

MidiaNews – Sobre os vírus que estão em maior circulação, existe um que seja mais grave?

 

Amanda Callejas – Depende muito da faixa etária. Teoricamente, em menores de dois anos, seriam os vírus que causam bronquiolite, e o mais conhecido deles é o vírus sincicial respiratório, mas não tem como qualificar qual é mais grave sem olhar a faixa etária. O público que a gente se preocupa mais são os menores de dois anos, por causa dos vírus que causam bronquiolite, mas há os vírus da influenza, que até nas crianças maiores pode evoluir para acometimento pulmonar mais grave.

 

MidiaNews – Como são transmitidos esses vírus?

 

Amanda Callejas – A maioria das transmissões ocorrem pelo ar, geralmente por gotículas respiratórias, ou objetos contaminados. Por exemplo, na creche, um pega um brinquedo e coloca na boca, o outro vai lá e também coloca na boca. E não adianta, quando eles estão na escola, na creche, esses objetos acabam sendo contaminados por serem compartilhados.

 

MidiaNews – Algumas pediatras indicam que os pais que tiverem condições, fiquem com as crianças em casa. É uma opinião que a senhora compartilha?

 

Amanda Callejas – Sim. A gente sabe que é difícil. Muitas mulheres não tem rede de apoio, não tem com quem deixar, mas a partir do momento que a criança começa a desenvolver os sintomas, se a gente isola ela no período de maior transmissibilidade, que são as primeiras 72 horas, evita que ela espalhe o vírus.

 

E não é só na escola. É no parquinho, na brinquedoteca dos prédios, condomínios. Deve ser evitado todo o contato com outras crianças, principalmente com crianças menores de dois anos ou crianças que estejam em algum tratamento, como a quimioterapia, por exemplo, ou usando medicação.

 

O legal, realmente, é que quando você identifica os sintomas, deixe a criança por uns três dias sem contato com outras, mas nem todo mundo pode. Quando atendo no posto de saúde, vejo várias mães que não têm com quem deixar, então precisam levar para a creche. 

 

Mas essas recomendações também devem ser aplicadas dentro de casa. Se tem um idoso que mora junto, por exemplo, teria que ter um cuidado extra no contato. Como não ficar no mesmo quarto, higienizar bem as mãos e os objetos.

 

MidiaNews – Existem cuidados que podem evitar a transmissão, ou é algo inevitável?

 

Dra. Amanda Callejas – Dá pra diminuir o contágio, mas não é possível evitar completamente. O que pode ser feito é não deixar a criança doente próxima de outras crianças, higienizar os brinquedos, ficar em ambientes bem circulados, com janela aberta. Essas são coisas que ajudam, mas é inevitável, até porque tem alguns vírus que começam antes da criança apresentar sintoma. Então, às vezes, 24 horas antes de começar os sintomas, a criança já pode estar transmitindo. 

 

MidiaNews – Por que a idade da criança é um fator importante? Por exemplo, bebês menores de 6 meses são mais suscetíveis a ter uma evolução grave na doença?

 

Amanda Callejas – É um fator importante porque quanto menor o bebê, menos resistência imunológica ele tem, e acaba tendo mais chances dele evoluir para um quadro grave, mas isso também tem a ver com o tipo do vírus. Por exemplo: o vírus sincicial respiratório, que é o da bronquilite, teria uma evolução mais grave em menores de dois anos. 

 

Já o influenza, que é outro vírus, pode ter uma evolução grave inclusive nos maiores, mas geralmente são as crianças menores de dois anos que acabam ficando um pouco piores. E além da idade, por exemplo, tem crianças com problema no coração, no pulmão, com imunodeficiência. Nesses casos, independente da idade, tendem a ficar mais graves quando pegam os mesmo vírus.

 

Às vezes, ela pode pegar o mesmo vírus que, na outra criança, só escorreu o nariz, mas naquele bebê ou naquela criança que tenha algum problema, pode se tornar algo mais grave.

 

MidiaNews – Como agir quando a criança começa a apresentar o quadro viral? Quais os sintomas mais comuns?

 

Amanda Callejas – A maioria dos quadros respiratórios vão evoluir como um resfriado comum. O que é isso? Coriza, que é o nariz escorrendo, um pouco de tosse, mal estar, febre baixa, geralmente uns dois, três dias mais chatinhos e depois a criança começa a melhorar, mas os sintomas podem durar de sete a 14 dias. Então, nesse período, o ideal é que a gente hidrate bem a criança, faça lavagem nasal, inalação com soro, vai fazendo as medidas de suporte e espera.

 

A maioria das crianças tem uma resolução espontânea do quadro. Pode ficar com uma tosse, que às vezes dura um pouquinho mais de dias, mas tem uma evolução favorável. Por isso que a gente fala que não precisa levar a criança no hospital imediatamente após o aparecimento do sintoma respiratório. Então, se a criança estiver bem, brincando, comendo, se ela não tiver cansada para respirar, se você der o antitérmico e a febre passar, a gente pode esperar.

 

Uma coisa interessante de se falar é que a febre é uma resposta imunológica do nosso corpo. Durante o quadro febril, a gente tem uma maior liberação das células de defesa. É como se fizesse parte da reação imunológica do nosso corpo. Às vezes, as pessoas ficam muito apavoradas com a febre, mas a gente tem que lembrar que é um mecanismo de defesa do nosso corpo. Obviamente, é um sinal de que tem algo acontecendo, mas ela é um mecanismo de defesa. 

 

Então, a criança faz uma febre baixa, você medica, hidrata. Quando a temperatura normalizar, a criança volta a brincar, volta a comer, está tudo bem. A gente tem que se preocupar com a febre quando ela passa de três dias em crianças maiores, e nas menores, um pouco antes. Também deve ser observado se ela começa a ficar refratária ao uso da medicação, vômito que não passa, se está prostrada, não consegue comer, diminui o xixi porque está desidratada, cansada para respirar ou respirando muito rápidoEsses sim seriam sinais de alarme para ir ao pronto-socorro. 

 

MidiaNews – O que seria considerado febre baixa?

 

Amanda Callejas – Não existe um consenso sobre o número exato, alguns dizem 38ºC, outros 38,5ºC, fica nessa média. Mas, mais do que o valor da temperatura, o que deve ser observado é o estado geral da criança durante a febre. Isso quer dizer que algumas crianças podem atingir 37,5ºC e estar derrubadas. Aí é necessário medicar. Já outras crianças com 38,5ºC, que estão “bem”, você pode esperar porque tem que lembrar que, durante a febre, o organismo está reagindo.

 

MidiaNews – Por que alguns pediatras recomendam aguardar em casa e não levar diretamente ao hospital?

 

Amanda Callejas – A gente sabe que a maioria dos quadros é viral, é autolimitado, e vai se resolver sozinho com essas medidas de suporte. Então a gente pede para reservar a ida ao hospital para os pacientes que estejam apresentando os sinais de alarme. E esses outros quadros, deve aguardar a evolução natural da criança. Por isso é importante o acompanhamento do pediatra, para ele ir orientando qual a hora que essa criança precisa realmente ser examinada ou não.

 

Seriam quando a criança está com febre muito alta e não passa com medicação, quando ela apresenta dificuldade para respirar ou respirando muito rápido, vomitando sem parar, sem conseguir se alimentar, aí seria sim o caso da gente levar para ver se não houve uma complicação ou se está frente a um quadro que precisa de tratamento específico.

 

Mas fora isso, recomendamos tratar em casa. Porque quando você vai num pronto-atendimento, querendo ou não, você fica suscetível a pegar outras coisas, por isso a gente pede para esperar.

 

MidiaNews – Sobre a alimentação, o que deve e não deve ser oferecido nesse período?

 

Amanda Callejas – Durante esse período, em toda infecção, na verdade, a criança tem uma demanda de líquido. A gente pede para aumentar a oferta de líquido, alimentos ricos em líquidos, frutas, verduras. O repouso também é importante, evitar brincadeiras no sol quente. Quanto mais natural a alimentação da criança, mais rica em vitaminas, mais isso vai fazer com que a criança recupere mais rápido. Devem ser evitados alimentos industrializados, processados, porque esses alimentos são nutricionalmente pobres e não ajudam o organismo na recuperação. 

 

MidiaNews – Nas últimas semanas houve notícias de um aumento nos casos de bronquiolite no Brasil. Percebeu esse aumento em seu consultório?

 

Amanda Callejas – Sim. É uma época que a gente tem uma maior incidência de casos de bronquiolite. Aqui no consultório, o que eu notei de diferente foi que, esse ano, houve casos de bronquiolite em crianças maiores de dois anos, inclusive com o teste positivo do vírus sincicial respiratório, e geralmente a gente costuma ver esses casos em menores de dois anos. Mas, provavelmente foi por conta da falta de exposição que tiveram durante a pandemia. Esse vírus sincicial, por exemplo, que na criança pode dar bronquiolite, em mim e em você dá um resfriado, porque a gente já tem imunidade e consegue combater melhor.

 

MidiaNews – A bronquiolite é uma doença perigosa?

 

Amanda Callejas – Sim, porque não existe um tratamento específico contra a bronquiolite. A bronquiolite é uma doença que começa como se fosse um resfriado. Tem tosse, coriza, febre, e lá pelo terceiro ou quarto dia começa uma inflamação do epitélio, da via aérea inferior, que são os bronquíolos, produzindo secreção. Essa produção de secreção também é uma reposta do organismo, mas faz com que a entrada e saída de ar fiquem prejudicadas. É como se fosse um encanamento que estivesse semi-ocluído. 

 

Porém, a doença deve ir se resolvendo com o tempo, com a resposta imunológica da criança, e o que a gente faz é um tratamento de suporte. Às vezes, não tem nada que a gente consiga fazer que vai impedir a evolução da bronquiolite. Quanto menor for a criança, se ela tem problema no coração, no pulmão, existe uma maior chance de complicação. Por exemplo, atelectasia, que é quando uma parte do pulmão fecha e fica sem ventilar, sem fazer troca gasosa, ou quando o acúmulo de secreção pode virar uma otite, uma pneumonia. 

 

Existe uma vacina contra a bronquiolite, que se chama Palivizumabe, mas é destinada somente a bebês prematuros, ou que tenham problema no coração. Ela tem indicações bem restritas, mas existe essa profilaxia para estes bebês no grupo de risco.

 

MidiaNews – Uma notícia que assustou muitos pais recentemente foi a morte de cinco crianças por uma superbactéria. Isso é algo preocupante? 

 

Amanda Callejas – A superbactéria vai surgindo porque a gente vai usando muitos antibióticos. A gente tem que pensar que os antibióticos são divididos entre mais fracos, médios e mais fortes. Quanto mais antibióticos a gente usa, mais a bactéria vai desenvolvendo mecanismos de defesa para aquele antibiótico não ter efeito sobre ela.

 

As bactérias, assim como os vírus, são microrganismos mutáveis, não são fixos. Então, quando a gente usa muito antibiótico, corre o risco de fazer com que a bactéria fique muito resistente e cada vez fica mais difícil de tratá-la. Dito isso, a gente não pode pensar na bactéria do ponto de vista individual, ela tem que ser pensada do ponto de vista coletivo, porque as bactérias são microrganismos que vivem no nosso meio, vivem na nossa pele, em vários lugares que tocamos. 

 

Então não é só a pessoa que usa muito antibiótico que é prejudicada, é todo mundo. E por que é importante falar sobre isso? Porque, infelizmente, existe um uso do antibiótico além do necessário. A gente sabe que é difícil, que às vezes as famílias ficam muito aflitas de esperar esse ciclo viral, de esperar que o estado de saúde seja normalizado, mas é preciso ter calma.

 

No pronto-atendimento, se a criança chega muito prostrada e o médico do pronto-atendimento acaba ficando preocupado e logo inicia o antibiótico. Não estou aqui criticando os colegas, até porque eu já trabalhei muito em pronto-atendimento e sei que é difícil, mas é por isso que a gente indica que a criança tenha pediatra, que faça acompanhamento, para que, quando aconteça esse tipo de coisa, o médico dela tenha capacidade de avaliar e fazer um acompanhamento diário, um seguimento em conjunto com a mãe, para saber se existe ou não a necessidade de iniciar o antibiótico.

 

A gente sabe que tem a questão da faixa etária mas, mais de 50% das infecções que as crianças têm, são virais. Então, não precisaria de antibiótico. Em algumas faixas etárias, por exemplo, em menores de dois anos, a gente sabe que dependendo dos sintomas que as crianças têm nos quadros respiratórios, eles chegam a ser 80% de quadros virais.

 

Então, 80% não precisariam usar antibiótico. Só que, quando a gente vê na prática, a maioria está usando, e não a minoria. Outra coisa é o uso do corticóide, que as pessoas acabam usando com muita frequência, que também têm efeitos colaterais e, na maioria das vezes, não é necessário.

 

MidiaNews – Qual a diferença entre uma infecção bacteriana e viral? 

 

Amanda Callejas – É difícil explicar, porque tem vários tipos de infecção, mas, na maioria das vezes, na infecção viral a criança fica um pouco melhor e na bacteriana já fica mais prostrada, sem conseguir comer, sintomas parecidos com a infecção viral, mas que necessitam de uma clínica para saber determinar.

 

Só que a infecção bacteriana pode vir como uma oportunista durante uma infecção viral, ou seja, muitas vezes elas podem coexistir. Aquela criança que teve uma infecção viral, mas teve evolução desfavorável, com febre persistente e aumentando, deixando a criança mais prostrada, a gente pode pensar que realmente seja uma infecção bacteriana.

 

Mas existem infecções bacterianas que logo de cara podem ser confirmadas como tal, e não como consequência de uma infecção viral. Por exemplo, amigdalites bacterianas, infecções urinárias, gastrointestinais ou de pele já podem ser. Mas essas que não são respiratórias necessitam de uma clínica diferente para a gente confirmar. 

 

MidiaNews – Como a bactéria é transmitida?

 

Amanda Callejas – A bactéria é transmitida pelo meio ambiente, contato da pele, com objetos. É importante lembrar que algumas bactérias que causam complicação durante um quadro viral já vivem no nosso organismo, e acabam se proliferando quando encontram um ambiente propício, favorável.

 

MidiaNews – Algumas pessoas acham que esse aumento de casos é covid. O que você pode dizer sobre isso?

 

Amanda Callejas – Nesse momento, o que a gente viu é que a covid se tornou outro vírus respiratório que, na grande maioria das crianças, causa absolutamente os mesmos sintomas que os outros vírus. A gente não tem por que achar que a covid está dando casos mais graves porque, na verdade, ele se tornou só mais um vírus. A gente vê crianças internadas, que ficaram mais graves, com vírus sincicial, com influenza e com covid.

 

Eu não vi nenhum levantamento a respeito disso feito aqui em Cuiabá, especificamente, mas o que a gente vê na prática, tanto aqui no consultório quanto nas conversas com colegas que trabalham em hospitais, é que existem sim os casos de covid, mas existem os de vírus sincicial, de influenza e vários outros. Ele se tornou mais um vírus dentre vários que podem levar esses sintomas à criança, mas, aparentemente, a gente não vê mais casos de covid do que dos outros vírus. 

 

Existem algumas complicações graves do covid, que a gente já sabe desde a pandemia, mas não é por causa dessas complicações graves que os hospitais estão cheios, muito pelo contrário. Aqui no consultório, de todos os exames que fiz nas últimas três semanas, só um deu positivo para covid. Claro que não dá pra trazer para a realidade do hospital, até porque dos meus pacientes, só um internou. Mas a gente sabe que está ali, mas não é ele o grande causador do problema agora.

 



FONTE: Midia News

comando

DESTAQUES

RelacionadoPostagens