As palavras esquerda e direita pouco ajudam a entender as eleições presidenciais no Paraguai, marcadas para o final do mês. “As esquinas do quadrilátero político estão mais bem definidas como mudança ou continuidade, corrupção ou decência”, resume o cientista político paraguaio Esteban Caballero.
Pesam na decisão dos nossos vizinhos -que vão às urnas no próximo dia 30- temas como desonestidade, informalidade no mercado de trabalho e crescimento da violência, num contexto de estagnação econômica e relativa piora da qualidade de vida.
Essencialmente, eles vão escolher se seguem com o mesmo partido conservador que está no poder há praticamente 70 anos, o Colorado, ou elegem uma grande coalizão de oposição que reúne centro-direita, centro-esquerda e esquerda, a Concertación Nacional –acordo nacional, em português. Concorrem Santiago Peña de um lado e o liberal Efraín Alegre de outro.
O pano de fundo é uma série de acusações que têm manchado nos últimos meses a imagem do grupo hegemônico, que domina o país quase ininterruptamente desde a ditadura (1954-1989). Em julho passado, o atual líder da legenda e ex-presidente Horacio Cartes (2013-2018) foi classificado pelo governo dos Estados Unidos como “significativamente corrupto”.
“A partir de seu mandato, Cartes se envolveu em um padrão sistêmico de corrupção, incluindo suborno generalizado de funcionários do governo e legisladores”, escreveram os americanos em janeiro ao impor sanções a qualquer um que fizesse negócios com o político ou seu grupo empresarial –um poderoso conglomerado que inclui bancos, fábricas de tabaco e supermercados.
O caso ajudou o país a descer ainda mais no Índice de Percepção da Corrupção, da ONG Transparência Internacional, no qual figura como o segundo pior na América do Sul em 2022, atrás apenas do regime venezuelano.
Não à toa, o tema é considerado um dos maiores problemas nacionais por sete em cada dez eleitores paraguaios, que também elencam a honestidade como principal virtude esperada no próximo presidente, segundo a última pesquisa AtlasIntel, de 4 de abril.
O assunto é explorado pelo opositor Efraín Alegre com a frase de efeito “a pátria ou a máfia”. Enquanto isso, Cartes sustenta que é alvo de uma campanha de difamação por apoiadores do atual presidente Mario Abdo Benítez, o “Marito”, com quem tem uma grande rixa apesar de ambos serem colorados.
A falta de acesso à saúde é o segundo maior aborrecimento da população. “As pessoas sentem que a vida piorou nesses anos em termos sociais”, diz o analista econômico paraguaio Roberto Codas. “O país ainda sofre o impacto da pandemia nas camadas mais pobres.”
Apesar de o Paraguai não ter vivido grandes crises desde 2002, diferentemente de outros na região, vários indicadores que vinham melhorando frearam no último ano. A renda média voltou a patamares de uma década atrás, a pobreza extrema subiu e a inflação quase quadruplicou.
O país tenta se industrializar, mas ainda depende profundamente da agropecuária, prejudicada por uma forte seca no ciclo passado. Também é sustentado por um mercado informal que emprega cerca de 64% da população ocupada, nível que se mantém no mesmo patamar há uma década -no Brasil, esse número gira em torno de 40%.
Tudo isso tem potencializado o terceiro problema que mais preocupa os eleitores: a insegurança. A taxa de homicídios é outra que teve sua tendência de queda interrompida em 2021, último dado disponível, sendo puxada em parte por ataques de assassinos de aluguel.
Os famosos “sicários” deixam um rastro de sangue principalmente no estado de Amambay, na fronteira com o Brasil, impulsionados pelo recrudescimento da briga entre as facções criminosas PCC e Comando Vermelho pelas rotas da cocaína.
Estabilidade e segurança são dois dos pilares da campanha do colorado Peña, que defende o legado de seu partido nos anos de crescimento. Alegre, por outro lado, dá mais ênfase a uma reforma das instituições, passando por polícia, Promotoria e Judiciário. Apesar das diferenças, ambos são lidos como neoliberais.
A futura posição deles quanto à hidrelétrica de Itaipu é outra discussão que movimenta o pleito que se aproxima, embora esteja mais restrita às elites. Neste ano, depois de cinco décadas, o Paraguai quitou a dívida com o Brasil pela construção da represa, portanto os dois países terão que rever o acordo sobre a divisão da energia produzida.
“É um tema delicado. Há um consenso aqui de que Itaipu foi ‘entregue’ ao Brasil, então qualquer coisa que os candidatos digam pode ser interpretada como traição à pátria”, explica Fernando Masi, diretor do Cadep (Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia). Penã é visto como mais “pró-Brasil” e Alegre, como nome mais propício a pressionar Lula.
Nesse momento, porém, os especialistas reforçam que não são tanto os programas de governo que estão em jogo, e sim continuidade versus alternância. No Paraguai, se nasce “colorado” ou “liberal” de família: a pesquisa AtlasIntel aponta que 43% da população diz ser filiada à primeira legenda e 27%, à segunda.
Analisado friamente, esse número já daria vitória a Peña num sistema de turno único. Mas um clima de suspense tem dominado as últimas semanas, com o enfraquecimento do Colorado em razão das denúncias de corrupção –que se somam a acusações de uma suposta má gestão da pandemia e à percepção de que o partido sofre com brigas internas e com uma diminuição de verbas em decorrência das sanções americanas.
O levantamento mais recente da Atlas apontou um empate técnico entre Alegre (38,1%) e Peña (36,4%), o que poderia indicar uma possível virada. Não tão longe, aparece o candidato extremista Paraguayo Cubas (14,5%), ex-senador contrário à presença de estrangeiros no país e cassado após a divulgação de um vídeo em que defendia a morte de “ao menos 100 mil brasileiros”.
Ao mesmo tempo, pesquisadores também indicam certa desconfiança das pesquisas eleitorais locais. Muitas perderam a credibilidade ao serem pagas por um ou outro grupo político e apontarem vantagem para eles -a Atlas é vista como uma das empresas mais independentes do ramo por ser brasileira.
“Está extremamente imprevisível. Eu não tenho condições de te dizer o que vai acontecer em 30 de abril, algo que nunca me aconteceu nos últimos 30 anos”, diz Codas, o economista.
FONTE: Midia News