O comandante do Bope (Batalhão de Operações Especiais) em Mato Grosso, tenente-coronel Frederico Correa Lima Lopes, avalia que o grupo de criminosos que aterrorizou Confresa em abril não pode mais ser chamado de Novo Cangaço.
Conforme o militar, os bandidos elevaram o nível de “profissionalismo” e agora estão em maior número, mais bem armados e são mais violentos.
Eles têm uma rede difusa, não um grupo criminoso consolidado. Fazem uma espécie de consórcio, pega um daqui, um dali… Eles não têm um bando, é uma espécie de contratação temporária
Uma outra característica dessa modalidade de crime, que o oficial chama de “domínio de cidades”, é o consórcio de bandidos, “recrutados” para integrar os grupos por meio de uma “contratação temporária”.
“É caracterizado por uma quantidade de criminosos muito maior, um poderio bélico bem mais elevado do que o comumente utilizado no Novo Cangaço”, disse.
Nesta entrevista concedida por telefone do Tocantins, onde participa da caçada aos bandidos, o comandante falou ainda sobre as buscas e o segredo do sucesso da operação, que em pouco mais de três semanas quase dizimou a quadrilha.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews – Em três semanas, as forças de segurança mataram 15 e prenderam quatro bandidos. Com essa ação, acha que o Novo Cangaço vai pensar duas vezes antes de voltar a Mato Grosso?
Frederico Correa Lima Lopes – É difícil falar sobre o pensamento deles, já não tínhamos mais crimes violentos assim em Mato Grosso. Mas queria salientar a diferença do Novo Cangaço para essa nova modalidade criminosa que estão utilizando hoje, que é o domínio de cidades. Ele é caracterizado por uma quantidade de criminosos muito maior, um poderio bélico bem mais elevado do que o comumente utilizado no Novo Cangaço. Eles têm uma rede difusa, não um grupo criminoso consolidado. Fazem uma espécie de consórcio, pega um daqui, um dali… Eles não têm um bando, é uma espécie de contratação temporária. O uso de explosivos é cada vez mais comum, inclusive para evitar a aproximação das forças de segurança; e essa investidura contra a segurança pública, que não era tão presente, agora é. É uma modalidade um pouco mais avançada do que a do Novo Cangaço, que não tinha acontecido ainda. É a primeira vez em Mato Grosso.
MidiaNews – O senhor falou em maior poderio bélico dessa quadrilha. Ficou impressionado com as armas apreendidas com eles?
Frederico Correa Lima Lopes – O poderio bélico deles realmente impressionou, principalmente vinculado ao uso de explosivos. Isso é bem peculiar de um domínio de cidades.
MidiaNews – Pelo que o senhor falou são criminosos altamente armados. Já tinha participado de uma ação tão perigosa quanto essa?
Bope-MT
Armas apreendidas em um dos confrontos com os criminosos
Frederico Correa Lima Lopes – Nunca tinha participado de uma ação assim porque nunca tinha havido um domínio de cidades em Mato Grosso, em que pese tenha sido em Confresa e eles já tenham foragido de imediato no Estado do Tocantins. Nós nunca havíamos participado na busca e captura de um domínio de cidades.
MidiaNews – Qual é a maior dificuldade em uma ação no meio da mata?
Frederico Correa Lima Lopes – Cada terreno tem a sua peculiaridade. Aqui, por exemplo, é uma área bem alagada. Só que essas são condições que dificultam tanto para gente quanto para os criminosos. A dificuldade é semelhante ao do Novo Cangaço, mas justamente essa questão das redes difusas de contratações requer um acompanhamento um pouco mais aproximado desses criminosos. É primordial a inteligência policial estar constantemente monitorando as pessoas envolvidas nesse tipo de atividade delituosa. A gente tem que descobrir qual foi o plano elaborado para tentar quebrá-lo. A ideia é sempre essa: buscar saber a perspectiva deles, qual foi o plano elaborado, para poder quebrá-lo.
MidiaNews – Como conseguiram localizar e tirar de circulação tantos criminosos em tão pouco tempo?
Frederico Correa Lima Lopes – É um somatório. E o principal fator foi a participação da comunidade local, que contribuiu muito com as nossas buscas, indicando os possíveis locais de esconderijo. Os criminosos andam, mas não passam despercebidos nessas comunidades. Então, desde o início, quando eles embarcaram próximo às aldeias, os indígenas começaram a nos passar informações, assim como comunidades por onde eles passaram. Ligavam dizendo: ‘O cachorro latiu diferente’, ‘roubaram uma roupa minha’, ‘pegaram comida na minha casa’, ou ‘eu vi pessoas estranhas passando’. Então, são diversos fatores anormais daquela realidade pacata de comunidade rural que chamam a atenção e os moradores nos trazem as informações. A gente consegue checar ainda mais com essa ação integrada que nós estamos tendo aqui. Tem tropas de Mato Grosso, Tocantins, Goiás, Pará e até de Minas Gerais. Isso nos propiciou checar todas as informações trazidas, porque às vezes a gente não tem capacidade operacional para checar tudo, mas essa integração nos proporcionou isso.
MidiaNews – Estando numa caçada a bandidos tão perigosos, o senhor chegou a temer pela sua vida?
Frederico Correa Lima Lopes – A gente tem aquele receio, o medo é o que nos mantém vivos. Então a gente usa a técnica e continua na missão, sempre receoso, precavido para que não seja surpreendido.
MidiaNews – Qual foi o momento mais difícil dessa caçada até agora?
E o principal fator foi a participação da comunidade local, que contribuiu muito com as nossas buscas, indicando os possíveis locais. Os criminosos andam, mas não passam despercebidos nessas comunidades
Frederico Correa Lima Lopes – É o contexto como um todo, mas acho que o início de tudo é o mais difícil. Tem a questão de saber para onde eles foram, qual foi a rota usada. E graças ao tirocínio de uma guarnição da Polícia Militar do Tocantins, que em meio a tantas fazendas analisou e falou: ‘Pode ser que seja por aqui’. Constataram a presença dos caras e tudo se desenrolou, atrapalhou o plano de fuga deles. Foi o início que conseguiu gerar todo esse sucesso da operação. Foi apenas uma indicação de um possível local e tudo começou a se desenrolar.
MidiaNews – Nenhum dinheiro roubado e quinze mortos. Essa ação em Confresa foi um péssimo negócio para os bandidos?
Frederico Correa Lima Lopes – Acredito que sim, porque eles não conseguiram ter acesso. Já há algum tempo, desde a época do Novo Cangaço, temos estabelecido uma relação com as bases de valores e instituições bancárias. Justamente para que eles fortifiquem a segurança patrimonial e hoje tenham condições físicas, tornando-se praticamente intransponíveis em vista das últimas tentativas de roubo fracassadas. Em nenhuma eles conseguiram ter sucesso.
Para a gente o importante é não ter essa afronta à segurança pública. Uma ação dessas prejudica em muito a economia do município, nesse caso de dois municípios, porque tudo para, gera prejuízo e um temor na comunidade. São pessoas que chegam com explosivos, atirando, além da afronta deles irem ao quartel. Por isso fazemos uma ação coordenada com essas instituições, para que eles não tenham o prejuízo financeiro, e nós na questão da segurança pública.
MidiaNews – Qual foi a importância do apoio dado pelas polícias de estados como Goiás e Tocantins?
Frederico Correa Lima Lopes – Foi primordial para o sucesso da operação porque, como têm bandidos envolvidos de vários estados, conseguimos estabelecer os vínculos, um conhece de uma região, outro de outra. Só que não foram somente os policiais que estão aqui na região presencialmente nas buscas, foram policiais do Maranhão, da Bahia, de São Paulo que indiretamente participaram conosco subsidiando com informações, auxiliando na checagem. Essa integração permitiu que conseguíssemos checar todas as informações que estão chegando até nós e, além de tudo, dar suporte à comunidade mantendo o patrulhamento nas vias. Com os outros estados trazendo elementos nós pudemos montar esse quebra-cabeça.
MidiaNews – Acredita que essa ação conjunta pode ser o início de parcerias futuras no combate ao crime entre estes estados?
Frederico Correa Lima Lopes – Acredito que sim e torço por isso. Nós estivemos aqui presentes os governadores de Mato Grosso, Tocantins e de Goiás e eles falaram muito sobre essa necessidade de integração das forças de segurança pública. Tudo isso começou no evento da LAAD [maior feira de defesa e segurança da América Latina] que teve no Rio de Janeiro na semana do ataque a Confresa. Teve também o Conselho Nacional de Comandantes-gerais, onde alguns comandantes-gerais reunidos, em tratativas, deliberaram que seria importante a participação de todos na operação.
MidiaNews – Como eram os esconderijos dos bandidos mortos e capturados?
Reprodução
Carro incendiado por criminosos que aterrorizaram Confresa
Frederico Correa Lima Lopes – Na verdade, todos que foram capturados e mortos, ou eles estavam na área de mata ou estavam tentando sair dela. Foi tudo nessas tentativas de fuga. Como a Polícia Militar do Tocantins naquela ação inicial conseguiu frustrar a fuga, eles ficaram ali no meio do mato com uma fuga frustrada. E nessa região de mata, conseguimos capturá-los.
MidiaNews – Como eram as pistas encontradas pelas equipes durante o rastreamento?
Frederico Correa Lima Lopes – Restos de comida, fogueira, e, principalmente, moradores falando de pessoas estranhas naquele local, passando por lá. Está sendo bem importante essa participação da comunidade.
MidiaNews – Com as informações levantadas até agora, a Polícia sabe quem é o chefão dessa quadrilha?
Frederico Correa Lima Lopes – Com todos os elementos que nós [PM] estamos colhendo aqui, a Polícia Civil vai poder concluir o inquérito com relação a isso. É difícil afirmar quem é o chefão. A gente começa a fazer essa relação de vínculo, procurando saber quem é quem, porque apesar deles terem uma rede difusa acaba sendo aquelas figurinhas que a gente já conhece. Mas quem vai poder concluir isso é a investigação policial. Nós estamos colhendo elementos no campo para subsidiar.
MidiaNews – Como a operação está sendo coordenada entre as diferentes forças de segurança pública?
Frederico Correa Lima Lopes – O coronel [Ronaldo] Roque é o comandante das Forças de Segurança de Mato Grosso. Ele está coordenando todos os batalhões, porque aqui temos a Força Tática de Cuiabá, de Várzea Grande, a Força Tática de Barra do Garças, de Alta Floresta, de Vila Rica, temos o Bope, a Rotam, então há várias tropas no terreno e ele é o coordenador dessas tropas na Polícia Militar de Mato Grosso. Quem vai determinar as diligências são esses coordenadores de tropas de cada Polícia, inclusive são eles que mantêm o comandante-geral atualizado com relação a isso. São os olhos do comandante-geral no tear de operações.
MidiaNews – Onde atualmente as buscas estão concentradas?
Frederico Correa Lima Lopes – Como os criminosos foram se dispersando e aumentando o raio de buscas tivemos que descentralizar as tropas. Então está bem abrangente, tem gente em Caseara, tem gente em Marianópolis e em diversas fazendas da região.
MidiaNews – Como está o clima da população nos locais que que as buscas seguem sendo realizadas?
Frederico Correa Lima Lopes – É difícil falar que não estão assustados, porque é um bando armado que veio para a região e a gente não sabe se, de repente, eles querem pegar uma pessoa que está transitando ali em direção ao seu sítio, indo trabalhar ou resolver algo na cidade, para dar apoio para fugir. Como eles estão se sentindo? Com certeza não está normal, mas acredito que na medida do possível já estão aceitando essa condição de anormalidade e convivendo da melhor forma possível.
FONTE: Midia News