A atriz foi abrindo caminho para os atores negros que vieram depois. Interpretação sempre forte de Léa Garcia foi inspiração
O talento e a interpretação sempre forte de Léa Garcia foram inspiração para muitas gerações.
“Meu sonho era ser escritora”, disse Léa Garcia.
Mas um convite inesperado mudou o rumo dessa história.
“Eu conheci ao Abdias do Nascimento e Abdias então introduziu em mim essa vontade de ser atriz. Eu relutei muito, eu não queria”, contou a atriz ao Memória Globo.
O professor e autor Abdias do Nascimento, com quem Léa se casou e teve dois filhos, foi um dos fundadores do Teatro Experimental do Negro na década de 1940.
Começou assim, nos anos de 1950, a trajetória da moça nascida no Rio, filha de uma costureira e de um bombeiro hidráulico, e que aos 11 anos de idade, quando a mãe faleceu, foi morar com a avó na casa onde ela trabalhava como governanta.
As artes cênicas mudaram a vida e o destino de Léa Garcia, que se tornou uma voz contra o racismo e o preconceito. Ao pisar no palco, Léa abriu caminho para os atores negros que vieram depois.
“Seu ofício me deu forças para acreditar que em plena década de 1960, eu, mulher preta, em um país como o Brasil, poderia conseguir também”, diz a atriz e cantora Zezé Mota.
Ainda no início da carreira, participou de um marco do teatro brasileiro: a primeira montagem de “Orfeu da Conceição”, em 1956, peça escrita por Vinícius de Moraes. Elenco só de atores negros, encenada no Theatro Municipal do Rio. A peça foi parar no cinema, na adaptação “Orfeu negro”, com direção do francês Marcel Camus, e ela foi indicada à Palma de Ouro de melhor atriz no Festival de Cannes.
O maior sucesso veio em 1976, com a primeira vilã que Léa interpretou na Globo: Rosa, na novela “Escrava Isaura”.
“Eu digo que a Rosa é o meu cartão de visita, a novela ’Escrava Isaura’ é o meu cartão de visitas com relação a novelas. Eu me lembro que teve uma cena em que quando eu acabei de fazer todas as perversidades com a Isaura, eu tive uma crise se choro porque me pegou muito forte”, contou Léa Garcia ao Memória Globo.
Léa foi uma professora de história que vê a filha sofrer com o preconceito na novela “Marina” e decide dar uma aula sobre Zumbi dos Palmares.
“Se eu fizer esse personagem, levar esse personagem ao ar, o pessoal do movimento negro, vai dizer, mas Léa você não contestou, não deu para falar nada?”, contou.
Léa acabou reescrevendo o texto original.
“E pude trazer para a tela, jogar para todo o Brasil, uma página da história, com uma visão realmente que vem nos satisfazer”, disse.
Em 70 anos de carreira, vieram muitos outros personagens. Em 2017, participou da série “Mister Brau”, ao lado de Lázaro Ramos e Taís Araújo.
“Eu me lembro de vê-la na televisão e sonhar em um dia poder estar perto dela, contracenar com ela por causa da força que ela tinha. Hoje é um dia de agradecer a ela por tudo que ela fez, por todo caminho que ela abriu, por todo talento que ela ofereceu para esse país”, diz Lázaro Ramos.
Uma coleção de mulheres a quem Léa sempre emprestou força, coragem e pioneirismo.
“Vocês pensam que é uma vida glamorosa, não é uma vida glamorosa. É uma vida de muito trabalho, de muita conquista. O negro dentro da televisão ou em teatro, ele luta com muita coisa, ela conquista o seu espaço com unhas e dentes”, disse.
Em 2022, Léa Garcia voltou ao teatro com a peça “A vida não é justa”, dirigida por Tonico Pereira. Estava trabalhando com fôlego de quem nunca perdeu o encanto pelas artes cênicas.
Léa tinha acabado de gravar a terceira temporada da série “Arcanjo renegado”, do Globoplay. Outro trabalho ainda nem visto pelo público foi a série “Vizinhos”, que vai ar na semana que vem no Canal Brasil.
“A gente perde uma mulher que ajudou a construir a cultura desse país. Então, eu só agradeço à Léa por todo caminho trilhado, pela resistência, pela resiliência e por ter pavimentado o caminho que eu sigo hoje, a minha geração, e todas as gerações que estão por vir”, diz a atriz Taís Araújo.
Léa Garcia foi e vai continuar sendo referência e inspiração. Mestra, que merece as reverências e todos os aplausos.
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FONTE: Lapada Lapada