quarta-feira, fevereiro 5, 2025

“Cinema brasileiro quase paralisou; hoje vive efervescência”

O diretor e roteirista cuiabano Bruno Bini afirmou que a morosidade na liberação de incentivos ao audiovisual nos últimos anos fez com que muitos projetos ficassem engavetados. Para ele, atualmente a produção no País vive um “boom”.

 

Ele disse ter vivido na pele a situação, ao esperar cerca de seis anos para produzir o segundo longa-metragem de sua carreira, que foi selecionado em editais no ano de 2017. Cinco Tipos de Medo começou a ser filmado esta semana na Capital.

 

“Agora estamos retomando de um hiato de alguns anos, depois que tivemos uma situação de quase paralisação da maior parte dos projetos audiovisuais para cinema e TV que tem seus recursos garantidos através de editais, através do Fundo Setorial do Audiovisual”.

  

Na entrevista, Bini também fala sobre o cenário do cinema brasileiro, da escolha da atriz Bella Campos para o seu novo longa e dá detalhes sobre o processo de produção que ocorre em Cuiabá.

 

Confira os principais trechos da entrevista:

 

MidiaNews – Como você avalia a situação do cinema nacional? Evoluiu ao longo das últimas décadas? 

 

Bruno Bini – No que diz respeito ao conteúdo ou a processos de produção, a disponibilidade de recursos, há mais filmes sendo produzidos. O cinema brasileiro é muito potente, é muito respeitado no Mundo inteiro.

 

É um cinema que se faz presente nos maiores festivais, já teve algumas vezes indicado ao Oscar, que é o maior termômetro do mercado audiovisual mundial. O cinema brasileiro, há muito tempo, já ocupa um lugar de destaque e respeito no âmbito do cinema mundial. 

 

Por incrível que pareça, a luta maior é para garantir e consolidar esse espaço dentro de casa, aqui no Brasil. Nós estamos novamente passando por uma retomada.

 

Há um número gigantesco de outros projetos na mesma situação, que estão conseguindo ser realizados apenas agora

E agora estamos retomando de um hiato de alguns anos, depois que tivemos uma situação de quase paralisação da maior parte dos projetos audiovisuais para cinema e TV que tem seus recursos garantidos através de editais, através do Fundo Setorial do Audiovisual. 

 

Então, a coisa ficou muito devagar nos últimos anos e agora estamos numa retomada. O que está ocorrendo é quase um boom no número de produções, por conta de projetos que ficaram paralisados e agora estão começando a ser produzidos. 

 

Então, hoje, o cinema e audiovisual no Brasil está num momento de efervescência. Está todo mundo produzindo em todas as regiões.

 

MidiaNews – O cinema nacional usa recursos de leis de incentivo, que foram bastante criticadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Sentiu alguma dificuldade para o audiovisual naquele período?

 

Bruno Bini – Sim. Como eu disse, houve quase que uma paralisação total. Para você ter uma ideia, o meu filme, o primeiro edital no qual ele foi escrito é de 2018, e estamos rodando agora em 2023.

 

Então, há um número gigantesco de outros projetos na mesma situação, que estão conseguindo ser realizados apenas agora. O cinema no Brasil, e em tantos outros países do Mundo, para acontecer, precisa de investimento público, de políticas públicas que garantam que as nossas histórias sejam contadas.

 

Isso não é uma coisa só do Brasil. Isso em vários países da Europa, inclusive nos Estados Unidos, acontece também. Porque o que acontece? Quando você faz uma produção grande, você movimenta vários setores do mercado. Para cada real investido, você mais que duplica o retorno quando está falando de economia criativa.

 

Por exemplo, no nosso filme a gente tem fornecedores de diversos setores. Tem o equipamento do pessoal envolvido no audiovisual, tem transporte, combustível, alimentação, hospedagem. Então a gente tem uma capacidade de empregar profissionais e serviços de diversos setores. Isso é muito interessante.

  

MidiaNews

Bruno Bini

“A gente teve casos de produtores entrando com recurso na Justiça para que o projeto andasse”

MidiaNews – Houve alguma mudança no governo atual com relação ao governo anterior na questão de financiamento e incentivo? Você já sentiu alguma diferença?

 

Bruno Bini – Acho que o que aconteceu é que os processos começaram a cumprir seus prazos. Essencialmente isso. A gente teve casos de produtores entrando com recurso na Justiça para que o projeto andasse, há alguns anos. Hoje em dia, o andamento, as aprovações, contratações, até mesmo respostas estão acontecendo da forma como deveria.

 

E também estamos tendo debates importantes de políticas públicas. Hoje a gente está debatendo a cota de tela, por exemplo.

 

MidiaNews – As salas de cinema são ocupadas quase que totalmente por produções norte-americanas. Você defende cota de tela no Brasil?

 

Bruno Bini –  Lógico! A cota de tela é um mecanismo de proteção do mercado interno. Existem mecanismos de proteção da nossa produção em várias outras indústrias. É importante que a indústria do audiovisual seja cada vez mais vista como importante ao País. 

 

E, ao ser vista dessa forma, a discussão da cota de tela se torna fundamental, porque a gente precisa garantir que o que é produzido aqui no Brasil chegue ao público. 

 

Não há janela para que os nossos filmes sejam exibidos. Então, não existe o acesso do público a esses filmes, a esses produtos audiovisuais. Assim, não existe formação de público, não existe fortalecimento do mercado. É importante entender isso como uma discussão profundamente necessária.

 

A partir do momento que você deixa essa decisão para entes estrangeiros sobre o que é feito, o que é distribuído ou não aqui no país, você faz um filtro maligno para a indústria do cinema. Impede que nós, brasileiros, tenhamos acesso ao que a gente mesmo produz.

 

Quando você tem dois grandes blockbusters, dois filmes que são muito bons, como Barbie e Oppenheimer aqui em Cuiabá, por exemplo, tomaram quase a totalidade das salas, mais de 90%. Como competir com isso? Como alcançar o seu público dentro de um sistema que cria esse tipo de situação? Então é preciso que a gente garanta o espaço ao material produzido no Brasil.

 

MidiaNews – Você acredita que baixas bilheterias aqui no Brasil, para filmes nacionais, podem ser por conta da qualidade de produção? 

 

Barbie e Oppenheimer aqui em Cuiabá, por exemplo, tomaram quase a totalidade das salas, mais de 90%. Como competir com isso?

Bruno Bini – Não, de forma alguma. Essa é uma pergunta que conversa muito com o que a gente está falando da cota de tela. As pessoas não estão acostumadas a ver filmes brasileiros. Apesar de que o produto audiovisual de maior sucesso no Brasil, é brasileiro: é a novela. A gente tem gerações e gerações de consumidores de audiovisual que fizeram da novela o produto preferencial.

 

Hoje a gente tem séries, por exemplo, como “Cangaço Novo”, brasileiríssima, falando do interior do Nordeste e que está no trending topics de muitos países. Então, sugerir que o pouco espaço dos filmes brasileiros é devido a uma suposta má qualidade ou algo desse tipo é maldoso. E é desinformado, porque só fala isso quem não conhece, não assiste, o que tem sido produzido no País. 

 

MidiaNews – Os cinemas em Cuiabá diminuíram a exibição de filmes legendados. Acha que isso se trata de um desrespeito, um retrocesso?

 

Bruno Bini – Esse é um tema que passa por várias questões. Passa por demanda e passa por acessibilidade. Então, quando a gente está falando em acessibilidade, é importante entender qual que é a melhor maneira de ter cada vez mais pessoas vendo e compreendendo filmes.

 

Hoje, todo filme produzido com apoio do Fundo Setorial do Audiovisual, por exemplo, com apoio da lei do audiovisual, precisa ter audiodescrição, precisa ter legendas para habilitar ou desabilitar. Precisa ter recursos de acessibilidade para que as pessoas com deficiência visual ou auditiva possam assistir.

 

Já sobre essa questão da legenda versus a dublagem, só pode ser uma questão de demanda do mercado. Os exibidores estão entendendo que existe mais procura pelos filmes dublados. Mas eu, pessoalmente, prefiro assistir os legendados.

 

Eu acho que na dublagem, apesar de a gente ter ótimos dubladores no país, a gente perde muito da intenção original, da energia, da cena. 

 

MidiaNews – Falando agora sobre o seu trabalho: como você financia suas produções? No caso do filme “Cinco Tipos de Medo”, pode falar quanto vai ficar o custo final? 

 

Bruno Bini – “Cinco Tipos de Medo” é o filme de maior orçamento que já produzi. Tem recursos de três editais do Fundo Setorial do Audiovisual. O primeiro foi um edital de arranjo regional, que tem recurso do Governo do Estado e do ente Federal, no caso o Fundo Setorial da Audiovisual.

 

MidiaNews

Bruno Bini

“Cinco Tipos de Medo é o filme de maior orçamento que já produzi. Tem recursos de três editais”

Depois, há outro edital do Fundo Setorial, de Fluxo Contínuo e por último um edital de complementação. O orçamento destinado à produção é de R$ 4,8 milhões. 

 

MidiaNews – Seus filmes já foram exibidos aqui em Mato Grosso gratuitamente. Essa foi uma maneira que encontrou de democratizar o acesso ao seu produto?

 

Bruno Bini – É uma maneira de democratizar o acesso, com certeza, mas é uma vontade minha também. Quando a gente lançou o meu último filme, o “Loop”, a gente ainda estava num rescaldo da pandemia. Então, a gente fez um lançamento muito pequeno, porque existia limitação de número de pessoas em sala de cinema.

 

Havia uma porcentagem, se não me engano, de apenas 30% das salas que se podia ocupar. Então, a gente fez o lançamento e logo em seguida ele foi para o streaming. Então, não chegou a Cuiabá.

 

A gente faz um esforço para que cada vez mais pessoas assistissem ao filme. Em especial pessoas da região onde a gente filmou, no caso, Cuiabá. Estou fazendo um filme em Cuiabá com equipe daqui, com talentos locais.

 

É muito importante que a gente crie oportunidade para que haja esse encontro do filme que a gente produziu aqui com o público local. E eu busco isso em todas as minhas produções, seja longa ou curta. 

 

MidiaNews – Você gravou “Loop” aqui em Cuiabá, agora irá filmar “Cinco Tipos de Medos” também na Capital. Por que você decidiu repetir a dose?

 

Bruno Bini – Tenho uma infinidade de motivos para rodar aqui e poucos motivos para não rodar aqui. Esse roteiro é inspirado em histórias locais. Ele é um roteiro permeado pelo universo mato-grossense, pelo universo cuiabano. Então, acho que é muito natural que a gente localize ele aqui, que conte essa história aqui mesmo.

 

Segundo, porque Cuiabá e Mato Grosso têm um cenário que foi pouco registrado. A gente quer, com esse filme, com todos os outros que estão sendo produzidos aqui, pontuar de uma forma muito clara que existem histórias a serem contadas aqui, nesse miolo de Brasil, nesse centro do País.

 

Esse roteiro é inspirado em histórias locais. Ele é um roteiro permeado pelo universo mato-grossense

Histórias potentes, importantes. Registrar esses nossos cenários, essas nossas personagens. Acho que é fundamental, numa tentativa, num esforço mesmo, de que o resto do País vire o olhar para cá cada vez mais. É uma coisa muito importante para mim, pessoalmente.

 

MidiaNews – E como cuiabano, como é fazer cinema na sua cidade? Qual é o sentimento?

 

Bruno Bini – Fico muito feliz. Fico até emocionado, porque acabo revisitando a cidade. Toda vez que começo um filme e a gente começa a escolher locações. Não tem como deixar de fazer essa escolha de locações através de um filtro, sabe, que conversa muito com a minha própria história.

 

Para mim é um privilégio registrar a minha cidade e entender que a gente vai colocar esses cenários em cinemas do Brasil inteiro. Esparramar para um público bastante amplo, alcançar pessoas que talvez nunca viessem a Cuiabá ou não tem ideia de como é a cidade e nosso universo.

 

Então, para mim, é pessoalmente muito especial. E é mais especial ainda saber que essas imagens, essas cenas, histórias vão encontrar cada vez mais pessoas que não fazem ideia do que acontece aqui. Nós temos aqui já grandes contadores de história e tenho orgulho de fazer parte deles.

 

MidiaNews –  O filme é inspirado na história real de um traficante cuja prisão revoltou a comunidade. Por que se interessou tanto pela história a ponto de fazer um curta e um longa sobre ela?

 

Bruno Bini – “Cinco Tipos de Medo” não é só uma história do traficante. A gente tem cinco protagonistas. É um drama urbano sobre pessoas de diferentes universos cujas histórias se encontram, se esbarram.

 

Acho que é fundamental, numa tentativa, num esforço mesmo, de que o resto do País vire o olhar para cá cada vez mais

Então, acho que existe essa noção de que é um filme sobre o traficante por conta da vitrine que as reportagens tiveram e tudo mais, mas não é só isso. Ele é essencialmente um filme sobre pessoas em momentos desafiadores da sua própria história.

 

No filme, a gente explora justamente esse encontro dos universos particulares de cada um desses personagens, que inicialmente são aparentemente desconectados. Mas a partir de um evento em comum, todos eles acabam criando laços narrativos que vão levar a história de cada um para caminhos que eles nunca esperavam. 

 

Então, é uma história que a gente chama de multiplot, multipersonagem. É um roteiro que conversa muito com o que é a vida real. A gente passa pela vida, se encontrando e se esbarrando com tanta gente.

  

São cinco personagens muito fortes e interessantes, e acho que vai ser divertido, instigante, e bastante emocionante acompanhar cada um deles.

 

MidiaNews – Você já tem acordo com alguma plataforma de streaming para exibir o filme?

 

Bruno Bini – Ainda não. Temos uma distribuidora, que é a Downtown Filmes. É a maior distribuidora de filmes nacionais do Brasil. Então, é um acordo que com certeza vai fazer com que o filme chegue no maior número de espectadores, seja no cinema, seja nas plataformas de streaming.

 

MidiaNews – Como foi o processo de escolha da Bella Campos para compor o elenco? E o Xamã?

 

Bruno Bini – Nós temos uma produção de elenco que organizou um processo de seleção bastante amplo. Eu já tinha pensado na Bella há algum tempo, mas não queria que a minha percepção pessoal interferisse. Porque seria fácil. Poxa, ela é cuiabana. Não queria que essa identificação particular e o fato dela ser cuiabana fossem um filtro para a escolha.

 

Quando a gente começou o processo de seleção do elenco todo, deixei o produtor de elenco muito à vontade. Mas o que acabou acontecendo foi que o nome dela veio naturalmente, apareceu entre algumas opções de atrizes, mas foi quase que um consenso geral entre eu como diretor, a produção de elenco, assistência de direção, de que seria o melhor nome.

 

Não só por ela ser cuiabana, mas sim pela capacidade interpretativa dela, pela potência do trabalho que ela tem entregue. E foi assim, uma escolha que foi feita com muito cuidado.

 

A gente já começou as filmagens, e já estava muito seguro, mas estou cada vez mais convicto de que foi a melhor escolha. O nível de dedicação e compromisso dela com a história, com o filme que a gente está produzindo, é incrível.

  

Para mim é um privilégio registrar a minha cidade e entender que a gente vai colocar esses cenários em cinemas do Brasil inteiro

O Xamã é o único. Esse é o primeiro filme dele. Pelo que me disse, ele está buscando abrir mais plataformas de criação. Ele sempre teve na carreira dele uma conversa, um interesse muito grande pelo audiovisual. E aí, começou a se dedicar e a se preparar para acessar novas oportunidades de fazer a arte dele.

 

Então, foi uma sugestão muito interessante da produção de elenco e ele fez um teste. A gente gostou muito do teste, pedimos pra ele fazer um segundo teste, com uma abordagem um pouco mais específica e ficou mais incrível ainda.

 

MidiaNews – De todos, ele tem o sotaque mais arrastado de carioca. Como que está essa adaptação?

 

Bruno Bini – A gente está tranquilo com relação a isso, porque hoje Cuiabá não é uma cidade provinciana. Cuiabá já é um grande centro urbano, que passou por um processo de receber gente de todo o país. Então, a gente tem vários sotaques aqui. Existem pontuações de uma boa parte do elenco no que diz respeito ao sotaque cuiabano.

 

Mas há liberdade, porque a realidade nos permite isso. Se a gente estivesse numa cidade com sotaque muito específico, muito forte, que todo mundo entregasse o mesmo tipo do falar, acho que seria algo que a gente buscaria retratar de uma maneira mais forte.

 

Mas, com certeza, o povo cuiabano está retratado no filme, a cultura cuiabana, nossos cenários, a cidade como um todo, será retratada no filme.

 



FONTE: Midia News

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