Aborto e Catolicismo. Geralmente há polêmica quando essas duas palavras aparecem juntas. E o assunto voltou à tona com o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez, fazendo com que a Igreja Católica iniciasse um movimento de apoio à vida em todas as suas fases e manifestações.
Em entrevista ao MidiaNews, o padre Deusdédit de Almeida, que administra a Catedral Basílica do Senhor Bom Jesus, em Cuiabá, afirmou que não há razões éticas e científicas para legalização do aborto. E se posicionou contra a interrupção da gravidez até em casos de estupro, como já é autorizado no Brasil.
“As pessoas defendem, de maneira justa, o combate a violência contra a mulher, mas é a favor de outra violência para combater a violência do estupro?”, questionou.
Na entrevista, o padre ainda comentou sobre feminícidio, desestruturação das famílias e guerra no Oriente Médio.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews – Recentemente, a Igreja Católica participou de uma caminhada pela vida e contra o aborto. Qual a razão desse ato?
Deusdédit de Almeida – A igreja sempre se posicionou e se posicionará contra o aborto por duas razãos: lei natural e lei religiosa. Do ponto de vista da lei natural, o aborto é um crime contra a vida. Qualquer crime contra a vida é punido pela Legislação. Nós vemos o aborto como um assassinato de seres sem defesa.
E do ponto de vista religioso, temos muito mais obrigação de estar contra porque é uma desobediência ao quinto mandamento da lei de Deus: não matarás.
Não existe nenhuma justificativa, nem ética, nem científica para a legalização do aborto.
Na ciência, sabemos que a vida começa com a fecundação do ovo pelo espermatozoide. Ali já existe vida.
MidiaNews – E em casos de estupro?
Paula Shaira/MidiaNews
“Não existe nenhuma justificativa, nem ética, nem científica para a legalização do aborto”
Deusdédit de Almeida – Também, em caso de estupro, sempre defenderemos a vida. Uma pesquisa feita em 2004 pela Universidade de São Paulo apontou que 80% de mulheres grávidas, fruto de estupro, não quiseram abortar, estavam satisfeitas com a gravidez. As mulheres que abortaram, ficaram arrependidas.
Então, não há justificativa também para o aborto fruto do estupro. O bebê não tem culpa de como foi concebido.
As pessoas defendem, de maneira justa, o combate a violência contra a mulher, mas é a favor de outra violência para combater a violência do estupro? É a pergunta.
Eu mesmo acompanhei muitas mulheres que sofreram estupro, tem que ter um tratamento curativo, psicológico, espiritual, tem que ajudar a vítima, elas sofrem. Mas também o ser humano precisa ser ajudado.
A ética da Igreja é a ética da vida. Respeito à vida em todas as suas fases e manifestações, até o seu declínio natural com a morte.
MidiaNews – E quando a gravidez representa um risco para a vítima, em casos de estupro de crianças e adolescentes, por exemplo?
Deusdédit de Almeida – Defendemos a vida da mãe e a vida da criança. Nas culturas medievais antigas, a mulher casava muito cedo, com 12, 13 anos. Nossos pais, por exemplo, a minha mãe com 13, 14 anos já estava em fase de namoro, porque era em sítio, casaram muito cedo. Isso é cultura de muitos povos. Então não justifica exterminar a criança por causa disso.
MidiaNews – Recentemente, a ministra Rosa Weber, que vai se aposentar, votou pela liberação do aborto em caso de gravidez com menos de 12 semanas. Como viu esse voto da ministra? Na sua opinião, a Igreja Católica deveria dialogar com os ministros da Corte para que votem diferente da ministra Rosa Weber?
Deusdédit de Almeida – Sim, existem interlocutores da Igreja. Foi realizada uma audiência pedindo que os ministros tenham consciência. Nada justifica, não há razões éticas e científicas para a descriminalização do aborto. Como disse, para nós a vida começa com a fecundação; o embrião é vida humana individualizada.
Se aprovada, será uma lei imoral do ponto de vista da ética da vida e da ética cristã. Nem tudo aquilo que é legal é moral.
MidiaNews – Os defensores do aborto alegam que a proibição leva a mortes de mulheres em clínicas clandestinas. E que se trata de uma discussão sobre saúde pública, não religião. Eles não têm uma certa razão na medida em que os abortos são realizados nestas clínicas clandestinas?
Deusdédit de Almeida – Existem, sim, muitos abortos clandestinos frutos de adultério, de infidelidade… Portanto, não está na esfera jurídica isso. E tem mais uma coisa, o nosso SUS já tem um serviço tão precário para quem precisa, ainda vai colocar mais essa problemática do aborto para ser tratado no SUS? É uma pergunta que fica, um questionamento.
Nós vivemos numa sociedade secularizada, onde o fator religioso não influencia mais na esfera política e social
Nós ficamos tristes e nos solidarizamos com tantas mães que foram vítimas de violência, de estupro. Mas queremos sempre priorizar a vida da mãe e a vida dos filhos também.
MidiaNews – Nos últimos meses, a defesa da descriminalização do aborto tem ganhado força no Brasil. Tem um diagnóstico do porquê disso?
Deusdédit de Almeida – Nós vivemos numa sociedade secularizada, onde o fator religioso não influencia mais na esfera política e social. Esse é um elemento. No passado, tínhamos muito mais influência. O crescimento do ateísmo, do materialismo, do feminismo… A gente respeita, porque vivemos numa sociedade democrática. Mas, como disse, a nossa posição de Igreja é sempre pela vida. Não há justificativa ética e científica. Toda ciência, nós embasamos na ciência, não só na lei natural, não só na lei divina.
E por isso nós combatemos todas as formas e tipos de aborto que possam existir. E a Igreja vai continuar contra. Quando veio o divórcio, a Igreja sempre foi contra o divórcio, o casamento é indissolúvel. Queiramos ou não, está aí na lei, mas temos que ir contra, porque é contra a palavra de Deus.
MidiaNews – Nos últimos dias, temos visto em Mato Grosso muitos casos de maridos e ex-maridos matando mulheres e de forma violenta. Para um religioso, que defende a família, como é se deparar com notícias como essa?
Deusdédit de Almeida – É muito triste. O feminicídio é um pecado social, é um mal social que precisa ser combatido. Falta de Deus no coração das pessoas, falta de conhecimento da palavra de Deus, falta de consciência. É importante quando o relacionamento não está mais dando certo, tem que dialogar, é melhor separar, nesses casos, do que terminar em tragédia, porque os filhos é que vão sofrer as consequências. Uma família sem a mãe ou sem o pai.
Há muitas pessoas que precisam se tratar quando tem conflito, buscar aconselhamento, buscar autoajuda, buscar orientação espiritual, para que não tenha esse final triste, trágico. Isso é muito triste para a sociedade. Nós devemos ter sempre muito respeito pela dignidade de todas as mulheres.
MidiaNews – A que atribui tamanha desestruturação em muitas famílias brasileiras?
Deusdédit de Almeida – Tem várias vertentes, várias causas. Primeiro, a questão econômica afeta, o desequilíbrio social, a desigualdade. Tem também a questão de casamentos prematuros, pessoas que casam precocemente, sem preparo. Tem também pessoas que são doentes psiquicamente, que se acham donos da pessoa.
Uma pessoa que pratica femicídio tem uma patologia, precisa ser tratada. Por isso temos muitas pessoas doentes na sociedade, pessoas doentes dentro da família, que precisam de tratamento. E a gente quer ajudar. A pastoral familiar ajuda muitas pessoas que estão com problema de orientação psicológica, espiritual, para que não termine em tragédia.
MidiaNews – Outro problema que as famílias vivem é o crescente uso de drogas. A religião e a fé podem ser aliados no combate ao vício?
Deusdédit de Almeida – As igrejas sempre foram aliadas no combate ao vício, porque toda falta de moderação, tanto na bebida quanto nas drogas, é o que leva às vezes para a violência. Na raiz de toda violência estão as drogas, sejam as lícitas ou ilícitas. Às vezes, a gente fala muito das ilícitas, mas tem as lícitas. Quantos acidentes estão acontecendo de trânsito? A Lei Seca está aí para provar isso. Pessoas que bebem muito, que não têm moderação… Então, isso também tem que ser combatido.
As drogas fazem o mal imenso à vida. Nós temos na Igreja a pastoral da sobriedade, que trabalha bastante na linha do AA [Alcoólicos Anônimos], de prevenção, de criar grupo de ajuda nas comunidades para pessoas que estão com problemas.
MidiaNews – Há poucos dias o mundo se viu diante de uma nova guerra, com o ataque do Hamas a Israel, que revidou. Qual a visão do senhor sobre o que está acontecendo no Oriente Médio?
Paula Shaira/MidiaNews
“O feminicídio é um pecado social, é um mal social que precisa ser combatido”
Deusdédit de Almeida – Aqui a gente não pode opinar de um lado ou de outro. Dos dois lados existem atrocidades, existe violência. E a visão que temos é que guerra chama guerra, aumenta sempre mais o ódio entre os povos. Violência chama violência. É uma espiral que vai acontecendo.
A gente, às vezes, quando surge uma guerra já logo toma partido de um lado ou de outro. Precisamos estar ao lado da paz, porque dos dois lados existem vidas que estão sendo ceifadas, destruídas. Foi destruído um hospital na Palestina para atender as pessoas. Isso é uma tragédia humanitária.
E precisamos ser solidários com as famílias que estão sofrendo. Ao menos um corredor humanitário tem que acontecer para levar alimentos, água e aqueles bens de primeira necessidade para aquele povo sofrido. Vamos orar pela paz. A paz é o quê? É um valor universal.
MidiaNews – Embora a briga atual seja por território, há uma rivalidade antiga entre muçulmanos e judeus. Matar usando o nome de Deus não é algo terrível?
Deusdédit de Almeida – As três religiões monoteístas maiores da Terra, que é o islamismo, judaísmo e cristianismo, têm a mesma fonte, a mesma raiz, que é o Pai Abraão. Ora, se nós temos um Pai comum na fé, que é o Pai dos cristãos, Pai dos judeus, dos árabes, por que viver em guerra?.
Nós temos que buscar essa fraternidade universal, cada um na sua crença, vivendo a sua fé, mas vivendo como irmãos, porque temos um Pai em comum, que é o Pai Abraão. É importante que haja um entendimento.
Quero conclamar, neste momento, para que as pessoas façam oração, jejum e sacrifício pela paz. Não só lá, mas também na Rússia e Ucrânia. O Mundo está em chamas e temos que estar sempre preocupados, nos solidarizar com a causa da paz. Não se trata agora de tomar partido desse ou daquele lado, mas de defendermos vidas.
FONTE: Midia News