Nomes como a influenciadora digital Virginia Fonseca e os ex-BBBs Juliette, Rafa Kalimann e Eliezer vêm usando as redes sociais para replicar denúncias de exploração sexual de crianças e tráfico de pessoas menores de idade na Ilha de Marajó, no Pará. O assunto veio à tona após a cantora Aymeê entoar a música autoral “Evangelho de fariseus”, na última quinta-feira (15), na semifinal do programa “Dom reality”, competição musical entre artistas do universo gospel, com transmissão no YouTube.
A letra de “Evangelho de fariseus” faz citação direta a Marajó, num dos versos, ao lançar luz para problemas sociais e ambientais na ilha amazônica: “Enquanto isso, no Marajó / O João desapareceu / Esperando os ceifeiros da grande seara / A Amazônia queima / Uma criança morre / Os animais se vão / Superaquecidos pelo ego dos irmãos”.
“Marajó é uma ilha a alguns minutos de Belém, minha terra. E lá tem muito tráfico de órgãos. Lá é normal isso. Tem pedofilia em nível hard. As crianças de 5 anos, quando veem um barco vindo de fora com turistas (a jovem se interrompe)… Marajó é muito turístico, e as famílias lá são muito carentes. As criancinhas de 6 e 7 anos saem numa canoa e se prostituem no barco por R$ 5”, afirmou Aymeé, em frente aos jurados, depois de apresentar a canção autoral.
Na mesma ocasião, Aymeê criticou a apatia da população brasileira diante da calamidade pública que denunciou. “Jesus me fala que às vezes nós, cristãos, terceirizamos muito para o governo o que é de responsabilidade nossa, como cristãos”, concluiu a jovem cantora.
Desde então, o assunto viralizou nas redes sociais e inspirou uma campanha impulsionada por famosos. A ex-BBB, apresentadora e atriz Rafa Kalimann afirmou que o vídeo com a performance de Aymeé “reacendeu” um tema “tão delicado e urgente”. “É nosso dever, enquanto pessoas públicas, tornar esse caso ainda mais conhecido pelas pessoas. É nosso dever como cidadãos apontar o dedo e dar voz a uma causa tão absurda que pessoas em condições precárias estão passando”, reinvindicou ela, por meio de publicação no Instagram.
O ex-BBB Eliezer também compartilhou o vídeo. “Estou chorando, estou triste. Não estou conseguindo dormir. Meu Deus do céu”, lamentou ele. Em seguida, o influenciador digital de 34 anos acrescentou: “Eu não tinha conhecimento nenhum sobre o que acontece na ilha. Estou lendo tudo o que posso agora. E estou perplexo (…). Está acontecendo por anos debaixo do nosso nariz e ninguém faz nada para ajudar aquelas crianças”.
Pior IDH do país
No Brasil, o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) — indicador composto por dados acerca de expectativa de vida, educação e indicadores de renda per capita — está num ilha do arquipélago do Marajó. Melgaço (PA) tem pouco mais de 26 mil moradores e índice de 0,418. A título de comparação, o município na melhor posição, São Caetano do Sul (SP), é 0,862, o dobro. A lista mais recente dos IDHs municipais, feita pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), é de 2013. Quanto mais perto de 1, maior o desenvolvimento.
Em maio de 2023, o governo federal lançou o programa Cidadania Marajó para enfrentar a exploração e o abuso sexual de crianças e adolescentes no arquipélago. A iniciativa de Lula (PT) substituiu o “Abrace o Marajó”, projeto criado por Damares Alves (Republicanos-DF) durante o governo de Jair Bolsonaro para minimizar a vulnerabilidade social, econômica e ambiental na região.
O programa atualmente mantido pelo governo federal junto ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania tem por base a promoção de atividades de escuta, atendimentos à população e diagnóstico para execução do acordo de respostas socioambientais à região. A pasta mantém a ouvidoria Disque Direitos Humanos (Disque 100), canal de denúncia de violação dos direitos humanos.
Denúncia sem provas
Em 2020, durante um culto em Goiânia (GO), a então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves chegou a afirmar que procurava soluções para denúncias de mutilação e tráfico de crianças para exploração sexual na Ilha de Marajó. Na ocasião, a parlamentar ressaltou que as crianças estavam sendo traficadas e tinham seus dentes “arrancados para elas não morderem na hora do sexo oral” — e que ela possuía imagens que comprovavam a denúncia.
Após a repercussão da fala, o Ministério Público Federal (MPF) no Pará pediu informações detalhadas para a então ministra. Damares afirmou, porém, que as denúncias eram embasadas em relatos que ouvira “nas ruas” e que não conseguiria apresentar qualquer prova. De acordo com o MPF, a atitude teria propagado fake news e causado danos sociais e morais coletivos à população do arquipélago. Por isso, o órgão pediu retratação pública e indenização de R$ 5 milhões por parte da senadora.
Denúncias desde 2006
Em abril de 2006, o bispo emérito de Marajó, Monsenhor Dom José Luiz Azcona, apresentou denúncia formal ao governo federal e ao presidente da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial na Câmara dos Deputados sobre casos de adolescentes que estariam sendo vítimas de exploração sexual no município de Portel (PA), também em Marajó.
O presidente da comissão à época — o deputado Luiz Couto (PT-PB) — viajou para o Pará, em maio de 2006, com o objetivo de apurar denúncias que apontavam a existência de uma rede de prostituição infantil na região próxima à Ilha de Marajó. O relatório da viagem, disponível no site da Câmara, trouxe depoimentos de vítimas. Parte delas acusava dois vereadores locais por estupro de menores.
FONTE: Folha Max