domingo, maio 19, 2024

TJ aceita extinção do Cristalino II, ongs criticam, mas Mauro não recorrerá | RDNEWS

Joao Paulo Krajewski/Divulgação

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso aceitou o pedido de anulação da criação do Parque Estadual Cristalino II, uma das mais importantes áreas de conservação de biodiversidade do mundo e barreira ecológica no Arco do Desmatamento, na Amazônia mato-grossense. O pedido foi feito pela Sociedade Comercial do Triângulo Ltda, que mira o desenvolvimento de atividades econômicas inviabilizadas pela proteção à unidade de conservação. O governador Mauro Mendes (União) afirmou que não vai recorrer à decisão e critica a criação de parques sem indenizações às empresas.

Nessa segunda-feira (6), organizações da sociedade civil criaram um abaixo-assinado, em apoio à manutenção da unidade. O Parque fica entre Novo Mundo (a 800 km de Cuiabá) e Alta Floresta (a 791 km de Cuiabá). A empresa alega que não houve consulta à população. Os desembargadores julgaram procedente a ação.

O processo se arrastava desde agosto de 2022, quando o TJ decidiu em favor da Triângulo, especialmente, pela ausência de recursos processuais por parte do Governo de Mato Grosso, que perdeu prazos para recorrer e então, configurou-se trânsito em julgado. Por uma falha processual, o Ministério Público Estadual  (MPE), que é parte da ação, não foi citado sobre a decisão e sobre os prazos de recurso. Com isso, o processo foi reaberto e o MP pôde tentar reverter a decisão ao apresentar um recurso de embargo de declaração, negado no último dia 02 pelo TJ.

No recurso, o MP argumentou que a consulta para a criação de parque não é um vício insanável, conforme jurisprudência ampla do Superior Tribunal de Justiça (STJ). No entanto, os desembargadores Alexandre Elias Filho, Luiz Octávio Oliveira Saboia, Maria Fago, José Luiz Lindote e Mario Kono também desconsideraram os apelos do MP de que em uma ação privada, não pudesse obter a anulação de um ato administrativo de criação de uma unidade de conservação.

Tanto o MP quanto o governo podem entrar com um Recurso Especial, junto ao STJ e Recurso Extraordinário, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para defender a manutenção do parque. O maior obstáculo está em conseguir que esses recursos sejam aceitos com efeito suspensivo, ou seja, mantendo a UC até a decisão final desses tribunais. No entanto, em entrevista nessa segunda-feira (06), Mauro Mendes afirmou que não irá recorrer.

“Fiquei sabendo essa semana que só no Cristalino II temos uma condenação de R$ 120 milhões, porque quando criaram o parque tinham duas PCHs sendo construídas autorizados pelo Estado e o Estado foi lá e disse que não estava mais valendo e o dono da empresa entrou na Justiça pedindo indenização. Vamos ter que tirar do bolso do mato-grossense, da saúde, das escolas, das estradas, para indenizar aquilo que foi mal feito lá atrás. As pessoas acham que isso não custa nada, vai custar sim. O cidadão vai ter que pagar ou mais impostos ou vamos ter que tirar dinheiro dos impostos pagos hoje para indenizar decisões mal tomadas em determinado momento”, disse Mauro.

Críticas de Ongs

Assim, resta agora ao MP a nova tentativa. “A decisão é perigosa e abre a porteira para a liberação de empreendimentos de grande porte, mineração, desmatamento e hidrelétricas, entre outras atividades de alto impacto”, afirmou a consultora jurídica do Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT), Edilene Fernandes.

A diretora executiva do Instituto Centro de Vida (ICV), Alice Thuault, cuja instituição acompanha ao longo dos anos as ameaças às quais o parque está exposto, destaca que a decisão não incluiu uma revisão histórica com o rigor necessário.

“Há jurisprudências de outros lugares que apontam que essa suposta falha, de não haver consulta, o que não foi o caso, não justifica a extinção de parques. Então, esse tipo de decisão pode resultar em desmatamento, aumentando contribuições do Brasil para as mudanças climáticas. Afinal, o desmatamento, que é a transformação do uso do solo, é o que gera mais emissão de CO2 e aumenta a crise do clima”.

Alice destaca ainda que a extinção do Parque Estadual Cristalino II deve repercutir negativamente, frente aos acordos internacionais assumidos pelo Governo de Mato Grosso. 

“Afinal, na primeira fase de julgamento o governo se omitiu. O compromisso pode ser avaliado aí. Se o governo não interpuser um recurso após a publicação do acordão, isso vai ser uma demonstração se o Estado está ou não zelando pelas unidades de conservação estaduais. Se ele não entrar com recurso, isso mostra que para o governo estadual não faz diferença ou até que o Estado está a favor da diminuição das UCs”, cobra.

A diretora executiva da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, Angela Kuczach, também critica a decisão do TJ-MT. “O que está acontecendo no caso do Cristalino II é um absurdo sem tamanho! Vamos lembrar que esse parque está sendo perdido por W.O., ou seja, pela inação do Governo de Mato Grosso, que à ocasião da primeira decisão, quando teve oportunidade, ‘perdeu o prazo’”.

Ela alerta que é um precedente grave. “Não atinge apenas as unidades de conservação de Mato Grosso, mas todo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. A sociedade brasileira não pode pagar o preço dessa irresponsabilidade, que pode inclusive comprometer o cumprimento de acordos internacionais de proteção ambiental firmados pelo Brasil”.

O parque

Criado em 30 de maio de 2001 pelo Governo de Mato Grosso, o Parque Estadual Cristalino II, com 118 mil hectares, está localizado na Amazônia mato-grossense. Naquele ano, a unidade de conservação foi anexada ao Parque Estadual Cristalino I, criado em 2000, com 66,9 mil hectares. Ao todo, são 184,9 mil hectares de floresta amazônica primária que promovem a conservação da fauna e flora do sul da Amazônia brasileira.

Na região dos Parques Estaduais Cristalino I e II foram identificadas mais de 600 espécies de aves, sendo que 25 estão ameaçadas de extinção, 82 espécies de répteis, 60 de anfíbios, 98 de mamíferos, 2 mil de borboletas, 39 de peixes, além de mais de 1,4 mil espécies de plantas já catalogadas. Ao todo, são 41 espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção e 38 espécies endêmicas.



FONTE: RDNEWS

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