Rodinei Crescêncio/Rdnews
Coordenadora de Enfrentamento à violência contra a mulher e vulneráveis da Polícia Civil, a delegada Jannira Laranjeira, avalia que o Projeto de Lei 1.904/2024, conhecido como “PL do Aborto”, vai penalizar ainda mais a mulher que já foi vítima de crime brutal.
“Eu sou contra a penalidade. Aplicar pena para essa mulher que já foi vítima. Ela já tem um prejuízo emocional, um abalo psicológico absurdo, ela já sofre com as consequências da insegurança pública, porque o Estado falhou quando permitiu o abuso, a violência. Então, eu me posiciono contra (o projeto)”, frisa. Conforme dados da Sesp, a maioria das vítimas de estupro são crianças de até 11 anos.
A questão do aborto voltou a ser pauta nacional, dividindo opiniões, por conta da aprovação na Câmara Federal do regime de urgência para tramitação do Projeto de Lei 1904/24, do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros 32 parlamentares, que equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio. Os projetos com urgência podem ser votados diretamente no Plenário, sem passar antes pelas comissões da Câmara.
Em entrevista ao
A delegada argumenta que estudos da Organização Mundial da Saúde indicam que após a 22ª semana de gestação, o feto tem uma expectativa de vida extrauterina. “Ela tem uma possibilidade de vida muito maior que antes desse período”. Neste sentido, entende que é possível garantir os direitos da mulher e a vida do bebê.
“Ela (mulher) pode gerir sobre a vida dela, mas não pode gerir sobre a vida de um outro ser. O Estado tem o dever de cuidar, de dar proteção. Sou a favor da interrupção da gestação, mas não com o abortamento, não com morte do bebê. Preserva a integridade física, psicológica da mulher que decidiu tirar, mas tira esse bebê com vida”, salienta.
Em Mato Grosso, o Hospital Universitário Júlio Müller é referência para o procedimento. A unidade hospitalar possui o projeto Ypê que promove o acolhimento e atendimento médico da mulher vítima de violência.
Quando o aborto é permitido
No Brasil, o aborto é regulado pelo artigo 128 da Lei no 2.848 de dezembro de 1940. A interrupção da gestação é permitida em três situações: quando decorre de estupro; quando existe risco para a vida da mãe; e quando existe má formação no cérebro do feto (anencefalia).
A lei não é específica sobre até qual semana o aborto legal pode ser feito. No entanto, segundo a delegada Jannira Laranjeira, uma norma técnica do Ministério da Saúde de 2022 adota a recomendação de que o aborto deve ser realizado até a 22ª semana. “Essa norma técnica acompanhou o entendimento da Organização Mundial de Saúde, que definiu aborto até as 22 semanas da gestação”, explica.
Críticos do PL, no entanto, argumentam que a morosidade e empecílhos de cunho religioso, por exemplo, acabam criando obstáculos e atrasando a realização dos procedimentos. Assim, uma conjunção de fatores pode culminar em um aborto após 22 semananas.
O projeto
Fernando Frazão/Agência Brasil
O PL 1904/24 é de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e o requerimento de urgência para a votação do PL é de autoria do coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, deputado federal Eli Borges (PL-TO).
O projeto tem como objetivo alterar o Código Penal, que atualmente não prevê restrição de tempo para realização da interrupção da gravidez.
De acordo com o artigo 128 do Código Penal, é permitido o aborto quando não se há outro meio de salvar a vida da mãe e quando a gestação é resultante de estupro em mulheres e crianças. Nestes casos, não há prazo estipulado.
Na prática, o projeto criminaliza mulheres e crianças, independentemente da idade, que praticarem aborto após o período de 22 semanas de gestação, mesmo em casos onde a gravidez é de risco ou que é fruto de uma violência sexual.
Caso o projeto seja aprovado, mulheres e crianças que fizerem aborto após o período estipulado podem pegar 20 anos de prisão. Da bancada mato-grossense na Câmara Federal, o deputado Abilio Brunini (PL) é um dos co-autores que defendem pena maior para a vítima do que para o estuprador. Segundo Abilio, o objetivo da proposta é evitar o “homicídio de bebês”.
Junto com Abilio, a deputada federal Coronel Fernanda (PL) também subscreve a matéria. Nas redes sociais, os parlamentares de Mato Grosso são contabilizados como membros da chamada “Bancada do Estupro”. Já outros parlamentares como Nelson Barbudo (PL) e Gisela Simona (União) estão entre os que se posicionam contrários à proposta.
Isso porque, na prática, as mulheres vítimas de violência sexual ficarão numa posição pior do que a dos criminosos que praticaram o estupro, já que o artigo 213 do Código Penal, tem como pena mínima 6 anos e máxima de apenas 10 anos, para estupradores quando a vítima é adulta. Em casos que as vítimas são menores de idade, a pena mínima sobe para oito anos e chega no máximo 12 anos.
Já nos casos onde a vítima tem menos de 14 anos ou é incapaz de oferecer resistência, configurando assim estupro de vulnerável, a pena é de 8 a 15 anos. Ou seja, em todos os casos, as vítimas ainda são condenadas a uma pena maior que a dos estupradores.
FONTE: RDNEWS
