A presidente da OAB-MT, Gisela Cardoso, disse considerar a advocacia como uma “atividade de risco” e defendeu o direito ao porte de arma de fogo aos profissionais.
Para ela, a medida traria uma igualdade legal entre advogados e os demais “atores do sistema de justiça”, que já tem direito ao porte.
As declarações foram dadas em entrevista ao MidiaNews após a morte por execução do advogado e ex-presidente da Ordem, Renato Gomes Nery. O atendado aconteceu em plena luz do dia, na sexta-feira (5), em uma das mais movimentadas avenidas de Cuiabá, a Fernando Corrêa da Costa.
“Lidamos com conflitos das mais diversas áreas possíveis. O advogado é aquele que fala em nome de terceira pessoa e, infelizmente, a atuação transpassa para a parte contrária ou para o cidadão a sua atuação profissional. Em razão dessa atuação em situações de conflitos, o exercício da advocacia se torna, em muitos casos, uma atividade de risco” disse.
A liberação do porte de armas para advogados é discutida no Congresso Nacional, por meio de um Projeto de Lei e, segundo Gisela, apesar de ser uma discussão bastante controvérsia, se faz necessário avançar.
“Nesse contexto, primando pelo princípio da isonomia e considerando essa situação de risco de uma atividade que trabalha em meio a conflitos, entendo que é importante avançarmos nessa questão do porte de armas para advogados”, afirma.
Gisela Cardoso falou também sobre outros projetos de lei que tramitam no Congresso para promover a segurança da categoria, sobre a pena de morte e sua gestão à frente do cargo.
MidiaNews – Diante do que ocorreu recentemente com dois profissionais – além da tentativa de homicídio contra outro advogado em Sinop -, considera que a advocacia tem sido uma atividade de risco em Mato Grosso?
Gisela Cardoso – Considero a advocacia, sim, uma atividade de risco. Nós lidamos com conflitos das mais diversas áreas possíveis. O advogado é aquele que fala em nome de terceira pessoa, em nome da parte e, infelizmente, a atuação do advogado transpassa para a parte contrária ou para o cidadão a sua atuação profissional. Em razão dessa atuação em situações de conflitos, o exercício da advocacia se torna, em muitos casos, uma atividade de risco.
Em relação ao Renato Nery, ainda não temos essa conclusão e a Polícia está buscando os esclarecimentos. Já em relação ao Roberto Zampieri, atentado ocorrido no ano passado, concluiu-se o segundo inquérito, apontando que há ligação com o exercício da profissão. Isso vai ser julgado, mas há um indicativo. Então, por tudo isso, acredito que podemos considerar a advocacia como uma atividade de risco.
MidiaNews – Matar um ex-presidente da OAB em plena luz do dia não é confiar demais na impunidade?
Gisela Cardoso – Eu falava isso, inclusive, com as Forças de Segurança. Estive com o governador em exercício, Otaviano Pivetta, e a gente falava da ousadia no crime praticado à luz do dia, 9 horas da manhã, numa das avenidas mais movimentadas da cidade e contra um advogado, um ex-presidente da Ordem.
MidiaNews – Para a senhora, presidente da Ordem, como é ver um advogado tão respeitado ser morto de forma tão covarde em Cuiabá?
Gisela Cardoso – É uma tristeza enorme, um sentimento de consternação, de compaixão com a família que perdeu um pai de família de forma tão violenta, tão trágica. É sem dúvida nenhuma uma grande tristeza, um sentimento de revolta, indignação, de que precisamos nos unir enquanto advocacia, enquanto sociedade contra a violência. Nesse ponto, reafirmo que a Ordem não vai parar, não vai sossegar enquanto não tivermos a resolução deste caso, alcance quem tiver que alcançar.
MidiaNews – Que mensagem deixa para a advocacia, que ficou abalada com essas mortes?
Gisela Cardoso – Nós precisamos de uma instituição forte, respeitada, e a OAB vem mostrando essa força. Tivemos um respaldo da advocacia nacional de forma contundente. Todos os presidentes de seccionais se mostraram sensibilizados. O nosso conselho federal mostrou-se sensibilizado e se colocou à disposição. Precisamos estar cada vez mais fortes e cada vez mais unidos.
A nossa instituição precisa ser fortalecida e buscarmos, junto com a sociedade, o Poder Legislativo, Executivo e as Forças de Segurança, proteção que a advocacia necessita.
MidiaNews – O que está sendo feito na tentativa de garantir a segurança da advocacia?
Gisela Cardoso – Falávamos no início de uma atividade com características de risco. Precisamos de um arcabouço legislativo que dê essa proteção. Temos hoje no Congresso Nacional três PLs (Projeto de Lei) em andamento que trazem essa proteção ao exercício da advocacia.
Uma prevê medidas protetivas ao advogado que estiver em situação de risco no exercício da profissão. A outra propõe a qualificação do homicídio quando praticado contra o advogado no exercício da profissão. Outra discute a questão do porte de arma considerando a isonomia (igualdade legal) entre os atores do sistema de justiça.
Então, precisamos trabalhar em todas essas frentes para que a advocacia esteja cada vez mais protegida. Estamos propondo para a OAB nacional e Conselho Federal, um plano de proteção ao exercício da advocacia, com algumas medidas para além desses projetos. Podemos criar no âmbito das seccionais, do Conselho Federal, comissões permanentes para acompanhar esses casos de ameaça e violência contra o advogado, criar um fundo de amparo para o advogado que esteja sendo vítima de ameaça, para poder auxiliar no custeio dessa proteção pessoal.
MidiaNews – Um dos projetos de lei defende a liberação do porte de arma para advogados no Brasil. O que pensa dessa proposta?
Gisela Cardoso – O porte de armas é uma discussão que traz bastante controvérsia, não é de hoje. O que entendo é que tem que haver isonomia. Hoje, no Ministério Público, na magistratura e Defensoria, todos os atores do sistema de Justiça têm direito ao porte de arma… O advogado é um dos atores e tem que haver essa isonomia.
É claro que o porte de arma depende de uma série de outros requisitos. Não basta ser advogado para ter esse direito, há uma legislação, uma proteção, uma série de requisitos para que a pessoa possa ter direito ao porte de arma. Então, nesse contexto, primando pelo princípio da isonomia e considerando essa situação de risco de uma atividade que trabalha em meio a conflitos, entendo que é importante avançarmos nessa questão do porte de armas para advogados.
MidiaNews – A senhora se reuniu com a Polícia Civil nesta semana para cobrar celeridade. Como foi a reunião?
Gisela Cardoso – Desde que tivemos conhecimento do atentado, entrei em contato com o secretário de Segurança Pública [Cesar Roveri], que prontamente nos atendeu. Já entramos em contato também com a Polícia Judiciária Civil, que abriu um canal direto de comunicação e tem nos mantido informados. Na segunda-feira fizemos uma reunião ampliada com os delegados e investigadores que estão envolvidos no caso, todos nos afiançando o total empenho no esclarecimento deste crime.
É claro que a Polícia tem a necessidade do sigilo nas investigações para preservar provas e facilitar a entrega dessa busca. Acreditamos na Polícia e esperamos que nos próximos dias tenhamos resposta para esse crime. Acabei de sair de uma reunião também com o governador em exercício Otaviano Pivetta, que da mesma forma afiançou que o estado, junto com a Secretaria de Segurança, está atento e cobrando uma solução para mais este crime que deixou toda a advocacia e a sociedade mato-grossense estarrecidos.
MidiaNews – Dez dias antes de ser assassinado, Renato Nery fez uma representação na OAB-MT pedindo a abertura de um processo disciplinar contra o advogado Antônio João de Carvalho Júnior. Em razão da repercussão do caso, a OAB vai dar celeridade na análise dessa representação?
Gisela Cardoso – Essa foi uma representação disciplinar, onde o Dr. Renato Nery pede a punição ético disciplinar para aquele advogado que ele entende, a partir das suas narrativas, que não agiu de acordo com o que estabelece o código de ética disciplinar. Corre um trâmite normal, porém, em razão do crime, foi requisitado pela Polícia e nós já deferimos e encaminhamos, a cópia desta representação.
No primeiro momento, vamos aguardar que a Polícia dê o prosseguimento para que a gente possa prosseguir, por outro lado, com a representação disciplinar. Com toda certeza vão ser apuradas todas as narrativas da representação e, se for o caso, a punição do advogado. O protocolo foi encaminhado por e-mail no dia 25 de junho, no dia 26 foi feito o protocolo, no dia 27 e 28 ainda juntou-se documentos, quase 8 mil páginas, e, a partir disso, ele foi concluído na segunda-feira, na sexta-feira aconteceu o crime.
Então, o processo hoje tem uma prioridade com toda certeza, mas ele está também sendo analisado pela Polícia e não queremos, de forma alguma, atrapalhar ou atravessar as investigações policiais. Cada processo tem um rito e tem desdobramento diferente. Às vezes, precisa de diligência em outra cidade, ouvir testemunhas em outros locais. Então, não tem como delimitar um prazo específico para concluir um processo.
MidiaNews – Nos dois assassinatos de advogados, vieram à tona informações sobre possíveis casos de corrupção envolvendo magistrados. Como a OAB enxerga essas situações?
Gisela Cardoso – Em relação ao Renato Nery, lembrando que o caso ainda está em investigação, não há por parte da Polícia nenhum apontamento. Em relação ao Roberto Zampieri, foi concluído um inquérito que aponta o exercício da profissão, envolvimento possivelmente em processos agrários. A partir daí vamos acompanhar os desdobramentos. A OAB espera e cobra um esclarecimento de todos os fatos que levaram à ocorrência desses crimes. Se há notícias, indícios ou especulações de participação, isso precisa ser esclarecido nos órgãos competentes, como a Polícia. A OAB está acompanhando muito de perto o desdobramento e a solução desses casos.
Isso é inaceitável, a corrupção por si só é um crime e especialmente quando se vislumbra acontecer dentro do Poder Judiciário, a Ordem de forma alguma coaduna ou vai aceitar esse tipo de situação. Havendo comprovação, vamos atrás até a última instância para que os responsáveis sejam efetivamente responsabilizados pelo crime que está sendo cometido.
Gisela Cardoso – Nós temos uma Constituição Federal que proíbe a pena de morte e prisão perpétua. Falar nessa mudança necessitaria de alteração do texto constitucional, a depender de um estudo e de propostas. Então, acho que essa pauta hoje não é nem possível de se tratar, porque não tem nenhuma previsão de alteração do texto constitucional. Essa questão da pena de morte é causa pétrea, ou seja, imutável, a não ser por uma nova constituinte.
MidiaNews – E pessoalmente, o que pensa sobre esse assunto?
Gisela Cardoso – Pessoalmente, acredito que para se impor uma pena de morte a gente precisa ter muita segurança em todo o sistema de justiça. Acredito que nosso país hoje, não está pronto para ter esta segurança, para impor, para ter uma previsão de pena de morte ou de prisão perpétua. Acho que a imposição, a previsão desse tipo de pena, exige primeiro um aparato estatal muito seguro, sem chances ou com chances mínimas de erro. É irreversível.
Não é raro vermos notícias de condenados injustamente, que tiveram as penas revistas, que terminaram sendo soltos, que receberam indenizações. A aplicação de uma pena de morte não permite essa revisão.
MidiaNews – E no caso de um cenário ideal?
Gisela Cardoso – É um tema muito difícil. É claro que quando a gente se depara com crimes hediondos, com crimes bárbaros, há um sentimento de querer uma resposta tão dura quanto, mas são temas sensíveis. Então, hoje, particularmente, é uma questão pessoal, acho que a aplicação da pena de morte não é a solução para os crimes, para a sociedade.
A gente precisa ressocializar, precisa ter educação, precisa investir em um sistema prisional mais adequado. Penso, e volto a dizer, com algumas ressalvas, porque é um tema muito sensível, que talvez a pena de morte não seja a melhor solução.
MidiaNews – Recentemente, o Supremo Tribunal Federal descriminalizou o porte de até 40 gramas de maconha. Qual a sua opinião sobre esse tema?
Gisela Cardoso – Primeiro é importante destacar que a gente vê, às vezes, comentarem, ‘a maconha está liberada’, ‘todo mundo pode’. Não houve a liberação do uso da maconha. O que houve foi a descriminalização do porte até determinada quantia que o STF estabeleceu como aceitável para não ser considerado crime. Porém, a pessoa que portar, ainda que nessa quantidade, pode ter penas administrativas e educativas. Particularmente, vejo com ressalvas. Acho que a tipificação hoje decorre da lei, de um projeto de lei, que foi feito observando estudos e toda a questão técnica. Então, a alteração de uma previsão legal demanda também estudo, análise técnica, científica. Acredito que a descriminalização de algo que hoje está previsto na lei como crime dependeria da mesma forma de uma lei que viesse a alterá-la.
MidiaNews – Em novembro, a OAB realiza a eleição para presidente e a senhora é pré-candidata à reeleição. Como está a campanha?
Realizamos um encontro nacional da jovem advocacia aqui em Cuiabá, recebendo jovens advogados do Brasil inteiro. Conseguimos entregar hoje uma OAB 100% digitalizada, dentro do processo eletrônico, que facilita muito a vida do advogado, inclusive, dos advogados do interior podendo participar ativamente dos nossos órgãos, uma preocupação.
A eleição acontece regimentalmente na segunda quinzena de novembro. O edital deve sair no final de setembro ou começo de outubro, aí começa a campanha e as propostas e vamos trabalhar.
MidiaNews – Como descreveria a sua gestão?
Gisela Cardoso – Está voltada para realizar uma gestão muito mais horizontal, uma advocacia muito mais participativa, a gente tem buscado isso desde o primeiro momento. Investimos muito na qualificação do advogado. A nossa Escola Superior da Advocacia realizou inúmeros cursos, congressos, pós-graduações, para oferecer para a advocacia maior qualificação e com foco especial, é claro, da jovem advocacia.
Conseguimos avançar na questão da empregabilidade do jovem. Fizemos a feira de oportunidades dentro da OAB, criamos um aplicativo que é o ‘Banco de Talentos’, onde o advogado e escritório conseguem fazer essa conexão. Então, uma Ordem mais conectada e mais presente, tendo como ponto focal, como pilar da gestão, a defesa intransigente das nossas prerrogativas.
Temos feito uma gestão para a Advocacia mato-grossense, onde a tratamos como única. Procuramos dar a toda a Advocacia de Mato Grosso o mesmo tratamento, as mesmas condições, seja o advogado do interior, da capital, seja o jovem advogado, seja um advogado mais experiente.
FONTE: MIDIA NEWS