O que fazer quando o treinamento não funciona  | RDNEWS

Rodinei Crescêncio/Rdnews

— Ele é muito bom, mas é centralizador. Precisa aprender a delegar mais, senão não vamos conseguir desenvolver o setor — disse o diretor ao encaminhar-me um dos seus principais gestores do grupo empresarial.

— Ok — anotei. — Mais algum ponto? — perguntei.

— Não, se isso for resolvido, já resolveremos muita coisa. Confesso que estou incerto quanto ao sucesso, pois já tentamos muitos cursos, e não vi nenhuma melhoria.

— Entendi — registrei.

Após alguns dias, recebi o gestor na minha sala de sessões na Grandy, minha empresa. Além de psicóloga com foco no executivo, lidero uma pequena empresa com três filiais no interior do Mato Grosso e atendo na matriz em Cuiabá. Aqui, realizo um dos trabalhos que mais amo: a psicologia aplicada à vida e aos negócios dos meus clientes. Alguns chamam de psicoterapia, outros de coaching, sessão ou mentoria. O fato é que escuto histórias, várias histórias de desafios que muitas vezes têm raízes em estruturas familiares, moldando pessoas e personalidades. Juntos, ajudo meus clientes a refletirem sobre esses processos e seus impactos na vida atual e nos diversos papéis que desempenham.

Após as formalidades iniciais, pergunto ao gestor:

— Você sabe por que você está aqui?

— Acho que sim, mas não sei se tem algo a mais. Meu gestor me disse que vim aqui para trabalhar minha liderança e esse meu jeito centralizador.

— Você concorda com isso? Acredita que isso seja um ponto de melhoria mesmo para você?

— Sim, concordo. Me percebo tirando os trabalhos da minha equipe e trazendo-os para mim. É como se eu não confiasse neles, como se tivesse que controlar tudo. Não consigo estabelecer limites. Se me pedem ajuda, ou vejo que estão com dificuldades, acabo fazendo eu mesmo. Não sei dizer não — ele confessa, afundando-se na poltrona, aquele ser humano gigante, aparentemente cansado, permitindo-se relaxar.

Ao ouvi-lo por alguns minutos, compreendi que ele tinha esse comportamento centralizador que funcionou por muito tempo e o levou à gerência. Sua proatividade, apoio e preocupação com os outros faziam dele um destaque. No entanto, diante de uma equipe de 10 colaboradores, algo que funcionou tão bem por alguns anos se tornou disfuncional no novo cenário. Ele estava sofrendo. Revelou-me que, além dos cursos que fornecidos pela empresa, ele também tinha feito alguns por conta própria, lido livros e estava empenhado em resolver essa questão, pois, segundo ele, precisava superar isso a qualquer custo.

— Não posso perder essa oportunidade que a empresa me deu, dependo disso; minha mãe e as crianças dependem de mim.

— Você tem filhos? — perguntei.

— Não, mas é como se fossem. Sou a esperança deles desde que meu pai saiu de casa.

— Como assim?

Ele então me relatou que vinha de uma família bem posicionada financeiramente, até que, cansado de presenciar seu pai agredir sua mãe quando bebia, decidiu intervir.

— Estabeleci o limite que ela nunca teve coragem de pôr. Fiz isso por ela.

— Colocou limites então?

— Sim, mas não sem consequências — ele começou a falar sem parar, contando que expulsou seu pai de casa após uma briga na qual chegou a confrontá-lo e agredi-lo. Frequentemente, ele se encontrava dividido entre a culpa e a sensação de ter feito o certo, sem certeza sobre sua decisão, pois sua mãe nunca lhe agradeceu e pareceu extremamente triste desde então.

Essa decisão trouxe várias consequências para o lar. Uma delas foi a crise financeira; com o pai sendo o provedor, sua partida mergulhou a família em escassez. Diante disso, ele se perguntava diariamente:

— Será que agi corretamente? Como fui eu quem impôs limites, sinto que é meu dever cuidar de tudo até que as crianças estejam bem encaminhadas na vida.

— Colocar limites lhe custou muito. Isso pode ter alguma relação com as dificuldades em estabelecer limites na sua liderança na empresa? — perguntei.

Ficou em silêncio. Nas suas expressões, percebi alguns questionamentos internos, aparentemente profundos, como se desenrolar um novelo revelasse traumas de uma vida marcada pela dificuldade em impor limites e pedir ajuda.

Liderar é, de fato, complexo. Às vezes, o treinamento, o livro, o conhecimento externo por si só não serão suficientes se não se conectarem com a história pessoal do indivíduo. É como assistir a um filme de si mesmo, compreendendo atos e consequências e como eles moldam novos padrões de comportamento. Alguns desses padrões são catalisadores de crescimento, enquanto outros erguem barreiras diante de sonhos e metas. O autoconhecimento permite identificar esses padrões para construir e desconstruir o que for necessário.

Cynthia Lemos é psicóloga e empreendedora; fundadora da Grandy Psicologia Empresarial e escreve neste espaço quinzenalmente às quintas-feiras

FONTE: RDNEWS

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