sábado, outubro 5, 2024

Pesquisador vê sistema híbrido de mídias nas eleições e “crise da verdade” | RDNEWS

Rodinei Crescêncio/Rdnews

A partir de um novo comportamento do eleitorado, as campanhas eleitorais também sofrem adequações. Desde 2018, as redes sociais conquistaram um novo espaço dentro do campo político, o qual candidatos à direita e à extrema-direita demonstram expertise. 

Diante disso, o grupo de pesquisa em Mídia, Política e Democracia da Universidade Federal de Mato Grosso, o Midiáticus, firmou uma parceria com o Instituto Democracia em Xeque para analisar a presença do cenário das eleições municipais dentro das redes sociais. Nesta entrevista especial, o coordenador do projeto, o professor Bruno Araújo, disse ao que os levantamentos, até o momento, apontam que o candidato do Partido Liberal (PL), Abilio Brunini, tem se dedicado mais a produção de vídeos curtos em plataformas como o TikTok. Entretanto, há um perceptível investimento de realização de propaganda eleitoral dentre das redes sociais, com o favorecimento de conteúdos sensacionalistas.

Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista

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Depois de Bolsonaro, criou-se uma impressão de que as redes sociais seriam mais importantes para o resultado de uma eleição. Isso se confirmou?

Essa é uma pergunta muito interessante. Eu penso que qualquer pensamento determinista para tratar de política e transformações sociais pode não ser uma boa chave para entender a realidade. Por quê? Porque em 2018, se nós recuarmos no tempo, certamente as plataformas de mídia social, e sobretudo o WhatsApp, no Brasil tiveram um papel fundamental naquela eleição. Todavia, não é apenas esse o fator que explica o sucesso eleitoral do então candidato Jair Bolsonaro. Nós tivemos ali uma eleição crítica. O fator crítico daquela eleição era, sem dúvida nenhuma, o tema corrupção política trazido pela Operação Lava Jato. Então, um conjunto de fatores contribuiu para que Jair Bolsonaro tivesse o sucesso eleitoral que teve e, evidentemente, que as mídias digitais cumpriram um papel fundamental.

Qual a mídia mais influente no atual cenário político?

Hoje, nós estamos num de sistema híbrido de mídia, do qual participam os meios tradicionais que continuam tendo relevância na definição da agenda


Bruno Araújo

Nós não vivemos mais no sistema midiático centrado num único meio. Nós, durante muito tempo, vivenciamos uma realidade em que os grandes meios de comunicação tradicionais dominavam a cena pública e diziam quem ia entrar no espaço público, quem teria visibilidade ou não. Hoje, nós estamos num de sistema híbrido de mídia, do qual participam os meios tradicionais que continuam tendo relevância na definição da agenda, na definição também da visibilidade pública, mas também as plataformas de mídia social. Então, sem dúvida que as lógicas do digital alteraram profundamente o ecossistema midiático e o ecossistema político. Quer dizer, o espaço onde a política se processa foi muito alterado. Então, sim, as plataformas tem um papel muito importante, mas não dá para deixar de reconhecer que o horário eleitoral tem também a sua importância, as mídias tradicionais têm a sua importância. Agora, o que muda hoje é que na medida em que as plataformas viram ambientes em que os candidatos podem comunicar diretamente com a população, com seus públicos. Sem a mediação dos meios tradicionais, elas (redes sociais) viram espaços em que eles podem ter os seus próprios cortes,  construir a sua própria realidade, coisa que antes acontecia só no horário eleitoral gratuito. Entretanto, você vê que nas plataformas  há muito material que vem do horário eleitoral, que vem dos debates que são feitos pelas televisões tradicionais, pelos veículos tradicionais. Então, nós vivemos hoje um ambiente híbrido, marcado por lógicas tradicionais, da mídia tradicional e também por lógicas digitais. Esse é um ambiente  muito mais complexo, porque é preciso o jornalismo, sendo que ele próprio tem de conviver com outras vozes, vozes essas que, muitas vezes, contestam o próprio trabalho do jornalismo. Eu não diria que há uma mídia mais importante, embora as lógicas do digital tenham alterado e, com certeza, tem uma, digamos, prevalência, mas eu digo isso para não passar a ideia de que agora a internet é a única responsável, é o único meio de importância. Não, ao contrário. Até porque não faz muito sentido falar da internet ou da mídia tradicional isoladamente, essas lógicas se mesclam hoje no que a gente chama de sistema de mídia híbrido.

Rodinei Crescêncio/Rdnews

 Bruno Ara�jo  professor UFMT

Outros candidatos que priorizaram as redes sociais, como o Pablo Marçal em São Paulo, apostaram em cortes de entrevista. Isso gera credibilidade? Qual o impacto do discurso nesses casos?

Essas plataformas tendem a privilegiar conteúdos sensacionalistas, conflituosos, que apelam as emoções, disruptivos que apelam ao medo, que apelam ao ódio, que apelam ao ressentimento


Bruno Araújo

Bom, discutir credibilidade é algo complexo. Porque a credibilidade é algo que pressupõe uma relação de confiança, de confiança mútua, mas, hoje, nós estamos vivendo um período da história marcado pelo que alguns autores vão chamar de uma crise epistêmica, uma crise da verdade. Então, a verdade foi bastante relativizada. Você tem o que outros vão chamar de guerra de narrativas, de versões, acho que importante falar sobre que esses conteúdos, porque geram engajamento. Por que esses conteúdos se tornam mais visíveis do que outros no ambiente da rede? Há várias razões. Em primeiro lugar, tem a ver com o modo como as plataformas de mídia social se organizam, se estruturam e veiculam os conteúdos que por meio delas. Então, essas plataformas tendem a privilegiar conteúdos sensacionalistas, conflituosos, que apelam as emoções, disruptivos que apelam ao medo, que apelam ao ódio, que apelam ao ressentimento. Existe um modo de organização do discurso nessas plataformas que privilegia esse tipo de conteúdo e, aparentemente, alguns estudos vão mostrar isso num certo segmento da política, sobretudo os políticos de direita, de extrema direita ou conservadores, que, em alguns casos, parecem ter percebido melhor o funcionamento destas plataformas. Então, digamos que há uma retroalimentação entre um discurso que se apresenta como um discurso disruptivo, apelativo, sensacionalista e a lógica das plataformas que privilegia esse tipo de conteúdo. Logo, um certo segmento da política percebeu isso, sobretudo as lideranças do que nós temos chamado de lideranças populistas, que apelam a um discurso nesse sentido ou com esse viés. Não é sem razão que a desinformação é um tipo de discurso com grande capacidade de capilaridade. Por quê? Porque o discurso desinformativo é um discurso que vai apelar ao sensacional, ao disruptivo, o apelo as emoções, muitas vezes ao ódio, ao preconceito. Esse tipo de discurso é um discurso que tem um apelo muito grande paras lógicas das redes e das plataformas. Então, por essa razão, esse tipo de conteúdo engaja mais ou tem mais visibilidade.

No levantamento do grupo de pesquisa que o senhor lidera, o Midiáticus, quais foram os tipos de conteúdos mais utilizados pelos candidatos à Prefeitura de Cuiabá?

Nesse monitoramento, no momento, nós temos visto o candidato do Partido Liberal em Cuiabá (Abílio Júnior) muito à frente em termos de engajamento e de visibilidade no TikTok. É uma diferença avassaladora, a começar pelo número de seguidores. Quer dizer, neste momento, o candidato do PL deve ter perto de 400 mil, segundo nosso último levantamento seguidores. O segundo colocado tem seis, sete, oito, 10 vezes menos do que isso. A diferença é muito grande, que começa pela construção de uma presença nas plataformas que antes da eleição. O candidato do PL, que é deputado federal, vem utilizando as plataformas já há bastante tempo, enquanto alguns outros candidatos entraram no TikTok, por exemplo, apenas há muito pouco tempo. Nós estamos monitorando TikTok, porque é a primeira eleição municipal em que essa plataforma de vídeos curtos tem uma importância maior. Então, é importante olhar porque ela tem um apelo muito grande junto do público jovem, importante olhar como os candidatos estão utilizando essa plataforma, mas, em Mato Grosso, os candidatos utilizam de forma muito mais intensa o Instagram. Então, nós também estamos fazendo o monitoramento do Instagram nas cinco principais cidades e, em todas elas, nós temos observado que candidatos que estão à direita ou a extrema direita têm também um desempenho muito superior em termos de visibilidade e de engajamento.

Rodinei Crescêncio/Rdnews

 Bruno Ara�jo  professor UFMT

Os candidatos que possuem apoiadores conhecidos, como é o caso dos candidatos Abilio (PL), com o ex-presidente Jair Bolsonaro, e Eduardo Botelho (União Brasil), com o  governador Mauro Mendes (União Brasil), seguem os padrões de comunicação de seus padrinhos?

Nós, em um segundo momento, vamos estudar as estratégias de uma maneira mais detida os conteúdos. O que nós temos até aqui são os dados que nos permitem observar, por exemplo, quais são os principais temas de destaque no TikTok ao longo da campanha eleitoral, assim como quais são os principais temas no Instagram. A gente já consegue verificar algumas estratégias utilizadas para mobilizar os eleitores nas plataformas. Há claramente uma estratégia por parte do candidato do PL de vinculação de sua imagem à imagem do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas menos do que ele fazia em 2022. Em 2022, na eleição para Câmara Federal, havia ali um alinhamento e uma presença muito mais forte no Instagram da figura do presidente do ex-presidente Jair Bolsonaro. Essa presença continua, mas bem menos intensa e isso se explica, muito possivelmente, pela lógica da eleição municipal que muda um pouco em relação às eleições nacionais. Do outro lado, o candidato do União Brasil também explora bastante, seja no Instagram ou no TikTok, o apoio que ele recebe que ele recebe do governador Mauro Mendes. Então, a presença dos padrinhos políticos está também na comunicação do Lúdio Cabral, que possui figuras importantes do Partido dos Trabalhadores. Há uma exploração, sem dúvida nenhuma, da presença dos padrinhos, assim chamados políticos por esses candidatos na rede.

Há uma previsão de comportamento nas redes sociais para o segundo turno? Como se dará?

Não dá para determinar que um bom desempenho na comunicação digital leva, necessariamente, a um bom desempenho ou a vitória nas eleições a que pessoa se candidata


Bruno Araújo

Bom, no segundo turno, como há um afunilamento, estão apenas duas pessoas. Se houver segundo turno com duas pessoas, evidentemente que a visibilidade dessas duas figuras tenderá a aumentar. Mas, isso depende muito também de quais serão as estratégias das equipes de campanha dos dois candidatos que irão para o segundo turno. Porque, neste momento, o nosso monitoramento, aponta que a estratégia de um dos candidatos, que é o candidato do Partido Liberal, e isso está nos relatórios que nós temos publicado, no caso do TikTok quinzenalmente no caso do Instagram semanalmente às sextas-feiras, indica que ele tem um desempenho muito superior em termos de nas redes. Então, certamente que as campanhas dos demais candidatos devem estar construindo suas estratégias para tentar aumentar ampliar a visibilidade, porque de fato há uma diferença muito significativa. Para você ter uma ideia, dos cinco vídeos mais vistos no TikTok no segundo relatório que nós publicamos há alguns dias, quatro são do candidato do Partido Liberal e um é do candidato do Partido dos Trabalhadores, mas é um vídeo em que ele questiona o voto do candidato do partido liberal no caso Marielle Franco. Mesmo este vídeo é um vídeo que tem, enfim, como personagem o partido do candidato do partido liberal. Então, de fato, há tanto no TikTok, quanto no Instagram uma figura que se destaca bastante em relação aos demais candidatos. Se isso se converte em votos, é outra coisa e não há como prever isto. Não dá para determinar que um bom desempenho na comunicação digital leva, necessariamente, a um bom desempenho ou a vitória nas eleições a que pessoa se candidata. 

FONTE: RDNEWS

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