Rodinei Crescêncio/Rdnews
Diante da inequívoca necessidade de tirar do vermelho as contas públicas federais, o governo do presidente Lula e a equipe econômica, liderada pelo ministro Fernando Haddad, apresentou na última quinta feira (28) o tão esperado plano de austeridade fiscal. A expectativa da nação era um robusto plano de corte de gastos em todos os setores governamentais, incluindo os poderes executivo, legislativo e judiciário e até mesmo alguns segmentos do setor privado que poderiam ter reduzidos alguns benefícios fiscais que já se mostram inadequados ou ineficientes.
O plano apresentado é correto, indica o mapa do caminho para contenção de gastos, mas é insuficiente para atingir o objetivo de zerar o déficit fiscal, gerar superávits a partir de 2026 e estancar a crescente trajetória da relação dívida pública/PIB. Cálculos feitos por especialistas em finanças públicas indicavam que o corte de despesas deveria ser de pelo menos R$ 150 bilhões em dois anos. A proposta governamental indica redução de R$ 72 bilhões em 2025 e 2026.
Para complicar a credibilidade do plano de ajuste fiscal, a administração federal cometeu a barbeiragem de incluir a isenção do imposto de renda para pessoa física (IRPF) para os trabalhadores que ganham mensalmente até R$ 5 mil, antecipando a reforma sobre a renda cujo início o próprio governo já havia dito que seria em 2025. Misturou alhos com bugalhos, tirou o foco das medidas de austeridade gerando dúvidas sobre o real comprometimento com a estabilidade fiscal e previsibilidade econômica.
“O plano apresentado é correto, indica o mapa do caminho para contenção de gastos, mas é insuficiente para atingir o objetivo de zerar o déficit fiscal, gerar superávits a partir de 2026 e estancar a crescente trajetória da relação dívida pública/PIB”
A despeito do plano prever que vai aumentar a tributação sobre os mais ricos, com renda acima de R$ 600 mil/ano (salários, aluguéis, dividendos), economistas e agentes econômicos fizeram a leitura que o aumento de tributação sobre os mais ricos pode não ser suficiente para cobrir a renúncia de receita de R$ 35 bilhões que a isenção causará.
Boa parte dos economistas especializados em gestão pública esperavam que o plano fosse acabar com as vinculações constitucionais que garantem recursos para a saúde pública, educação e ganhos reais para o salário-mínimo e redução drástica do seguro desemprego. Queriam também desindexar os benefícios previdenciários do salário-mínimo, com reposição apenas da inflação anual.
Aparentemente, a leitura da administração federal foi a de que, apesar dos possíveis efeitos positivos para as contas públicas, tais medidas contrariam completamente a pauta social histórica do presidente Lula e do seu partido, o que poderia levar a perdas políticas maiores que os ganhos com o equilíbrio fiscal.
A profusão de lacunas, detalhamentos funcionais que somente serão conhecidos nos projetos de leis, mistura de medidas de contenção de gastos com renúncia de receitas, comunicação falha e a conhecida má vontade de agentes do mercado financeiro com o governo do presidente Lula produziram extrema volatilidade no mercado financeiro horas depois do anúncio em coletiva de imprensa. A Bolsa de Valores de São Paulo (B3) apresentou oscilações bruscas, os juros futuros aumentaram e o mercado de câmbio explodiu com o dólar fechando a semana valendo R$ 6, a maior relação dólar/real desde o Plano Real.
A minha visão é que houve um ataque especulativo por boa parte de agentes do mercado de capitais na questão cambial e juros futuros baseado em análises açodadas e exageradas logo após o anúncio feito pelo ministro Fernando Haddad e seu time. Os mercados de ações e cambial tendem à estabilização, voltando à normalidade até o final do ano. Afinal, os fundamentos macroeconômicos do país continuam sólidos: reservas cambiais acima de U$ 380 bilhões, crescimento de 3,5%, taxa de desemprego de 6,2%, inflação de 4,5% e saldo positivo da balança comercial.
Em sua última reunião do ano, o Banco Central deve aumentar a taxa básica de juros (Selic), como, aliás, já é esperado e precificado por todos os analistas, economistas e agentes financeiros.
Entendo que a Câmara Federal e o Senado da República ajudarão o governo separando as medidas de austeridade das relativas à reforma da renda. Provavelmente, ambas as casas farão esforço extraordinário para aperfeiçoar e aprovar as medidas de contenção de gastos neste ano e deixarão para 2025 os debates sobre a modernização da tributação da renda no país.
À administração federal fica a lição que a misturar medidas importantes e necessárias de forma desconexa nunca foi uma boa ideia. E que, para o sucesso pleno de um programa de austeridade fiscal, a boa comunicação é tão importante quanto o seu conteúdo. O sucesso do Plano Real é um bom exemplo até os dias atuais.
Vivaldo Lopes é economista e escreve neste espaço às segundas-feiras
FONTE: RDNEWS