Rodinei Crescêncio/Rdnews
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente decisão no REsp nº. 1.823.083, reafirmou a intransmissibilidade de multas administrativas ambientais aos herdeiros, ressaltando a natureza pessoal desses débitos. A decisão, proferida pela Primeira Turma da Colenda Corte, estabeleceu que os herdeiros não respondem por infrações ambientais cometidas pelo falecido, salvo se comprovada sua participação ou omissão dolosa na prática do ilícito. A decisão se alinha aos princípios de responsabilidade administrativa ambiental e traz implicações significativas para a segurança jurídica no âmbito do direito sucessório e ambiental.
O deslinde da controvérsia se consolidou no julgamento dos embargos à execução fiscal, opostos pelos herdeiros que, após o falecimento do autuado, foram exigidos pela autarquia federal para responder pelo ato infracional perpetrado pelo autuado. O STJ, ao julgar a questão, estabeleceu que as multas administrativas ambientais, diferentemente das obrigações civis de componentes ambientais, possuem natureza punitiva, vinculada à conduta do infrator, e, portanto, não se transferem automaticamente aos sucessores, conforme disposto no artigo 5º, incisos XLV e XLVI, da Constituição Federal, que veda a responsabilização pessoal além do infrator.
“A multa aplicada ao proprietário falecido não pode ser redirecionada aos herdeiros sem que se demonstre que estes concorreram por ato ou omissão dolosa”
Nesse sentido, o ministro Paulo Sérgio Domingues, relator do caso, destacou que a responsabilidade ambiental administrativa é fundamentada no poder sancionador do Estado, voltando-se à penalização do agente infrator. Assim, a multa aplicada ao proprietário falecido não pode ser redirecionada aos herdeiros sem que se demonstre que estes concorreram por ato ou omissão dolosa. Essa compreensão está em consonância com os princípios constitucionais.
Vale destacar ainda que, a decisão também delimita a aplicação do conceito de obrigações propter rem no direito ambiental. Ou seja, a referida decisão consolida o entendimento que, embora o dever de reparar danos ambientais esteja atrelado à propriedade e possa ser exigido do atual titular do bem, a multa administrativa segue linha distinta, pois se dirige exclusivamente ao infrator das normas ambientais. E tal distinção já se consolidou no STJ, como é possível se observar do Recurso Especial 1.738.247/SP (Tema 1024), que confirma a natureza propter rem da responsabilidade civil ambiental, mas ressalta a independência da sanção administrativa.
Importante ressaltar, portanto, que os reflexos dessa decisão na prática jurídica reforçam a necessidade de respeito à autonomia das esferas de responsabilidade no direito ambiental, bem como fortalece a segurança jurídica no âmbito sucessório, garantindo que os herdeiros não sejam indevidamente penalizados por atos dos quais não participaram. No entanto, fica o alerta ao fato que, ela não exclui a possibilidade de os herdeiros serem responsáveis pela reparação dos danos ambientais se adquirirem o imóvel relacionado ao dano, reafirmando o caráter objetivo e impessoal dessas obrigações, conforme acima mencionado.
Por fim, outro ponto relevante e que merece menção, é o fato que a decisão preserva a coerência do sistema normativo, alinhando a aplicação das multas administrativas com os princípios constitucionais e infraconstitucionais, evitando responsabilizações automáticas, como vinham ocorrendo até então.=
Dessa maneira, o entendimento do STJ sobre a intransmissibilidade das multas administrativas ambientais aos herdeiros é coerente com a distinção fundamental entre as obrigações de caráter pessoal e aquelas vinculadas ao bem ou à atividade, além de reafirmar o apreço pelo princípio da previsibilidade jurídica, contribuindo para a efetividade das normas ambientais, direcionando-se as sanções àqueles que, de fato, devem ser responsabilizados por eventual cometimento de ilícito ambiental.
Ana Lacerda é advogada do escritório Advocacia Lacerda e escreve exclusivamente nesta coluna às quartas-feiras. E-mail: analacerda@advocacialacerda.com. Site: www.advocacialacerda.com
FONTE: RDNEWS