Rodinei Crescêncio
As recentes declarações de Donald Trump sobre a aquisição de territórios como a Groenlândia e a retomada de antigos domínios, como o Canal do Panamá, trouxeram para o debate a tensão entre soberania nacional e ambições expansionistas. Além de reavivar dinâmicas geopolíticas do passado, essas declarações colocam em xeque o papel do Direito Internacional como moderador das relações entre estados.
A soberania é um princípio central no Direito Internacional contemporâneo. Desde a Paz de Vestfália, em 1648, que consolidou a ideia de estados-nação independentes, o conceito de soberania tem sido fundamental para preservar a autonomia política e territorial das nações. Contudo, em um mundo cada vez mais interconectado, onde os interesses econômicos e estratégicos frequentemente atravessam fronteiras, esse princípio é constantemente testado.
O caso da Groenlândia é ilustrativo. Embora seja um território autônomo sob soberania dinamarquesa, sua posição no Ártico e seus recursos naturais fazem dela um alvo atrativo para potências como os Estados Unidos. No entanto, qualquer tentativa de aquisição ou anexação esbarraria em barreiras jurídicas. A Carta da ONU, por exemplo, garante a integridade territorial dos estados-membros e o direito à autodeterminação dos povos, o que inclui a população groenlandesa.
“O ressurgimento do expansionismo sugere que o sistema internacional ainda está longe de resolver as contradições entre interesses nacionais e princípios universais”
Mauricio Munhoz
O Canal do Panamá, por outro lado, representa um caso histórico que expõe os limites da soberania em contextos de desigualdade de poder. Sob controle dos Estados Unidos até 1999, o canal foi devolvido ao Panamá após anos de pressão internacional e nacionalismo panamenho. A devolução foi amplamente celebrada como um triunfo da soberania, mas as recentes menções de Trump sobre retomá-lo colocam em perspectiva como a soberania pode ser frágil diante de interesses estratégicos.
No cenário atual, o direito internacional enfrenta desafios para se afirmar como um mecanismo efetivo de proteção da soberania. Embora existam tratados e instituições destinadas a regular as relações entre estados, sua capacidade de coerção é limitada. A soberania, que deveria ser um escudo para pequenos estados, muitas vezes é vulnerável a pressões de potências maiores.
O expansionismo moderno também desafia a autodeterminação dos povos. No caso da Groenlândia, é fundamental perguntar: qual seria o papel dos seus habitantes em qualquer tentativa de aquisição? Os princípios democráticos do direito internacional exigem que a população local tenha voz em decisões que afetam diretamente seu futuro. No entanto, a história mostra que essas vozes muitas vezes são silenciadas em nome de interesses mais amplos.
A tensão entre soberania e ambições expansionistas também levanta questões sobre o papel das organizações internacionais. A ONU, por exemplo, tem um papel central na mediação de disputas territoriais, mas enfrenta limitações operacionais e políticas. Em um mundo onde potências como os Estados Unidos, a China e a Rússia frequentemente contornam regras internacionais, até que ponto as organizações multilaterais podem proteger os interesses de estados menores?
Por fim, o debate sobre soberania e direito internacional é também um debate sobre o futuro da governança global. O ressurgimento do expansionismo sugere que o sistema internacional ainda está longe de resolver as contradições entre interesses nacionais e princípios universais.
Diante disso, uma reflexão se faz necessária: como equilibrar a soberania das nações menores com as demandas globais de cooperação e desenvolvimento? O futuro do Direito Internacional depende da nossa capacidade de responder a essa questão de forma inclusiva e pragmática, buscando não apenas a manutenção da paz, mas também a garantia de uma ordem internacional mais justa.
Escrito com Sara Nadur Ribeiro.
Mauricio Munhoz Ferraz, é assessor do presidente do Tribunal de Contas de Mato Grosso, professor de economia. Foi secretário de Estado de ciência e tecnologia e adjunto de infraestrutura do governador Mauro Mendes, superintendente do Ministério da Agricultura em Mato Grosso e diretor do Instituto de pesquisas da Fecomercio. Mestre em sociologia rural, seu livro “o avanço do agronegócio” faz parte do acervo da Universidade Harvard, e seu livro “A lei kandir” na biblioteca do congresso, ambos nos Estados Unidos. Seu livro “Rota de Fuga, a história não contada da SS” esteve entre os 10 mais vendidos na Amazon e foi traduzido para o inglês, pela editora Chiado, de Portugal. Foi vencedor do prêmios internacional “empreedorismo consciente” do Banco da Amazônia e do nacional “Celso Furtado” do governo brasileiro.
FONTE: RDNEWS