sábado, agosto 2, 2025

A crise na redação do Enem: IA, falta de leitura e o declínio da escrita crítica | RDNEWS

Rodinei Crescêncio

A recente divulgação dos resultados da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) escancarou uma realidade preocupante: há seis anos, nenhum candidato de Mato Grosso alcança a nota máxima. Se expandirmos a análise para a rede pública, o jejum de notas 1000 persiste desde 2012. Essa tendência não é um acaso, mas o reflexo de uma transformação cultural e educacional em curso, marcada pelo desestímulo à leitura, pela superficialidade na produção do conhecimento e pelo impacto da inteligência artificial na forma como os estudantes interagem com a informação.

A redação do Enem avalia muito mais do que a capacidade de escrever um texto dissertativo-argumentativo dentro das normas gramaticais. Ela exige repertório sócio-histórico, senso crítico e a habilidade de estruturar argumentos coerentes e bem fundamentados. Entretanto, a ascensão das inteligências artificiais e o uso excessivo das redes sociais têm contribuído para um empobrecimento na construção do pensamento analítico.

O excesso de conteúdo fragmentado e efêmeração da atenção dificultam a leitura aprofundada e a compreensão de textos mais densos


Mauricio Munhoz

A IA oferece soluções rápidas e simplificadas para perguntas complexas, levando muitos estudantes a uma postura passiva diante do conhecimento. Ao invés de desenvolver habilidades argumentativas e interpretativas, há uma crescente dependência de resumos automáticos, respostas prontas e textos gerados sem um real exercício cognitivo. Isso gera uma deficiência significativa na elaboração de ideias originais e na capacidade de articular um raciocínio próprio.

Ademais, as redes sociais, em especial plataformas como TikTok, Instagram e Twitter, moldam a forma como as novas gerações consomem informação. O excesso de conteúdo fragmentado e efêmeração da atenção dificultam a leitura aprofundada e a compreensão de textos mais densos. Os alunos estão cada vez menos habituados à leitura de livros, artigos e ensaios, preferindo consumir informações em pílulas, muitas vezes sem a contextualização necessária para um entendimento crítico.

Os dados não deixam dúvidas: Mato Grosso tem o segundo pior índice de leitura do país, com apenas 36% da população declarando ter o hábito de ler. Esse fator se reflete diretamente na qualidade dos textos produzidos pelos estudantes. Escrever bem requer, antes de tudo, ler bem. Quem não lê, não desenvolve um vocabulário amplo, não compreende diferentes estruturas textuais e não aprende a argumentar de forma consistente.

Além dos fatores culturais e tecnológicos, também é preciso analisar o papel das instituições de ensino nesse declínio. Muitas escolas têm adotado uma postura complacente com relação ao desempenho acadêmico, priorizando a aprovação automática dos alunos em detrimento da exigência por padrões de excelência. A falta de cobrança efetiva leva os estudantes a uma percepção distorcida do aprendizado, onde o esforço e a disciplina deixam de ser valorizados.

Para reverter esse quadro, é fundamental resgatar a importância da leitura como ferramenta de aprendizado e formação cidadã. Os professores devem incentivar os alunos a lerem não apenas por obrigação escolar, mas como um hábito prazeroso e essencial para a construção do pensamento crítico. Paralelamente, é necessário que as escolas adotem políticas mais rigorosas de avaliação e acompanhamento do desempenho acadêmico, garantindo que os estudantes estejam realmente preparados para desafios como a redação do Enem.

A tecnologia é uma aliada poderosa da educação, mas não pode substituir o papel insubstituível do aprendizado ativo e da reflexão crítica. Se quisermos reverter o cenário de queda na qualidade da escrita dos estudantes, precisamos investir em uma formação que equilibre o uso das ferramentas digitais com uma base sólida de leitura, escrita e argumentação. Caso contrário, o próximo levantamento de notas 1000 na redação do Enem poderá revelar um quadro ainda mais desolador.

Escrito com Sara Nadur Ribeiro.

Mauricio Munhoz Ferraz é assessor do presidente do Tribunal de Contas de Mato Grosso e professor de economia. Foi secretário de Estado de ciência e tecnologia e adjunto de infraestrutura do governador Mauro Mendes, superintendente do Ministério da Agricultura em Mato Grosso e diretor do Instituto de pesquisas da Fecomercio. Mestre em sociologia rural, seu livro “o avanço do agronegócio” faz parte do acervo da Universidade Harvard, e seu livro “A lei kandir” na biblioteca do congresso, ambos nos Estados Unidos. Seu livro “Rota de Fuga, a história não contada da SS” esteve entre os 10 mais vendidos na Amazon e foi traduzido para o inglês, pela editora Chiado, de Portugal. Foi vencedor do prêmios internacional “empreedorismo consciente” do Banco da Amazônia e do nacional “Celso Furtado” do governo brasileiro.

FONTE: RDNEWS

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