domingo, novembro 2, 2025

Meninas com autismo camuflam sintomas e têm diagnóstico tardio, diz neurologista | RDNEWS

Meninas com autismo camuflam sintomas e têm diagnóstico tardio, diz

O Transtorno do Espectro Autista é mais difícil de ser diagnosticado em mulheres e meninas do que em homens, principalmente pela diferença na manifestação dos sintomas e a alta capacidade de camuflar as sensações e incômodos por parte das meninas, explica a neurologista infantil, Viviane Quixabeira. Dados do Mapa Autismo Brasil mostram que um terço das mulheres recebeu o diagnóstico com mais de 20 anos, enquanto 61% dos homens receberam até 4 anos de idade. 

Arquivo pessoal

Esse diagnóstico mais tardio pode levar à perda de qualidade de vida e diversos sofrimentos, como bullying, dificuldade de aprendizagem e isolamento social. Conforme explica a especialista, a característica principal do TEA em mulheres é a capacidade de se adaptar a ambientes externos por meio da imitação de comportamentos sociais aceitáveis, o que não é comum em meninos. Ainda que meninas com TEA possuam essa capacidade de adaptação, socializar provoca ansiedade e exaustão. É como se a “bateria social” acabasse mais facilmente, em vista do maior esforço para fazer parte.

“Ela pode estar em um ambiente social de uma forma muito adaptada, mas fica exausta depois. Quando chega em casa, sente aquela exaustão, porque teve que usar toda a sua capacidade de adaptação e de camuflagem para ficar naquele ambiente. As meninas podem ter também crises emocionais em casa pela sobrecarga acumulada ao longo do dia”, detalha Viviane. 

As meninas também tendem a imitar comportamentos socialmente aceitos e, ao contrário dos meninos,  não possuem comportamentos disruptivos, sendo menos impulsivas e menos agressivas. Isso acaba não atraindo a atenção dos adultos e, mais uma vez, culmina em um diagnóstico tardio.

“Mesmo que não esteja compreendendo completamente aquele comportamento que está tendo, ela imita os comportamentos sociais, porque o cérebro dela tem maior capacidade de imitação”, explica a neurologista infantil.

Outra questão que acaba sendo mais “camuflada” entre os sintomas é o hiperfoco característico de quem tem TEA, que é um estado de concentração intensa sobre determinado tema ou assunto. Em meninos, é comum o gosto por dinossauros, trens, entre outros. Já em meninas, o hiperfoco é mantido em temas mais comuns ao universo feminino, como livros, bonecas, maquiagens, celebridades, o que não causa alerta em um adulto. 

Confusão com outros diagnósticos

Com os sintomas aparecendo de maneira sutil, a análise do profissional pode chocar com outros tipos de transtornos. É comum uma menina ou uma mulher ser diagnosticada, inicialmente, com ansiedade, depressão, transtorno alimentar ou até Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), para só depois receber o resultado de TEA. 

“Os primeiros estudos sobre autismo focaram exclusivamente em meninos, o que é um padrão clínico masculino. Logo, os testes, os diagnósticos, os protocolos, foram estudados inicialmente na população masculina, isso acabou prejudicando o diagnóstico em mulheres”, completa a neurologista. 

“Eu me sentia uma pessoa esquisita”

A estudante de psicologia Anny Kelly, de 22 anos, descobriu que era autista nível um de suporte há um ano. Até receber o diagnóstico, a jovem passou por um processo avaliativo de oito meses com um psiquiatra que já a acompanhava. Natural de Alta Floresta (a 789 km de Cuiabá), a estudante afirma que, após receber o laudo, muitos de seus comportamentos da infância e adolescência passaram a fazer mais sentido. 

Arquivo Pessoal

Autismo em mulheres - Anny Kelly

“Eu me sentia uma pessoa esquisita, uma pessoa que ninguém queria ser amigo, porque ninguém me tratava da mesma forma que eu tratava outras pessoas. Eu tinha padrões de comportamentos muito restritivos e repetitivos na minha adolescência. Comecei a conseguir fazer amigas com 15 anos. Antes disso, eu sofria muito bullying e me sentia muito deslocada. Eu só conseguia fazer amizades porque copiava as outras meninas na minha sala”, comentou Anny. 

Mesmo dentro dos círculos de amizade, o bullying continuava. Anny conta que se esforçava para se encaixar no padrão das amizades, chegando até desenvolver um transtorno alimentar por estar acima do peso. A jovem já fazia acompanhamento psiquiátrico por episódios de depressão e ansiedade. No entanto, após recaídas e avanços em seu quadro de depressão, ela procurou uma avaliação neuropsicológica. 

Após a análise, foi constatado que os sintomas não eram de depressão, mas sim pelo estado de exaustão causado pelo esforço de socializar. “Chegou a época em que eu tinha que trabalhar e ir direto para a faculdade, não conseguia descansar, não comia bem, porque fazer coisinhas básicas do dia-a-dia me cansa muito. Essas coisas que para outras pessoas não cansam tanto e para outras podem ser até relaxantes, podem até recuperar energia, para mim são cansativas”, detalhou a jovem. 

Atualmente, Anny trabalha como aplicadora de Análise do Comportamento Aplicada (ABA) para acompanhar e ensinar pessoas com autismo ou outros atrasos no desenvolvimento em em uma clínica multidisciplinar em Cuiabá. Ela lida diariamente com crianças com TEA, dando o suporte na infância através da terapia, o que ela não teve. 

“Eu comecei a trabalhar com criança autista depois que recebi meu diagnóstico, porque queria conhecer mais sobre esse mundo. Eu acho que começar pela infância vai me ajudar a compreender um pouquinho melhor e me aceitar um pouquinho melhor também. Muito sofrimento que eu passei poderia ter sido evitado se eu tivesse tido o diagnóstico antes, eu ia ter um pouco mais de empatia comigo mesma e exigir menos de mim”, conclui. 

FONTE: RDNEWS

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