Ontem, 19 de abril foi celebrado o Dia Internacional dos Povos Indígenas.
No universo Xinguano o velho é dono da história; o homem, dono da aldeia; e a criança, uma entidade intocável, é dona do futuro.
Faço aqui, um breve exercício de retrospectiva das histórias que ouvi e vivenciei nas viagens ao Parque Indígena do Xingu, de onde extraí a mais pura essência do respeito aos povos originários e suas ancestralidades, suas crenças, como o medo dos mamaés, espíritos que vivem no mundo oculto, alguns, malignos, como Anhangu, um espírito exigente e perigoso. A força do sobrenatural que reside na onça branca que vive no fundo do rio, quem a vê adoece e morre e ela não pode ser abatida porque levaria consigo para a profundeza do rio, todos da aldeia. Ainda, a inexplicável força de cura dos Pajés Sapaim e seu irmão Tacumã, homens que tinham profunda intimidade com o mundo espiritual.
“Criado em abril de 1961, pelo então presidente Jânio Quadros, o Parque Indígena do Xingu é considerado a maior e mais famosa reserva indígena no mundo”
. Sua criação foi resultado da luta política, envolvendo os irmãos Villas Bôas, o Marechal Cândido Rondon, Darcy Ribeiro e muitos outros. 11 municípios fazem divisa com o Parque. O indígena continua sendo visto como um ser exótico e o Parque Indígena do Xingu é hoje uma ilha cercada pelo avanço da soja, pecuária, madeireiras e estradas.
No mês de outubro de 2003, passei quatro dias, sediada no Posto Indígena Leonardo Villas Bôas, entre os Kamaiurá e Yawalapiti, região denominada Alto Xingu. Nos Kamaiurá, distante, cerca de 10 quilômetros, vivem os indígenas de língua Tupi. O grande chefe Aritana Yawalapiti, surge como uma lenda viva, um homem, que reorganizou e manteve seu povo unido após vencer várias invasões e ataques quando habitavam outras terras, sofreram muitas baixas e se mudaram muitas vezes, até se estabelecerem no Parque Indígena do Xingu. Interferia com autoridade pelo povo xinguano, falava cerca de 9 línguas indígenas.
Os símbolos míticos iam surgindo sutilmente. A fabricação dos corpos dos guerreiros, que sofriam escoriações profundas nas costas e braços antes das grandes celebrações, para que o sangue fraco fosse eliminado antes das lutas corporais huka-huka, um espetáculo, com o qual se encerrava o Kuarup; o respeito indescritível aos mortos; a superstição; a confiança no poder de cura dos pajés, a fabricação dos corpos nas relações sexuais continuadas até que o bebê se forme; a reclusão, que marca a evolução de um estágio de vida para outro e garante a privacidade e equilíbrio para viver as transformações; os guardiões da flauta, que percorrem as ocas apresentando as virgens recém-saídas da clausura. As virgens andam graciosamente atrás dos guardiões e se escondem tímidas quando estes param para apresentá-las a algum parente. Esse ritual marca passagem da infância para vida adulta e no final da cerimônia de apresentação, as jovens indígenas estão prontas para casar-se.
O sensível cerimonial dos homens de mãos dadas em círculo para conhecer a criança que nasce na aldeia. E por fim, o ritual do Kuarup (nome de uma madeira), que revive a narrativa religiosa dos índios do Xingu, centrada na figura de Mawutzinin, um ser eterno, comparado a Deus, responsável pela criação dos primeiros seres humanos a partir de troncos de árvores. O ritual começa com a chegada dos três troncos (Kuarup), e o choro das famílias em frente aos troncos, adornados com algodão e penas.
Em 2013 visitei a terra indígena Capoto-Jarina, onde vive o cacique e pajé Raoni Metuktire, líder Kayapó, revestido de sua autoridade de líder de uma nação indígena reconhecido e respeitado no mundo inteiro, com seu labret no lábio, sua cultura e seus protocolos, a seu tempo e hora. Voltei ao Parque Indígena do Xingu em 2013 e 2014. Aritana faleceu em 05 de agosto de 2020, devido a complicações causadas pela Covid-19.
Olga Lustosa é socióloga e cerimonialista pública. Escreve com exclusividade para esta coluna aos domingos. E-mail: olgaborgeslustosa@gmail.com
FONTE: RDNEWS







