Agentes do FBI prenderam uma juíza do condado de Milwaukee nesta sexta-feira, acusada de obstruir agentes de imigração. A medida representa uma grande escalada na batalha do governo do presidente Donald Trump com as autoridades locais sobre as deportações, depois que a Casa Branca exigiu, sob ameaça de investigação ou processo, que as autoridades locais auxiliem os esforços federais para deportar milhões de imigrantes irregulares.
O departamento prendeu a juíza Hannah Dugan sob suspeita de que ela conduziu Eduardo Flores-Ruiz, um cidadão mexicano que estava em seu tribunal para responder a acusações criminais por contravenção, por uma porta lateral em seu tribunal enquanto os agentes federais aguardavam em um corredor público para prendê-lo. De acordo com a denúncia criminal, a juíza confrontou os agentes e ordenou que eles conversassem com o juiz-chefe do tribunal. Ela então retornou ao seu tribunal.
“Apesar de ter sido informada do mandado administrativo de prisão de Flores-Ruiz, a juíza Dugan escoltou Flores-Ruiz e seu advogado para fora do tribunal pela ‘porta do júri’, que leva a uma área não pública do tribunal”, dizia a denúncia, escrita por um agente do FBI.
Dugan foi acusada de obstruir, na sexta passada, um processo de uma agência federal e ocultar um indivíduo para impedir sua localização e prisão. No entanto, após uma breve audiência como ré em um tribunal federal em Milwaukee, a cerca de 1,6 km de seu próprio tribunal, a juíza foi liberada sob fiança.
O FBI prendeu a juíza Dugan sob suspeita de que ela “intencionalmente desorientou agentes federais”, escreveu o diretor do FBI, Kash Patel, nas redes sociais nesta sexta-feira, antes que as acusações fossem reveladas.
Christopher Wellborn, presidente da Associação Nacional de Advogados de Defesa Criminal, reagiu com preocupação à prisão da juíza, afirmando que a democracia americana “se baseia na independência do Judiciário”.
“Ações retaliatórias do Poder Executivo que pareçam minar essa base exigem nosso escrutínio inabalável e uma resposta contundente”, acrescentou.
O juiz-chefe do Condado de Milwaukee, Carl Ashley, disse em um comunicado que o caso da juíza Dugan seria tratado por outro jurista no tribunal e se recusou a fazer mais comentários.
O governo Trump prometeu investigar e processar as autoridades locais que não ajudarem nos esforços federais de fiscalização da imigração irregular, denunciando o que eles chamam de “cidades santuário” por não fazerem mais para ajudar nas apreensões e deportações federais de milhões de estrangeiros sem documentação adequada.
O caso de Milwaukee envolve um ponto crítico frequente nesse debate, quando agentes de imigração tentam prender imigrantes irregulares que estão comparecendo a um tribunal estadual. As autoridades locais geralmente se irritam com esses esforços, argumentando que eles colocam em risco a segurança pública se as pessoas que estão lidando com questões legais relativamente menores sentirem que não é seguro entrar nos tribunais.
No primeiro governo Trump (2017-2021), uma juíza local de Massachusetts foi indiciada pelo Departamento de Justiça sob a acusação de obstruir as autoridades de imigração. As acusações foram retiradas depois que a magistrada concordou em se submeter a uma possível disciplina judicial.
Esse caso também envolveu alegações de que uma juíza permitiu que um réu que estava sendo procurado por agentes do ICE saísse do prédio pela porta dos fundos para evitar a detenção. A Comissão de Conduta Judicial de Massachusetts apresentou acusações disciplinares formais contra a juíza Shelley Joseph. Ela negou qualquer irregularidade.
Caça aos imigrantes
Trump testou os limites da sua caça aos imigrantes sem documentação ao invocar, em março, a controversa Lei do Inimigo Estrangeiro, que permite monitorar, prender e deportar cidadãos de “países inimigos” de forma rápida e sem precisar seguir o devido processo legal das cortes migratórias. Até então, a lei de 1798 só havia sido utilizada durante a guerra de 1812 contra o Império Britânico e suas colônias canadenses e nas duas guerras mundiais.
Adotada três vezes no passado, todas durante conflitos deflagrados, o uso da legislação como arma secreta para o seu plano de deportação em massa havia sido antecipado pelo O GLOBO. Esta é a primeira vez na História que a lei é invocada em um período de paz. Estima-se que, ao todo, 11 milhões de migrantes estejam em situação irregular no país, dos quais 230 mil são brasileiros.
Com a imposição da Lei de Inimigo Estrangeiro, o conjunto de medidas anti-imigrantes de Trump ganhou contornos ainda mais preocupantes do ponto de vista humanitário. Embora tenha sido alvo de contestações na Justiça, a invocação da lei é parte da prerrogativa do presidente americano — diferentemente de medidas como o fim da cidadania a filhos de imigrantes irregulares ou com visto temporário, cuja mudança exige uma emenda constitucional e, por isso, também foi levada à Suprema Corte.
De acordo com seu texto, a lei pode ser invocada em tempos de “guerra declarada” ou quando um governo estrangeiro promove uma “invasão” ou uma “incursão predatória” contra o território americano. Trump argumenta que os EUA são vítimas de uma invasão de imigrantes promovida por facções criminosas latino-americanas. A legislação exige que o ataque seja cometido por um Estado. O magnata e seus aliados, porém, alegam que os cartéis de drogas atuam como governo de facto em certos países.
Em entrevista ao GLOBO em janeiro, Daniel Tichenor, professor de Ciência Política na Universidade do Oregon, explicou que a lei evoca o Artigo 2 da Constituição, que atribui ao presidente a responsabilidade de repelir uma invasão estrangeira. Ou seja, cabe apenas ao republicano decidir se a entrada de imigrantes pela fronteira configura ou não uma invasão nos termos da Lei de Inimigo Estrangeiro.
FONTE: Folha Max