Campanha tornou-se permanente porque o governo se tornou grande   | RDNEWS

Com tanto artifício por toda parte, talvez não se possa confiar em ninguém. Lembre-se, porém, que o encolher de ombros substitui o voto. Todo bom escritor e todo bom político compreende a poder de uma boa história, a anedota que arranca riso, a metáfora reveladora. Uma narrativa forte é, na sua forma mais elementar, um ato de sedução e na maioria das seduções, a emoção e carisma superam a lógica. Os políticos precisam ouvir histórias como forma de acumular conhecimento e refletir sobre as possíveis respostas para as questões que afligem as pessoas. É preciso ouvir e contar histórias para processar o cenário em que as informações são colhidas. E onde e quando se ouve histórias? Todos os dias e por toda parte.

Baseado no livro “A Campanha Permanente e seu futuro”, de Norman Ornstein e Thomas E. Mann, participei de um webinário sobre o tema. Os autores citam o talento do presidente americano Franklin Roosevelt para o uso político contínuo no rádio, e talento de John Kennedy para tirar partido da televisão, em aparições quase diárias, e, a destreza verbal de Bill Clinton, seu intelecto aguçado e a energia para explorar as tecnologias da informação e distribuição de conteúdo a seu favor o tempo todo. Clinton fez campanha como candidato ininterruptamente mais do que a grande maioria das pessoas no país. Ele concorreu com sucesso para advogado geral do estado do Arkansas, disputou seis campanhas para governador e venceu cinco, concorreu e venceu duas vezes à presidência dos Estados Unidos. O que aconteceu em termos de técnicas de campanha e refinamentos durante esse período de Clinton foi a campanha permanente, sem tréguas, sem interrupção do discurso de um para outro mandato.  Mas não é apenas a linha temporal da vida política de Clinton que é relevante para a continuidade das campanhas, é, na verdade, a impossibilidade de se manter homens com o mesmo perfil, agindo de uma forma nas campanhas e de outra, moderados, durante seus mandatos.

A interpretação mais profunda da realidade e a presença política física são fatores que ajudaram a dar origem a uma ideia defendida de que os políticos devem se envolver continuamente em atividades de campanha para entrar efetivamente dentro dos problemas cotidianos

O termo “campanha permanente” foi popularizado pelo jornalista Sidney Blumenthal, jornalista, ex conselheiro da Casa Branca, destacando uma mudança na dinâmica do poder político, levando os políticos a envolverem-se em atividades políticas que repercutem no sentimento público ao longo de seus mandatos o tempo todo. Claro que há controvérsia. Os críticos argumentam que há necessidade de uma distinção mais clara entre campanha e mandato, embora não haja como fazer campanha sem vislumbrar o mandato, tampouco estar no mandato e não desejar prosseguir nele. Os candidatos se encaixam em um fluxo contínuo de eventos públicos e os políticos com mandatos os criam e participam desses eventos.

A interpretação mais profunda da realidade e a presença política física são fatores que ajudaram a dar origem a uma ideia defendida de que os políticos devem se envolver continuamente em atividades de campanha para entrar efetivamente dentro dos problemas cotidianos. A teoria sugere que os políticos pós-modernos combinem governança com a necessidade de manter boa movimentação, tratando assim seu tempo no cargo como uma campanha contínua. Isso envolve viagens, participações mais frequentes em eventos de visibilidade nas mídias, além de comunicação contínua com o público.

Qual é o resultado da transformação da política e dos assuntos públicos em um ciclo de campanha de 24 horas por dia? Por um lado, o público é regularmente presenteado com uma imagem de deslocamentos, exposição de conflitos, posições de desacordos, contendas sobre questões políticas e sociais, mais do que se pode ver, pode de fato, quando as câmeras e os microfones estão desligados dentro dos gabinetes.  

Olga Lustosa é socióloga e cerimonialista pública. Escreve com exclusividade para esta coluna aos domingos. E-mail: olgaborgeslustosa@gmail.com​

FONTE: RDNEWS

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