sábado, julho 12, 2025

Cidades que queremos e merecemos

“Hoje vivemos em imensas cidades que se mostram modernas, orgulhosas e até vaidosas. Cidades – orgulhosas de sua revolução tecnológica e digital – que oferecem inumeráveis prazer e bem-estar para uma minoria feliz…, porém os nega o teto a milhares de vizinhos e irmãos nossos, inclusive crianças, e se os chama, elegantemente, ‘pessoas em situação de rua… Um sistema político-econômico, para seu desenvolvimento saudável, necessita garantir que a democracia não seja somente nominal, mas sim que possa se ver moldada em ações concretas que velem pela dignidade de todos os seus habitantes sob a  lógica do bem comum em um chamado à solidariedade e uma opção preferencial pelos pobres… Não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade” – Papa Francisco Pronunciamento na Cúpula Pan-Americana de Juízes, em 04-06-2019, promovida pela Pontifícia Academia de Ciências Sociais, no Vaticano, em Roma.

 

Estamos, no Brasil inteiro sob os holofotes da Realização da 6ª Conferência Nacional das Cidades, que tem como tema central “Construindo a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano: caminhos para cidades inclusivas, democráticas, sustentáveis e com justiça social”. O escopo da conferência abrange a discussão e o desenvolvimento de políticas públicas para o desenvolvimento urbano, com foco em áreas como habitação, mobilidade, saneamento, gestão estratégica e financiamento, além de questões relacionadas à diversidade ambiental e climática. 

 

Esta Conferência das cidades está sendo realizada em tres etapas: as conferências municipais que já foram, estão ou serão realizadas até final de julho; as conferências estaduais (nas capitais) até final de setembro e, finalmente, a Conferência Nacional em Brasiília no final de Outubro próximos.

 

Há mais de 70 anos a questão do desenvolvimento urbano vem sendo discutida no Brasil, principalmente a partir da década de 1960, quando o Brasil deixa de ser um país demograficamente rural para se transformar em um país urbano e industrial.

 

Ao longo dessas sete décadas, o crescimento rápido das cidades brasileiras ocorreram de uma maneira totalmente caótica, sem planejamento, sem investimentos em infra estrutura urbana compatível com os índices de concentração e crescimento populacional.

 

O resultado são as cidades que temos, na verdade duas ou tres cidades em territórios compartimentados, uma as cidades das periferias onde moram as famílias pobres, excluídas e injsutiçadas sem infraestrutura, com baixa qualidade de vida, outra a cidade para a chamada classe média, com alguns tipos de infra estrutura e, finalmente, a cidade dos ricos, das camadas mais abastadas, dos donos do poder e dos barões da economia, verdadeiros “appartheids”, quase `a semelhança das cidades da idade média, condomínios fechados, com muros altos, cercas elétricas, com vigilância eletrônica ou com guardas particulares armados, demonstrando que essas camadas privilegiadas temem as ameaças das chamadas “classes perigososas” que vivem nas favelas, nos cortiços, nas palafitas, dominadas também pela violência do crime organizado ou das milícias.

 

Diante do processo caótico do crescimento das cidades, ainda na década de 1960, ou seja, há sete décadas, surgiu um grande movimento de lutas sociais, no contexto das chamadas reformas de base, denominado de Movimento de e pela Reforma Urbana.

 

Este foi um movimento que visava transformar as cidades, promovendo o acesso de todos os cidadãos aos seus benefícios, como habitação, infraestrutura e serviços. Este movimento, impulsionado por segmentos progressistas da sociedade, propôs mudanças estruturais na questão fundiária e no uso e ocupação do solo, com o objetivo de democratizar o acesso à cidade e garantir direitos urbanos fundamentais para quem vive ou meramente sobrevive nas cidades.

No dia 01 de Janeiro de 2003, início da primeira gestão de Lula, foi criado o Ministério das Cidades, com os objetivos de combater as desigualdades sociais, transformar as cidades em espaços mais humanizados e ampliar o acesso da população a moradia, saneamento, mobilidade urbana, incluindo transporte de massa mordeno e decente.

 

Antes da chegada de Lula `a Presidência, durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso, o Congresso Nacional aprovou quase que por unanimidade e FHC sancionou O Estatuto da Cidade em 10 de julho de 2001, através da Lei Federal nº 10.257. Essa lei regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo diretrizes gerais para a política urbana no Brasil. 

 

Esta Lei, que passou a ser um marco fundamental e importante na definição e implementação da Política Nacional e, por extensão das políticas estaduais e municipais de desenvolvimento urbano, com dimensões de sustentabilidade, modernidade, justiça social, justiça climática, inclusão social e econômica e segurança.

 

Além dessas dimensões, o Estatuto das Cidades criou diversos instrumentos jurídicos e urbanísticos para que as cidades pudessem e ou possam ser espaços democráticos e participativos, envolvendo todos os atores e não apenas as eleites na definição das cidades que queremos e merecemos, ou seja, CIDADES PARA TODOS E TODAS e não apenas para uma minoria, enquanto as grandes massas permanecem excluidas dos “benefícios” que uma cidade deve promover `a sua população. Exemplos são o IPTU progressivo no tempo e a possibilidade de desapropriação de imovel urbano pelas prefeituras com pagamento de títulos da dívida pública municipal, aprovados pelo Senado e outras normas e regras para o bem viver no espaço urbano.

 

O desenvolvimento tanto urbano quanto rural, econômico e social no Brasil não primam pelo planejamento de curto, médio e muito menos de longo prazo. Uma das características deste processo, principalmente do “crescimento” populacional e físico (perímetro urbano e peri urbano) das cidades, como já mencionado, ocorre `a revelia dos governantes, principalmente integrantes dos poderes Executivos e Legislativos, que se mostram avessos `a idéia e prática do planejamento eternos improvisadores quando se trata das ações governamentais.

 

Isto é demonstrado através da crise fundiária urbana que gera muita violência e conflitos, da falta de saneamento básico, das deficiências do sistema de transportes coletivo, frotas e sistemas totalmente obsoletos e de baixa qualidade, estrangulamento da mobilidade urbana, inexistência e ou calçadas que limitam o deslocamento de pedestres, colocando vidas em risco, a falta ou precariedade de arborização urbana e periurbana, afetando o micro clima urbano, principalmente nas áreas centrais; a deterioração dos centros históricos, com perda da memoria das cidades, como ocorre em Cuiabá e tantas outras cidades históricas no Brasil.

 

Todas essas dimensões, desafios e problemas deveriam ser equacionados no contexto dos Planos Diretores de Desenvolvimento Estreatégico tanto das cidades (dimensão urbana propriamente dita) quanto das áreas periurbanas e rurais dos municípios, principalmente das cidades com mais de 20 mil habitantes, onde os planos diretores, democráticos e participativos obrigatórios e que deveriam balizar as ações das administrações municipais.

 

Lamentavelmente tais planos, quando existem, como em Cuiabá, acabam sendo apenas documentos para efeitar prateleiras de gabintes, longe das realidades urbanas, principalmente das periferias urbanas.

 

Em todos os setores e não apenas nas questões urbasnas existem dois problemas, desafios quase insuperáveis, diante das práticas políticas clientelistas e corruptas existentes. O primeiro é a falta de continuidade de politicas, programas e ações governamentais; cada administração que assume, seja nos municípios, nos estados ou no governo federal, abandona quase tudo o que vinha sendo realizado e a prática é invetar novas obras, novos programas e novas ações, contribuindo para o desperdício, mau uso ou corrupção, em prejuizo dos interesses e necessidades do povo, principalmente dos pobres e excluidos.

 

Os exemplos são milhares e milhares de obras federais, estaduais e municipais paralizadas, praticamente em todos os municípios e cidades brasileiras, como o famoso hospital Central de Cuiabá paralizado por quase ou mais de 40 anos, o que não deixa de ser uma vergonha e um desperdício de recursos públicos, diante das necessidades da população.

 

Outro problema é a falta de articulação das políticas públicas, inclusive da política de desenvolvimento urbano, entre as tres esferas do poder público (Governos Federal, Estaduais e Municipais), a começar pela falta de coincidência de mandatos.

Presidente da Republica, Congresso Naciona; Governadores de Estado e DF e Assembléias Legislativas so aleitos 2 anos antes que prefeitos e vereadores. Assim, os instrumentos de planejamento como PPA – Plano Plurianual de Investimentos e LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias não coincidem.

 

Um terceiro problema que contribui para este processo caótico de gestão pública que é o desrespeito da autonomia dos municípios, tanto por parte dos governos estaduais quanto federal.

 

Finalmente, temos mais um problema que é a gestão das Regiões Metropolitanas e das Conurbações urbanas, que, em princípio devem ter também seu planejamento integrado e harmônico, em setores vitais como mobilitade/transporte intermunicipal; questões de saneamento,  principalmente a questão dos resíduos sólidos, esgotamento sanitáario, os desafios da moradia popular e da regularização fundiária.

 

Neste aspecto, o problema se agrava porquanto a gestão metropolitana, além da autonomia de cada município da mesma, ainda existe a figura da presença de entes dos governos estaduais e com frequência também do governo federal.

Um exemplo concreto desta balbúrida política, administrativa e de gestão pública podem ser mencionadas as famosas obras da COPA de 2014, cujas obras, algumas delas como o VLT de Cuiabá e Várzea Grande, iniciadas em 2012, nunca concluidas e que consumiram quase um bilhão de reais, pela má gestão e corrupção e que até hoje, depois de trocarem de modal do VLT para BRT, representa uma grande cicatriz na paisagem do maior aglometado urbano de Mato Grosso e Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá.

 

Neste mesmo diapasão, em 01 de Janeiro de 2019, início do Governo Bolsonaro, os Ministérios das Cidades e da integração nacional foram extintos, dando lugar para o surgimento/criação do Ministério do Desenvolvimento Regional e o ConselhoNacional das Cidades praticamente extinto e esvaziado.

 

Com a posse de Lula para mais um período governamental o Ministério das Cidades foi re-criado em 01 de Janeiro de 2023 e o Conselho das Cidades recuperou suas atribuições e as Conferências das Cidades e outras Conferências setoriais, como mecanismo de participação popular e de outros segmentos voltaram a acontecer.

 

É importante destacar que as Conferências das Cidades são um espaço de diálogo e participação de todos os segmentos que vivem e constroem as cidades, momento para que a população participe dos esforços de construção de cidades que ofereçam condições e qualidade de vida para todas as pessoas que nelas vivem, trabalham e sonham com um futuro melhor, digno e com justiça social.

 

Finalizando, é importante ressaltar que as conferências das cidades buscam incentivar a participação social e popular; um espaço de dialogo e debate dos principais problemas e desafios urbanos; debater e propor subsídios para a formulação e reformulação da Política e do sistema nacional de desenvolvimento urbano; tanto na dimensão local quanto metropolitana quanto estadual e nacional.

 

Os principais problemas e desafios que não podem ficar de fora das Conferências das Cidades são: mobilidade urbana; habitação, principalmente moradias populares; regularização fundiária; sustentabilidade climática; arborização urbana (Planos Diretores de Arborização urbana: municipais e metropolitanos, florestas urbanas e periurbanas); saneamento básico, principalmente as questões dos resíduos sólidos/lixo e esgotamento sanitário.

 

Além disso é fundamental que nas conferências das cidades sejam também debatidas as questões da modernização da “máquina” administrativa, da gestão estratégica, da visão de médio e longo prazo e das fontes de financiamento, orçamentos;  a questão da segurança pública, principalmente nos territórios periféricos, atualmente objeto do dominio do crime organizado, verdadeiro poder paralelo em inúmeras cidades e estados no Brasil.

 

Finalmente, é fundamental que as discussões levem em consideração a questão dos bolsões de pobreza, principalmente nas áreas/territórios periféricos, buscando construir mecanismos nas políticas públicas que promovem a inclusão social e econômica e a Justiça Social, ou seja, o Bem Comum.

 

Só assim estaremos construindo cidades como espaço em que todos tenham qualidade de vida e dignidade humana.

 

Juacy da Silva é professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso.

FONTE: MIDIA NEWS

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