A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) apresentou nesta quarta-feira, ao Supremo Tribunal Federal (STF), suas alegações finais na ação da penal da trama golpista. Os advogados de Bolsonaro pediram para ele ser absolvido dos cinco crimes pelos quais é acusado, incluindo o de tentativa de golpe de Estado.
Na petição, a defesa de Bolsonaro voltou a pedir a anulação da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid. Além disso, alegou que não há provas contra o ex-presidente.
“Não existe texto, decreto ou minuta prevendo a prisão de qualquer autoridade. Não existe decreto assinado. Não existe pedido de movimentar as tropas nem pedido a quem possa assim fazer. Não existe prova do golpe imaginado pela acusação”, afirmam os advogados.
Para refutar tese de articulação em prol do golpe, a defesa afirmou que Bolsonaro “de pronto determinou” a sucessão de governo para o presidente Lula. E destacou o seu estado de saúde no fim de 2022, no qual ele se apresentava como alguém “monossilábico”, “abatido” e que mal conseguia “se movimentar” por causa da infecção na perna, de acordo com o depoimento de testemunhas.
“A transição ocorreu – por ordem do então presidente – de forma eficaz, pacífica e imediata. Sem intercorrências; sem qualquer dificuldade; e em todas as áreas, inclusive na área militar”, diz o texto. A defesa também declara que a Procuradoria-Geral da República (PGR) atribui a Bolsonaro “como se atos criminosos fossem, os seus discursos eleitorais e suas manifestações com críticas ao sistema eletrônico de votação”. Essas falas seriam apenas “manifestação de opinião política”.
Os advogados ainda destacaram que a PGR não soube apontar qual das minutas golpistas teria sido apresentada por Bolsonaro aos chefes das Forças Armadas na reunião no Palácio da Alvorada. “Mas estes documentos não existem nos autos. É grave! A verdade é que, encerrada a instrução probatória, a PGR ainda não consegue dizer qual teria sido a minuta de decreto que teria sido lida na reunião do dia 07 de dezembro”, afirmam.
‘Delator sem credibilidade’
Os advogados também lançaram um ataque direto à credibilidade de Mauro Cid, classificando-o como um “delator sem credibilidade”.
O documento destaca que a acusação contra Bolsonaro se baseia quase que exclusivamente em um colaborador que “mentiu e o fez reiteradas vezes”. A defesa argumenta que as declarações de Cid não são confiáveis e que o próprio delator teria descumprido os termos de seu acordo de colaboração com a Justiça.
A principal evidência apresentada pela defesa para sustentar a falta de credibilidade de Cid é a descoberta de que ele teria violado as medidas cautelares impostas pelo acordo. Segundo o documento, Cid manteve conversas em um perfil de terceiro na rede social Instagram, o que configuraria um descumprimento do pacto com a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Essa conduta, para a defesa, invalida as informações prestadas e corrobora a tese de que o militar não agiu de forma íntegra ao longo do processo.
Último dia do prazo
O documento com as alegações finais, que reúne os argumentos do réu para rebater as acusações que pesam contra ele, foi apresentado no último dia do prazo. Essa é a última etapa da ação penal. Agora, cabe ao relator, ministro Alexandre de Moraes, preparar seu voto e liberar o caso para o julgamento. A expectativa é que o processo seja analisado em setembro na Primeira Turma do STF.
Em julho, a PGR havia pedido a condenação dos oito réus. O primeiro a apresentar suas alegações finais foi Mauro Cid, que no mês passado defendeu sua inocência e pediu que, em caso de condenação, a pena não passe dois anos.
Cid apresentou suas alegações antes dos demais réus por ter fechado um acordo de delação premiada. Depois, foi aberto um prazo de 15 dias para os outros acusados, que termina nesta quarta.
Além do ex-presidente e de Cid, também são réus os ex-ministros Walter Braga Netto (Casa Civil e Defesa), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Anderson Torres (Justiça) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).
Bolsonaro está em prisão domiciliar desde a semana passada, por decisão de Moraes. O ministro considerou que houve “reiterado descumprimento de medidas cautelares”. Uma das obrigações que haviam sido impostas pelo ministro, em decisão anterior, era a de proibição de utilização de redes sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros.
Acusações e defesa
O ex-presidente é acusado de “liderar” uma organização criminosa que se baseava em um “projeto autoritário de poder” e visava dar um golpe de Estado. Conforme a Procuradoria-Geral da República (PGR), ele discutiu o plano golpista em pelo menos duas reuniões no Palácio da Alvorada, em 19 de novembro e 7 de dezembro de 2022.
Bolsonaro foi denunciado por cinco crimes: organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e deterioração de patrimônio tombado.
Um dos principais elementos citados na investigação foi a elaboração de uma minuta de decreto com teor golpista, apresentado por Bolsonaro aos comandantes das Forças Armadas.
O episódio foi relatado pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudantes de ordens de Bolsonaro, em seu acordo de delação premiada. O relato, contudo, foi depois confirmado por diversos outros elementos, incluindo os depoimentos dos próprios ex-comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gome, e da Aeronáutica, Carlos Alberto Baptista Junior, além de mensagens e registros de entrada no Palácio da Alvorada.
Relatório da Polícia Federal também elencou uma série de provas para a apontar a posição de comando de Bolsonaro na articulação do golpe. Segundo a PF, ele “planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva” na conspiração. Entre os indícios, está um áudio enviado em 9 de dezembro no qual Mauro Cid diz que o ex-presidente “enxugou o decreto” e tornou o documento mais “resumido”.
Freire Gomes e Baptista Junior também relataram, em depoimento à PF, que sofreram pressão para aderir ao golpe de Estado. Um dos mecanismos de pressão foi o documento chamado de “Carta ao Comandante do Exército de oficiais superiores da ativa do Exército Brasileiro”. Militares da ativa são proibidos de se manifestarem politicamente.
Em interrogatório no STF em junho, Bolsonaro afirmou ter buscado comandantes das Forças Armadas para discutir alternativas para questionar o resultado eleitoral após ser derrotado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2022. Em um depoimento que durou pouco mais de duas horas, ele admitiu ter tratado com auxiliares da possibilidade de adotar instrumentos como o Estado de Sítio ou a chamada Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Segundo o ex-presidente, porém, as medidas foram descartadas e não havia “clima”, “oportunidade” e “base minimamente sólida para qualquer coisa”, em uma alusão à uma tentativa de golpe no país.
Os advogados afirmam que o ex-presidente é inocente e não compactuou com qualquer tentativa de ruptura democrática. Eles também pediram a anulação da delação de Mauro Cid e o julgamento da ação penal no plenário do Supremo Tribunal Federal — o processo tramita na Primeira Turma da Corte, que não é constituída por nenhum ministro indicado pelo ex-presidente.
FONTE: Folha Max