O evangelho do algoritmo | RDNEWS

Rodinei Crescêncio

No documentário Apocalipse nos Trópicos, a câmera não apenas registra cultos, mas revela a expansão de um movimento que extrapola os limites das igrejas: o crescimento do protestantismo no Brasil como força cultural e política. A cena religiosa, antes restrita a templos e púlpitos, ganhou as redes sociais e se tornou parte do espetáculo digital. Se a fé move montanhas, hoje ela também move algoritmos.

Basta abrir o Instagram ou o TikTok para encontrar trechos de sermões, frases inspiracionais e conteúdos devocionais embalados em estética jovem e linguagem pop. Movimentos como Os Legendários, voltados para a juventude evangélica, e perfis como Café com Deus Pai ilustram bem esse fenômeno: a religião convertida em “trend”, adaptada ao ritmo acelerado de stories, reels e cortes de vídeo. O discurso religioso se veste de hashtags, playlists de adoração e filtros coloridos. A espiritualidade, cada vez mais, fala a linguagem do engajamento.

O discurso religioso se veste de hashtags, playlists de adoração e filtros coloridos. A espiritualidade, cada vez mais, fala a linguagem do engajamento


Mauricio Munhoz

Mas há uma diferença crucial entre o púlpito físico e o púlpito digital: no segundo, não é o pastor quem decide o que vai ecoar, mas o algoritmo. Ele se torna um novo mediador da fé, um “pastor invisível” que seleciona quais mensagens serão amplificadas e quais permanecerão escondidas nos bastidores da internet. Como diria Shoshana Zuboff, não se trata apenas de fornecer informação, mas de prever e moldar comportamentos. A fé, nesse contexto, entra na lógica do capitalismo de vigilância, em que aquilo que acreditamos também se transforma em dado a ser explorado.

Esse processo gera um paradoxo. Por um lado, há uma democratização do acesso: qualquer pregador com um celular pode alcançar milhares de pessoas, rompendo fronteiras geográficas e institucionais. A religião se adapta ao ambiente digital e ganha novas formas de comunidade. Por outro, o mesmo mecanismo que espalha mensagens de fé também pode distorcê-las, incentivando conteúdos que priorizam a viralização sobre a reflexão, o choque sobre a profundidade, a promessa fácil sobre a experiência espiritual autêntica.

O filósofo Byung-Chul Han alerta que vivemos numa era em que tudo precisa ser visível, consumível e instantâneo. A espiritualidade, quando capturada pelo algoritmo, corre o risco de se transformar em mais um item nesse mercado da atenção. A liturgia do tempo presente não é mais apenas a do templo, mas a do feed.

O crescimento das “igrejas digitais” não pode ser entendido apenas como moda passageira. Ele reflete transformações profundas na relação entre religião, juventude e cultura digital. Se no passado a formação de comunidades de fé exigia presença física, hoje elas se articulam em grupos de WhatsApp, transmissões ao vivo no YouTube e hashtags compartilhadas. A fé, antes enraizada em territórios, agora circula em nuvens de dados.

Assim como no passado a Igreja Católica exerceu poder político ao controlar narrativas e símbolos, hoje o “evangelho do algoritmo” assume essa função. Ele decide o que será visto, repetido e acreditado. Talvez o maior desafio para as religiões, no Brasil e no mundo, seja compreender que a batalha espiritual do nosso tempo não acontece apenas nos templos, mas também nos feeds.

Escrito com Sara Nadur Ribeiro.

Maurício Munhoz Ferraz é assessor do presidente do Tribunal de Contas de Mato Grosso e professor de economia

FONTE: RDNEWS

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