Rodinei Crescêncio/Rdnews
“Eu estou aqui porque preciso trabalhar a minha questão de foco.” Essa foi a resposta que uma cliente me deu em uma das minhas sessões de mentoria para desenvolvimento de competências de liderança.
Um dos pontos que observo com frequência nos meus sets terapêuticos e de mentoria é que nem sempre as pessoas, quando vêm buscar desenvolver suas competências, estão diretamente ligadas a aprenderem por meio de aulas ou treinamentos. Tenho percebido, nas minhas práticas, que alguns entraves — aspectos que elas não conseguem transpor no dia a dia, no ambiente de trabalho e até nas suas vidas pessoais — estão profundamente ligados a questões mal resolvidas ou mal interpretadas, traumas do passado.
Já notei que, muitas vezes, algumas pessoas chegam até mim dando verdadeiras aulas sobre o tema que relatam não conseguir colocar em prática em forma de comportamento, de resultado dentro dos negócios.
Certa vez, um gestor que estava sendo observado para assumir cargos maiores na empresa chegou até mim. O dono havia dito: “Se ele não aprender a descentralizar, não poderá assumir a cadeira.”
Ao fazer a sessão com ele, percebi que poderia me dar uma aula sobre delegar. Ele já tinha feito vários cursos, lido diversos livros, ouvido inúmeros podcasts. Então, onde estaria o problema? Ele era muito mais conhecedor do tema do que eu mesma. Mas, apesar de todo esse repertório, não conseguia transpor o saber em atitudes. E ali observei: o entrave estava em outro lugar.
Na jornada que percorremos juntos, emergiram algumas cenas do passado. Uma delas, ele relatava assim: “Eu tenho que lutar pelos meus resultados, eu tenho que lutar para crescer por conta das crianças.”
Perguntei: “Você tem filhos?” Ele era muito jovem, e falou de “crianças”. Eu pensei: Nossa, já tem mais de um filho. Com quantos anos será que se tornou pai? Então ele respondeu: “Não, são meus irmãos. Eu chamo de crianças porque sou responsável por eles.”
Um tinha 14 anos, o outro 26. E ali compreendi a história: esse rapaz, o filho mais velho, em um dos episódios repetitivos de violência de um pai alcoólatra contra a mãe, já maior de idade e com mais estrutura física, reagiu. Agrediu o pai e o expulsou de casa. Mas o pai era o provedor financeiro da família. A partir dessa saída, a realidade mudou: veio a crise econômica, a desestruturação. E, apesar de ter livrado a mãe de episódios violentos, essa mesma mãe passou a culpá-lo diariamente por ter tomado tal atitude.
O que ele carregava, inconscientemente, era a culpa. Como se não pudesse deixar escapar nada, como se tivesse que estar no controle absoluto para que nada ruísse novamente. Esse padrão, enraizado no passado, refletia diretamente no presente: a dificuldade em delegar, em soltar o comando, em confiar.
“Dentro da jornada evolutiva da vida, muitas vezes precisaremos buscar conhecimento nos livros, em aulas, em observações. Esse é um ato riquíssimo e necessário. Mas existe também outra jornada — a jornada para dentro. A jornada do autoconhecimento”
Cynthia Lemos
E o mais intrigante é perceber como traumas específicos, aparentemente desconectados do trabalho, impactam rotinas corriqueiras no ambiente profissional. Esse é o meu dia a dia: ajudar pessoas a reconhecerem esses elos ocultos.
Outro exemplo, recente. Uma cliente chegou dizendo: “Eu preciso trabalhar meu foco. Eu faço tudo pelo outro. Na empresa, se alguém me pede algo, faço das tripas coração para entregar. Mas, quando é para mim, eu travo.”
Essa fala é emblemática. Eu já sabia que não se tratava apenas de uma questão de gestão de tempo, de prioridades ou de foco macro-objetivo. Então, metaforicamente, acendemos uma lanterna e começamos um passeio pela caverna do passado.
Ali surgiu a cena: “Eu não quero me parecer com minha mãe e minha avó. Eu luto contra isso.”
Perguntei: “De que forma você não quer se parecer com elas?”
Ela respondeu: “Elas são solitárias. Fizeram tudo pelos outros e nada por elas. Então eu evito ficar sozinha. Evito olhar para mim.”
Sem perceber, ela repetia justamente o padrão familiar do qual dizia fugir: colocar sempre o outro em primeiro lugar, anulando-se.
E por que compartilho tudo isso com você?
Porque quero trazer uma reflexão: dentro da jornada evolutiva da vida, muitas vezes precisaremos buscar conhecimento nos livros, em aulas, em observações. Esse é um ato riquíssimo e necessário. Mas existe também outra jornada — a jornada para dentro. A jornada do autoconhecimento.
É colocar luz nas sombras que nos travam nos desafios do dia a dia, sejam eles profissionais, relacionais ou existenciais.
Quais são os padrões que você repete sem perceber? Quais estão limitando sua prosperidade, seu crescimento, sua felicidade? Quantas vezes você posterga esse mergulho, buscando pílulas ou fórmulas mágicas que não te tiram do lugar?
Eu te convido a olhar para a tua história, para os padrões que atravessam gerações e que hoje você tem a oportunidade de reconhecer e quebrar.
Sempre gosto de dizer: quando nos libertamos de um trauma, quando iluminamos aquilo que estava obscuro, não só nos liberamos. Libertamos também as gerações que virão. E, de certa forma, transformamos o mundo, curando o que os que vieram antes não puderam ou não souberam curar.
Cynthia Lemos é psicóloga e empreendedora; fundadora da Grandy Psicologia Empresarial e escreve neste espaço quinzenalmente às quintas-feiras
FONTE: RDNEWS