domingo, setembro 7, 2025

Adultização: É preciso discutir causas e não só tratar os sintomas, diz socióloga | RDNEWS

No último mês, o Brasil foi tomado por um debate que intensificou as discussões sobre segurança de crianças e adolescentes e o controle das redes sociais: a adultização e a exposição de menores na internet. A questão, que ganhou destaque nos últimos dias após denúncia do influenciador Felipe Bressanim, conhecido como Felca, não é nova, mas escancara um problema para o qual a sociedade brasileira ainda busca respostas: como garantir a proteção de crianças e adolescentes na internet, e não apenas adotar medidas punitivas quando os crimes já foram cometidos. Quem comenta a situação é a socióloga e Christiany Fonseca, em entrevista ao .

Rodinei Crescêncio/Rdnews

Cristiany Fonseca

“O tema em si é sensível, que merece atenção real. O que está acontecendo com as nossas crianças hoje? Mas é um tema que eu percebo também que, quando a população começou a discutir sobre, já veio com o discurso da gente tratar o sintoma, ou seja, a violência já aconteceu, a criança já sofreu abusos, já foi exposta e aí eu vou tratar o sintoma disso. Qual é o sintoma disso? É a repressão daquele algoz. Inclusive, a primeira [pauta] que foi votada no Congresso é sobre a punição para os aliciadores. A gente está evitando discutir as causas, que eu acho que são a raiz do problema”, explica Christiany.

A cientista argumenta que uma das formas, por exemplo, de se discutir a raiz do problema seria investir no debate sobre os limites das Big Techs, as grandes empresas de inovação e tecnologia que hoje dominam o mercado. “As Big Techs, hoje, ocupam um espaço predominante na sociedade e não há nenhuma regulamentação real com relação a isso. Então, quando elas estão abertas, as nossas crianças também estão abertas para esse processo. Eu penso que essa é uma das causas também”, pontua.

Christiany também esclarece que a sociologia já vem trabalhando discussões sobre a adultização de crianças há algum tempo. A cientista política explica, por exemplo, a questão de campanhas políticas envolvendo crianças, momentos em que os menores são produzidos com roupas e maquiagem excessiva, tirando, assim, os traços infantis de pessoas que são evidentemente muito novas.

“Toda essa perspectiva midiática que envolve a criança, que quer ser modelo [por exemplo] — a menina que quer ser modelo não vai ser modelo tendo um comportamento infantil, ela vai ser modelo tendo uma característica adulta para estar nas passarelas. Então, eu acho que a sociologia é muito importante para discutir essa temática em si, que eu também acho que é uma das causas que a gente precisa enfrentar”, argumentou.

Outro ponto que Christiany levanta é que, com as redes sociais, o espaço para as crianças serem apenas crianças tem diminuído, deixando uma lacuna que acaba sendo preenchida pelo amadurecimento precoce. “A gente está dando para nossas crianças um tratamento não infantil. E isso acaba sensualizando as nossas crianças, adultizando-as e permitindo que suas imagens sejam, inclusive, sexualizadas nesse mundo das redes sociais, que é um mundo amplo, que não tem controle nenhum, regulamentação nenhuma. E aí eu volto à questão: eu estou tratando do sintoma, quando eu sei desse aliciador, desse pedófilo, e que ele tem que sofrer uma sanção. E eu preciso tratar desse sintoma, sim, porque tratar o sintoma salva vidas. Mas, enquanto eu não combater as causas, a gente vai continuar reproduzindo problemas como esse”, pontua.

A discussão sobre maneiras de regular o acesso à internet para crianças e adolescentes acaba, no entanto, transpassando outro assunto latente, que é a liberdade de expressão nas redes sociais. Christiany esclarece que, ao se tratar das garantias de integridade física e moral de menores, é necessário pensar, sim, em maneiras de limitar determinados comportamentos.

“Porque aí eles vêm com o discurso de que isso é censura, de que isso é não considerar a liberdade de expressão. Mas será que eu não tenho que limitar a liberdade de expressão quando eu sexualizo crianças? Isso não precisa ser regulamentado? Esse tem que ser um espaço aberto? E a fala do Felca nos provoca muito mais. Ela nos provoca quando nós imaginávamos que essas coisas que envolviam crianças nesse mundo sexual estavam restritas à deep web. Não, os pedófilos estão na ponta do iceberg. Eles estão nas redes sociais abertas, eles comentam no Instagram, eles usam Telegram, ou seja, eles usam redes que são acessíveis para todos nós”, argumenta a profissional.

Christiany pontua falando sobre a importância de entender a necessidade de proteger as crianças justamente por esses menores não racionalizarem determinadas atitudes. Para crianças, uma foto em frente ao espelho é apenas um retrato, mas, ao cair na internet, a possibilidade de algozes, como a cientista política coloca, encontrarem essas imagens e usarem isso como uma forma de sexualizar esses menores é gigante.

“Crianças não racionalizam. Crianças pensam, refletem, mas crianças não racionalizam. Então, assim, vai entrar ali naquele meio social achando que está tirando uma foto e, de repente, está fomentando o algoz, que olha para aquela foto de maneira sexualizada. Então eu vou aqui bater na tecla: se nós queremos resolver esse problema, que é um problema real, é um problema bruto, é um problema grotesco, é um problema que quebra com todas as configurações dos direitos humanos, sociedade. Vamos atacar as causas”, finaliza.

FONTE: RDNEWS

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