Em 5 de dezembro de 2023, o advogado Roberto Zampieri foi assassinado a tiros na porta do seu escritório, em Cuiabá. O seu telefone celular foi apreendido pela Polícia Civil de Mato Grosso para apurar os motivos do crime e chegar aos autores.
Quando o aparelho começou a ser analisado, os investigadores encontraram muitas outras informações além do que estavam inicialmente buscando. Diálogos do WhatsApp indicavam o envolvimento de Zampieri na compra de decisões judiciais e citavam um “rapaz de Brasília” como parceiro nessa empreitada.
O material, então, foi enviado ao Conselho Nacional de Justiça, órgão responsável por investigar magistrados. A análise feita pelo CNJ identificou que Zampieri trabalhava em conjunto com um lobista chamado Andreson de Oliveira Gonçalves na compra de decisões do segundo tribunal mais importante do país, o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A primeira análise desses diálogos identificou que, apesar de não ser advogado, Andreson era acionado para atuar para diversos clientes, tinha acesso a minutas de decisões de ministros do STJ e dizia ter influência junto aos assessores dos gabinetes. A partir dessas informações, em julho de 2024 o CNJ enviou o material para abertura de uma investigação da Polícia Federal. Entenda abaixo o que a PF já descobriu após ter deflagrado dez fases da Operação Sisamnes:
Quatro gabinetes sob investigação
Com base nas primeiras provas recebidas, a Polícia Federal abriu uma investigação para apurar se assessores do STJ vazaram informações e venderam decisões ao lobista Andreson de Oliveira Gonçalves. Não foram identificados indícios de envolvimento dos ministros. Inicialmente, a PF mirou os assessores de quatro gabinetes: Isabel Gallotti, Moura Ribeiro, Og Fernandes e Nancy Andrighi. Quando o caso foi tornado público, o STJ disse ter aberto sindicâncias para apurar a responsabilidade dos servidores e que não houve participação dos ministros nos fatos.
“Ficou bastante nítido que o Sr. ANDRESON DE OLIVEIRA GONÇALVES vendia a ROBERTO ZAMPIERI sua aparente proximidade com assessores de ministros do Superior Tribunal de Justiça, negociando minutas de decisões e intermediando pagamento e recebimento de vantagens indevidas, em tese, cobradas ou aceitas pelos servidores públicos atuantes naquele Tribunal”, aponta o Relatório do CNJ enviado à Polícia Federal.
Foi deflagrada uma operação em novembro de 2024 que resultou na prisão preventiva do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves e o afastamento de três assessores do STJ, que também foram alvos de busca e apreensão.
A investigação foi batizada de Sisamnes. O nome foi inspirado em uma obra do historiador grego Heródoto. No seu livro que narra as guerras entre gregos e persas, ele conta a história de um juiz que aceitou um suborno e teria sido esfolado vivo por ordem do rei da Pérsia, Cambises II, no século VI a.C.
VÍRGULA
As conversas entre Roberto Zampieri e o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves forneceram à PF diversos indícios do vazamento de minutas de dentro dos gabinetes. Em uma das conversas, o lobista enviou ao advogado a confirmação da minuta que ele havia antecipado e comentou: “Até a vírgula é igual”.
Os processos envolviam, principalmente, disputas de terras e contratos bancários de empresários de Mato Grosso. Nas mensagens, Andreson fazia cobranças a Zampieri pelos pagamentos e dizia que os valores seriam repassados para assessores dos gabinetes. Em resposta a uma delas, Zampieri se irrita com um pedido insistente para um pagamento de R$ 500 mil.
“Você passa para o cara milhões por ano, não pode esperar um pouco para receber 500 mil?” Roberto Zampieri, Advogado
As informações do celular de Zampieri também geraram a abertura de inquérito para apurar indícios de corrupção de desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Para esses magistrados, o advogado chegou a oferecer relógios de luxo e uma barra de ouro.
R$ 4 MILHÕES
A PF analisou os dados dos sistemas de informática do STJ e as transações bancárias envolvendo os assessores, até que obteve provas robustas contra um deles. Márcio José Toledo Pinto, que trabalhou nos gabinetes de Nancy Andrighi e Isabel Gallotti, mexeu nas minutas de decisões encontradas nos diálogos do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves.
Depois, a PF descobriu que uma empresa do lobista, a Florais Transportes, transferiu R$ 4 milhões para uma empresa recém-aberta em nome da esposa do assessor do STJ e que não tinha nem funcionários registrados. A defesa de Márcio não quis se manifestar.
“Durante as pesquisas, chamou atenção o fato de a empresa Marvan Logística não possuir funcionários registrados, o que faz sugerir a hipótese de ser empresa de fachada”, apontou o Relatório da Polícia Federal.
Na sexta-feira (5), o STJ finalizou o processo administrativo disciplinar contra Márcio e decretou a sua demissão. Foi o primeiro servidor demitido por envolvimento no esquema de venda de decisões liderado pelo lobista Andreson.
A investigação também identificou transferências do lobista para operadores financeiros e saques de mais de R$ 3 milhões em dinheiro vivo. A PF ainda apura se Andreson cooptou outros servidores do STJ para seu esquema.
A PF ainda descobriu uma segunda forma de atuação do lobista: além de obter minutas de decisões dos gabinetes, ele também forjava falsos despachos do STJ para tentar convencer clientes a lhe contratar. A investigação detectou que documentos vinculados ao gabinete do ministro Og Fernandes, na Operação Faroeste, foram alvos de falsificação pelo lobista para tentar extorquir um empresário.
Durante a análise dos materiais apreendidos, a Polícia Federal encontrou novos elementos de prova no notebook do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves e em uma nova extração do celular de Roberto Zampieri.
Foram descobertas a existência de minutas com decisões antecipadas de outros quatro ministros do STJ: Marco Buzzi, Antônio Carlos Ferreira, João Otávio de Noronha e Ricardo Villas Bôas Cueva. Com isso, a investigação pode ampliar seu escopo para um total de oito gabinetes, correspondente a quase um quarto da Corte, formada por 33 magistrados.
Os ministros citados disseram que não tinham conhecimento dos vazamentos e negaram favorecimento às partes defendidas pelo lobista nos processos. “Parte relevante desse material não apenas reforça hipóteses previamente estabelecidas, como também amplia o escopo investigativo, revelando conexões até então não identificadas e exigindo reorganização lógica e cronológica dos elementos já constantes dos autos investigativos”, diz o relatório da Polícia Federal.
Os documentos tinham data anterior à decisão efetivamente proferida pelos ministros e possuíam diversos trechos coincidentes. A PF produziu um relatório comparando as minutas do lobista com as decisões oficiais dos ministros:
Após apresentar essas novas descobertas ao relator do caso, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin, a PF solicitou mais 30 dias para produzir um relatório parcial resumindo as informações coletadas até o momento, apontando a responsabilidade de assessores do STJ e indicando a ampliação do escopo da investigação. Com a grande quantidade de provas já colhida, tudo indica que a Operação Sisamnes ainda terá muitos fatos a desvendar. Procurada, a defesa de Andreson não comentou os fatos investigados.
FONTE: Folha Max