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Luiz Henrique Lima
Setembro nos trouxe, além da primavera, uma novidade constitucional de grande relevância. “Pintou um clima” na nossa Constituição Cidadã.
Como assim?
Pela primeira vez, a palavra “clima” foi inserida no texto constitucional, por meio da Emenda Constitucional – EC 136, de 9 de setembro de 2025.
Com efeito, à época da eleição da Constituinte, em 1986, e de sua elaboração e promulgação em 1988, o debate acerca das mudanças climáticas globais ainda era restrito a um pequeno grupo de cientistas. Foi somente em 1988 que se criou o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC, com a finalidade de promover avaliações científicas multidisciplinares sobre o tema, seus impactos e possíveis estratégias de mitigação e adaptação. E foi no Rio de Janeiro, em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a RIO-92, que foi assinada a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, com o objetivo central de estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera em um nível que evitasse interferências perigosas no sistema climático.
“Pela primeira vez, a palavra ‘clima’ foi inserida no texto constitucional, por meio da Emenda Constitucional – EC 136, de 9 de setembro de 2025”
Assim, no seu nascedouro, embora contando com um pioneiro e excelente capítulo dedicado ao meio ambiente, nossa Constituição não tratou direta e especificamente da questão do clima, proclamando, no entanto, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (Art. 225).
A partir de tais fundamentos, importantes normas foram elaboradas, como as políticas nacionais de recursos hídricos (Lei 9.433/1997), de resíduos sólidos (Lei 12.305/2010) e de mudanças climáticas (Lei 12.187/2009), bem como o sistema nacional de unidades de conservação (Lei 9.985/2000). Com o Decreto 11.349/2023, a Mudança do Clima alcançou status ministerial, mas faltava ainda ser recepcionada na Constituição Cidadã.
A lacuna começou a ser suprida pela EC 136/2025, cujo objeto principal é a alteração do Regime Especial de Pagamento de Precatórios pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, bem como o estabelecimento de novo prazo de parcelamento especial de débitos desses entes com os seus regimes próprios de previdência social e dos Municípios com o Regime Geral de Previdência Social. A novidade é que foi inserido no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias a possibilidade de utilizar superávits financeiros de fundos públicos municipais para o financiamento de políticas públicas locais de saúde, educação e adaptação às mudanças climáticas (§2º do art. 76-B do ADCT).
Ademais o art. 5º da EC 136/2025 prevê que durante os exercícios de 2025 a 2030, até 25% (vinte e cinco por cento) do superávit financeiro das fontes de recursos vinculados dos fundos públicos do Poder Executivo da União, apurado ao final de cada exercício, poderão ser destinados a projetos estratégicos relacionados à destinação do respectivo fundo ou ao financiamento reembolsável de projetos relacionados ao enfrentamento e à mitigação da mudança do clima, à adaptação a essa mudança e aos seus efeitos, bem como à transformação ecológica.
Na gíria carioca, de onde recolhi o título deste artigo, “pintou um clima” descreve o momento em que um flerte despretensioso repentinamente oferece a oportunidade de um envolvimento mais profundo. Oxalá isso venha a ocorrer em matéria constitucional. Que a presença inaugural e ainda tímida do vocábulo “clima” na nossa Carta Maior seja o prenúncio de um engajamento e comprometimento cada vez maior de toda a nação com a proteção ambiental e a sustentabilidade.
Luiz Henrique Lima é professor e Doutor em Planejamento Ambiental (COPPE-UFRJ)
FONTE: RDNEWS