“Canetas emagrecedoras não aposentarão bariátrica”, diz médico

A popularização das “canetas emagrecedoras” provocou uma mudança significativa no cenário do tratamento da obesidade no Brasil, levando a uma redução no número de cirurgias bariátricas.

 

Em entrevista exclusiva ao MidiaNews, o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), Dr. Juliano Blanco Canavarros, confirma este fenômeno, mas faz um alerta crucial: “O que eu vejo é que houve uma redução, mas talvez essa redução seja até transitória”.

 

Costumamos banalizar a obesidade. Tudo é culpa. É preguiça dele. Não é. Infelizmente é como culpar alguém por ter um câncer.

Segundo o especialista, a euforia inicial em torno dos medicamentos de GLP-1 está dando lugar a uma realidade mais complexa e preocupante. Enquanto muitos pacientes buscam a solução rápida das canetas, o médico adverte: “Eu ainda tenho um pé atrás com esses remédios, não a curto e médio prazo. Eu tenho um pé atrás a longo prazo”, afirmou.

 

O que preocupa o experiente cirurgião são os riscos ainda desconhecidos do uso prolongado dessas substâncias modificadas: “Será que não vai ter um aumento de incidência de câncer medular de tireoide, de neoplasia neurendócrina de pâncreas? Eu fico muito preocupado”.

 

A entrevista revela ainda casos concretos de complicações em Cuiabá, incluindo um paciente em estado delicado na UTI, ligado ao uso desses medicamentos.

 

O recado do médico é claro: o combate à obesidade, doença complexa e crônica, não pode ser tratado como uma “guerra de torcidas” entre canetas e cirurgia, mas sim com indicação precisa, acompanhamento multidisciplinar e informação honesta para que o paciente escolha, junto com sua equipe, o caminho mais seguro e eficaz para a sua saúde.

 

 

Confira os principais trechos da entrevista (e o vídeo com a íntegra ao final da matéria):

 

MidiaNews – Doutor Juliano, em 2023 o senhor realizou as primeiras cirurgias robóticas bariátricas. O que avançou de lá pra cá e como que você avalia esse nível de competência comparado a outros Estados?

 

Juliano Canavarros – Eu acho que Cuiabá é até uma capital privilegiada no sentido da cirurgia robótica, porque se pegarmos outras capitais que ainda não têm essa plataforma, vamos falar assim, esse avanço tecnológico, e nós já contamos com três plataformas aqui, duas da Intuitiv, que é a Stratener, americana, e temos uma inglesa no Hospital do Câncer. Eu considero que todo avanço na saúde, desde que vem em prol do paciente, da segurança do paciente, eu acho extremamente válida. Fico muito satisfeito em já ter concluído todas as etapas de certificações da cirurgia robótica e hoje poder estar trabalhando com essa plataforma aqui na nossa capital.

 

Antes você demorava anos para conseguir um avanço tecnológico. Hoje, todo ano, por exemplo, esse ano nós tivemos em Estrasburgo, na França, o Congresso Mundial de Cirurgia Robótica. Já existiam inúmeras plataformas, muitas novidades. Tem robô hoje de cinco braços, tem robôs hoje com dispositivos anti-colisão dos braços. Hoje já tá se falando em telecirurgia robótica, por exemplo.

 

Eu fui convidado para ir a São Paulo e testar uma nova plataforma, o robô chama-se MedBolt, mas a empresa é a Microport. E eu pude sentar lá na Berrini, e nem tem hospital lá ainda, mas eu pude testar no console a realização de uma cirurgia num porquinho que estava nos Estados Unidos e eu estava no Brasil. Quer dizer, tudo isso com menos de 121 milissegundos. E sabemos que abaixo de 200 milissegundos, você quase que não percebe mais, não tem a percepção de um delay na tua visão.

 

Então, é segurança. Você imagina o quanto ganha um paciente com esse dispositivo tecnológico, como eu assisti lá. Um médico iniciando sua carreira de cirurgião robótico, ele estava dissecando um vaso, que é uma veia do rim, e no momento que ele ia pegar um plano de dissecção ruim, o preceptor dele, que estava nos Estados Unidos, apertou o botão e bloqueou a mão do cirurgião. Falou assim, ‘ó, aí tá errado, você tem que ir por aqui’. E depois liberou de novo pro cirurgião. Quer dizer, segurança, aprendizado, são muitas vantagens.

 

MidiaNews – Desde a década de 60, quando a bariátrica surgiu no Brasil, já houve enormes avanços, redução de quase zero para o risco de morte. Hoje podemos dar certeza ao paciente de que é uma cirurgia segura?

 

Juliano Canavarros – Eu sou da época que fazia corte na barriga do paciente. Pegava o paciente obeso que já é um paciente clinicamente, muito mais grave, metabolicamente falando. Às vezes ele é diabético, ele é hipertenso, ele usa inúmeros remédios de controle de colesterol, da sua hipertensão arterial. Então ele já é um paciente mais grave do que aquele paciente normal, que vai operar, por exemplo, uma hérnia inguinal, mas hoje com os avanços principalmente em decorrência das pinças hemostáticas de alta energia e em decorrência dos grampeadores Tri -Staples, ou seja, com três linhas de grampeamento trouxe muita segurança. Hoje a gente fala que uma cirurgia bariátrica ela é tão segura quanto uma ou até mais segura que uma esterectomia, por exemplo, que uma colestectomia, que recentemente você acompanhou.

 

Em São Paulo testei uma nova plataforma, o robô chama-se MedBolt, mas a empresa é a Microport. Foi a realização de uma cirurgia num porquinho que estava nos Estados Unidos e eu estava no Brasil. Tudo isso com menos de 121 milissegundos.

MidiaNews – E sobre as técnicas, há duas que são mais conhecidas, a Sleeve Bypass, mas há também a Duodeno Switch e a Mini Bypass. O senhor pode explicar rapidamente como elas são feitas?

 

Juliano Canavarros – Recentemente, neste ano, o Conselho Federal de Medicina se posicionou na resolução 2429 -2025 no intuito de normatizar. Por que o Conselho Federal normatiza? Ela coloca como uma resolução, ela normatiza aquilo que deve ser lei para o médico, deve seguir aquilo ali. Temos evidências suficientes para que essa técnica seja uma segura para ser utilizado no ser humano. As duas mais frequentes, é a Sleeve e o Bypass Gástrico, não Bypass Intestinal.

 

Essas são as duas de maior volume cirúrgico. Porque o Bypass já tem 60 anos, o Sleeve também tem muitos anos, e é uma cirurgia de menor impacto metabólico. Agora, nós temos outras técnicas que inclusive foram introduzidas, como a BTI, que é a bipartição do trânsito intestinal, é uma cirurgia que ela é genuinamente brasileira, foi um brasileiro. Professor, meu amigo, doutor Sérgio Santoro, da USP lá de São Paulo, ele que é o grande mentor dessa cirurgia, e é uma cirurgia fantástica para a correção da diabetes, é impressionante.

 

Até eu, que tenho cabelo branco, já sou um cirurgião mais velho, eu fico impressionado de ver o paciente que entra na sala de cirurgia com uma diabetes extremamente de difícil controle, usando doses altas de insulina, sai dali com a sua diabetes resolvida. Temos outras técnicas, como a OAGB, que você falou, Mini Bypass. O bypass de uma anastomose, ela tem algumas modificações anatômicas, tanto no palte gástrico, que é a bolsinha do estômago, quanto no desvio intestinal, mas é a terceira cirurgia mais realizada no mundo. Temos outra técnica também, que é a Switch Duodenal modificada, quer dizer, a Switch Duodenal ainda é autorizada, mas a modificada pode ser faz uma Switch Duodenal com uma anastomose só, que é a SAD-S. Quer dizer, são termos que os pacientes no futuro ainda vão começar a reconhecer quando falar.

 

MidiaNews – Doutor, o pós-operatório da bariátrica é muito delicado. As técnicas que evoluíram, mas o pós-operatório continua o mesmo, o que pode fazer para que esse período seja mais leve?

 

Juliano Canavarros- Muito inteligente essa pergunta sua. Por quê? Porque o pós é tão importante quanto o ato operatório. Você pode saber, o paciente que não segue o pós-operatório aumenta a chance de ter alguma complicação. E tem gente que é danada. Não adianta. Eu até brinco com isso, passa por psicólogo, passa por avaliação às vezes de um colega da psiquiatria, mas ele no pós-operatório tem tanta compulsão que às vezes ele avança o sinal. Então existe todo um protocolo que a gente estabelece, por exemplo, evolução da dieta. Você começa com uma dietazinha líquida, passa por uma cremosa, passa por uma pastosa, até que libere esse paciente para comer. Não da maneira que ele fazia antes, ele vai comer menos, mas vai ter qualidade naquilo que vai comer. E é necessário, dependendo do tipo cirúrgico, para uma suplementação maior ou uma menor.

 

 

MidiaNews – A bariátrica não é uma solução definitiva para a obesidade, porque afinal tem pacientes que engordam todo o peso novamente. Por que isso acontece e como evitar para que esse peso não volte?

 

Juliano Canavarros – Isso que você está falando é uma realidade, para uma parcela significativa dos pacientes. São os pacientes que são acompanhados por uma equipe profissional que o cerca de nutricionista, nutrólogo, psicólogo, psiquiatra, o médico de pulmão, endocrinologista. Ele tem uma chance muito maior de manter o peso a longo prazo do que o paciente que procura aquele médico que faz o seu procedimento e não vê mais. Ele tem grande chance de recuperar. Nós estamos falando de uma doença que é crônica, insidiosa, progressiva de prevalência crescente. Ou seja, é uma doença crônica. É assim como a cirurgia da diabetes, o paciente tem uma remissão daquela diabetes, mas se ele não cuida, vagarosamente a doença vai tentar voltar e atacá-lo novamente.

 

Eu conheço paciente que injetou na barriga e fez uma alergia. Eu conheço pacientes que tiveram pancreatite, pacientes que queixaram de um certo déficit visual após o uso desses análogos

MidiaNews- E qual é, na sua avaliação, o maior desafio atualmente que a cirurgia bariátrica vem enfrentando no Brasil?

 

Juliano Canavarros – No privado eu vejo muito o pessoal falar, agora com essas novas medicações, os análogos de LP1, de GIPE. Por exemplo, o CEO do Mounjaro, da Canetinha, falou na revista Veja que nós vamos aposentar a cirurgia bariátrica. Isso não funciona, é até desonesto ele falar isso com a população, existe uma quantidade de pacientes muito graves e esses pacientes não são feitos para você tratar única e exclusivamente com uma canetinha que ainda é cara. É um custo alto.

 

Então, eu tô vendo o nosso prefeito falar de distribuir Mounjaro na saúde pública, ok. Louvável, desde que esteja o médico endocrinologista acompanhando essa entrega desse medicamento. De outra forma, eu acho que pode ser um tiro na água, não vai ter uma eficácia esperada. Agora, no serviço público, realmente a gente precisa ampliar, porque hoje só 10% das cirurgias bariátricas são feitas em pessoas carentes.

 

E a pessoa carente é aquela que não tem uma proteína na mesa para comer, não tem uma salada pra comer, ele faz uso de muito carboidrato. Então, às vezes ele tá pesadão por um erro alimentar que vem do meio que ele vive, às vezes, ele está com uma limitação severa. Eu vejo pessoas que não conseguem sair da cama. Eu vejo gente que só anda de cadeira de rodas. Aí você fala assim, ‘é culpa dele, porque se ele comesse direito’. Não é isso.

 

Recentemente, a Inglaterra publicou no England Public Health, uma publicação bastante interessante que ela mapeou todas as causas para levar o indivíduo a ser obeso. É muito complexo. Varia até com o ambiente que ele é inserido, com a oferta de comida, a atividade física, uso de remédios. Costumamos banalizar a obesidade. Tudo é culpa. É preguiça dele. Não é. Infelizmente é como culpar alguém por ter um câncer. É como culpar alguém por ser diabético. Ele tem uma doença. Hoje a gente sabe que obesidade é uma doença. E às vezes é a doença que a partir dela gera todas as outras. Apneia do sono, artrite.

 

 

MidiaNews- Realmente tem muita gente falando que as bariátricas vão reduzir, podem até parar de existir. Como o senhor avalia esse mercado das canetas? Eles vieram para somar, para ajudar nos graus de obesidade?

 

Juliano Canavarros – Já reduziu e na minha opinião ajuda muito. Porque existem muitos trabalhos que mostram que essas medicações podem ser extremamente úteis nos casos que o paciente que era grave, operou e está voltando a ter uma recidiva (ressurgimento) de peso, você faz o medicamento. Ou o paciente que operou, mas não teve uma perda de peso suficiente, você pode ajudá-lo a atingir o seu objetivo de perda de peso. E tem o paciente que não quer operar, que não é tão grave, né, que nem eu falei. Então o paciente que fala assim, ‘poxa, mas eu vou fazer uma cirurgia, aqui tem um remédio’.

 

Mas eu ainda tenho um pé atrás, com esses remédios, não a curto e médio prazo. Eu tenho um pé atrás a longo prazo. Porque imagina, eu pego uma molécula de GLP -1, que é um peptídeo intestinal, um hormônio produzido por uma célula enterendócrina e eu mudo a ponta dela que eu adiciono um aminoácido que sequer existe no seu corpo ali, quer dizer, eu faço modificações e mutações numa molécula e insiro no seu corpo, para dar estabilidade, para funcionar durante uma semana.

 

Eu não tenho a segurança, eu acho até desonesto falar para o paciente que, por exemplo, todos os trabalhos falam até 72 semanas, mas e em 5 anos, a pessoa usando um remédio desse, será que não vai ter um aumento de incidência de câncer medular de tireoide, de neoplasia neurendócrina de pâncreas? Eu fico muito preocupado. Eu ainda precisava ter mais trabalho que subsidiassem essa questão de longo prazo de utilização desses remédios.

 

 

MidiaNews – Então o senhor não prescreve para os seus pacientes?

 

Juliano Canavarros – Prescrevo. Eu prescrevo para períodos curtos, como eu tô lhe falando. Mas esse chegar de prescrever para o paciente, usar o resto da vida, e eu ainda sou um pouco reticente nesse sentido.

 

MidiaNews – E tem a mesma característica do pós-operatório da bariátrica, se depois que você para de usar a caneta, você não seguir uma uma dieta saudável, você tende a ganhar esses quilos novamente?

 

Juliano Canavarros – Eu acho que é pior, porque hoje o método de escolha mais duradouro, mais custo efetivo para tratamento da obesidade grave, obesidade grau 3, por exemplo, é a cirurgia. Isso é indiscutível. Todos os trabalhos mostram isso. Agora, o medicamento infelizmente tem trabalhos como o Surmount. É um acompanhamento de utilização dessas canetinhas. Mostra que na tirzepatida, por exemplo, aquele ponto que você retira a utilização dela, o paciente volta a ganhar o peso. Então, isso infelizmente é uma realidade, a necessidade de ser uso crônico e usar de maneira crônica uma medicação que ainda é cara. Os trabalhos de custo-efetividade, isso é bom para o gestor SUS, que a gente falou aqui, o gestor do município. É bom ele saber que ele poderia estar estimulando, em casos mais graves, a cirurgia no município dele e não sair distribuindo remédios.

 

MidiaNews- Você falou que houve uma redução do número de obesidade por conta das canetas emagrecedoras. Como está isso em Mato Grosso? 

 

Juliano Canavarros – O que eu vejo é que houve uma redução, mas eu acho que essa redução talvez seja até transitória. Por quê? Porque eu conheço paciente que injetou na barriga e fez uma alergia. Eu conheço pacientes que tiveram pancreatite. Eu conheço pacientes que queixaram de um certo déficit visual após o uso desses análogos. E temos um paciente hoje em Cuiabá que ele está em UTI numa situação bem delicada após o uso desses medicamentos. Mas são coisas que ainda vocês não chegaram lá.

 

Na hora que vocês chegarem e identificarem isso, tenho certeza que o paciente vai ajudar o paciente a fazer um julgamento, mas sem paixões. Não é que nem time. ‘Não, eu sou da caneta. Não, eu sou da cirurgia’. Não, ele vai saber qual é o melhor, junto com a equipe dele, ele vai tentar passar para ele qual que é o melhor caminho para o tratamento dessa doença, tão difícil o tratamento com aterroresidade. Cada um tem uma indicação, isso talvez seja a chave da questão. É você saber indicar. Você tem que estudar o paciente previamente pra você saber a melhor cirurgia aplicada àquele paciente.

 

 

MidiaNews – O Conselho Federal de Medicina ampliou os critérios para a realização da cirurgia bariátrica. Agora pacientes com a obesidade grau 1 e que apresentam comorbidades poderão ter acesso à cirurgia, inclusive adolescentes a partir de 14 anos. Para o senhor, foi uma medida assertiva?

 

É até desonesto falar isso para a população, existe uma quantidade de pacientes muito graves e eles não são feitos para você tratar única e exclusivamente com uma canetinha que ainda é cara

Juliano Canavarros –  Assertiva, eu concordo 100% com essa medida, apesar de ver críticas, às vezes, de pessoas que não têm toda a informação para criticar. Por que eu estou dizendo isso? É outra forma de preconceito. A gente acha que o paciente que tá doente, com a obesidade, é só aquele grandão que você olha e fala, ‘aquele cara ali deve estar doente’. E não é assim.

 

Hoje os critérios para você dizer se uma pessoa tem uma obesidade grave não é só pelo IMC da pessoa, o Índice de Massa Corporal. Às vezes a pessoa tá com o IMC menor, mas ele tá muito mais grave metabolicamente, é o que eu tô te falando. Você pega uma pessoa que nem é tão obesa. Ele é diabético, ele já está evoluindo para uma fibrosa hepática pela gordura que está depositada no fígado. Ele já tem uma série de limitações, já tem apneia do sono, como eu falei. Ele já tem doenças que o outro não tem. Às vezes você pega um paciente que já está grandão, mas é um paciente que ainda está bem, a gente até brinca, é um gordinho saudável.

 

MidiaNews – É seguro fazer uma bariátrica tendo 14 anos, sendo adolescente?

 

Juliano Canavarros –  Hoje se a população começar a interagir, ver os congressos que mostram cirurgias em países como Arábia Saudita. A primeira vez que eu vi eu fiquei escandalizado, mas não é possível. Depois eu fui entender por quê. Espanha, Arábia Saudita, as pessoas fazem cirurgia em crianças de 8 anos. Aí você fala, ‘8 anos? Meu Deus do céu’. Mas aqui no Brasil era só partir de 18 ou no máximo 16 anos com autorização do pediatra. Eles mostram porque se você deixa essa criança que tem um IMC de 50 com 8 anos, aí, mais para frente, ela tá abreviando a vida dela.

 

Eu vi crianças que não tinham osso bem formado e pelo excesso de peso ficar com aquelas pernas em alicates. Começa a ficar deficiente físico mesmo. Desde que tem uma equipe ultra especializada, vamos falar assim, pediatra, o pessoal que está acompanhando aquela criança e vê a importância de reduzir peso para dar qualidade de vida, é válido. Senão você vai fazer essa criança sofrer bullying na escola, a criança vai estar talvez perdendo a melhor fase da vida dela, de criança.

 

MidiaNews – E a propósito, a cirurgia bariátrica pode ser refeita?

 

Juliano Canavarros – Pode sim. Depende muito de caso a caso. O caso deve ser avaliado individualmente. Por exemplo, eu tenho recente uma paciente que ela fez uma cirurgia tipo Sleeve, foi na Bolívia para fazer essa cirurgia. Ela voltou, e o Sleeve infelizmente era muito defeituoso. Não era aquele Sleeve que a gente aprende nos congressos, que tecnicamente como deve ser. Então nesses casos você vê, o procedimento talvez não pudesse nem ser chamado de Sleeve. Era um procedimento de uma gastrectomia parcial. Você é obrigado a reintervir pra corrigir aquele problema.

 

Outras vezes, você faz um Sleeve, o paciente tá com um refluxo intratável, você pode converter no Bypass. Outras vezes, o paciente faz um Bypass e é uma paciente jovem, tá numa idade menstrual, ficou com anemia, não tá conseguindo se tratar direito dessa anemia, você pode reverter. O bypass é uma cirurgia reversível. Agora, as outras cirurgias, como o OAGB, como a SAD-S, elas já são cirurgias mais potentes metabolicamente, você tem que ter um cuidado muito delicado para aplicar essas cirurgias porque são daqueles pacientes mais graves, de obesidade mais grave.  

 

 

MidiaNews – E no caso quem fez a bariátrica a primeira vez, porém recuperou todo o peso que perdeu novamente, esse paciente pode fazer de novo?

 

Juliano Canavarros – Recentemente eu operei uma senhora que ela tinha sido operada em Tangará da Serra, e a trompa das mulheres às vezes você separa a trompa para ela não ter mais filho e a natureza faz ela religar. O mesmo pode acontecer com o estômago. E o que aconteceu com o estômago dela? O colega que operou o estômago estava certo e o paute gástrico veio e aderiu ao paute e fez uma comunicação. Ela tinha uma fístula gastrogástica tardia e voltou a ganhar peso. Precisamos reintervir para separar novamente.

Os algoritmos de inteligência artificial já chegam ao ponto de falar, de traçar um trajeto por cima da cirurgia, falando pro cirurgião, ‘é por aqui, é por ali’

 

MidiaNews – E quantas cirurgias bariátricas o senhor faz por mês?

 

Juliano Canavarros – Já tive época de fazer mais de 40, mas aí a idade chega, né? Você quer ir mais devagar. Hoje em dia, eu faço uma média de 20 cirurgias, 5 numa semana, para mim já é o suficiente. 

 

MidiaNews – Na prática, para o paciente, qual é a maior diferença entre uma cirurgia robótica para uma cirurgia comum? É a recuperação, a dor, o tamanho da cicatriz?

 

Juliano Canavarros – Eu acredito que ainda para a bariátrica, salvo nos pacientes extremamente obesos, o médico ele, vamos dizer assim, às vezes opera de maneira desconfortável pelo tamanho do paciente. A robótica ajuda muito nesse sentido. Mas assim, no dia a dia, a robótica especificamente para a cirurgia da obesidade, que me desculpe os cirurgiões robóticos, pelo que eu vou falar aqui, mas eu ainda não vi assim grandes vantagens.

 

Diferente de uma cirurgia de parede abdominal, uma cirurgia e espaços muito fechados. Recentemente nós fizemos uma cirurgia robótica numa senhora que ela estava com o estômago totalmente aderido dentro do mediastino, ou seja, atrás do estômago. Então ali, se não fosse o robô, eu não conseguiria entrar com segurança para dissecar pericárdio, pleura. São espaços extremamente sensíveis e que o paciente poderia até correr um risco.

 

MidiaNews – Existe alguma desvantagem na cirurgia robótica? Ela é mais cara para o paciente? Ela é para todos os tipos de pacientes? Tem pacientes que não são indicados para fazê-la?

 

Juliano Canavarros- Ela é mais cara infelizmente. Não, é para todos os tipos. Tem paciente que ele é tão grave metabolicamente falando que ele precisa de uma cirurgia às vezes mais rápida, mais celere e o robô tem alguns passo a passo. Você precisa de um tempo de docagem, mas hoje esse tempo de docagem caiu muito. Docagem é você pegar o robô e implantar o robô no paciente. A partir desse momento o cirurgião assume no console. A questão de custo também é um freio absurdo para o paciente. Qual é o paciente que já está pagando o plano de saúde e tem que arcar com o custo de uma sala só para utilizar o robô? Em média aqui em Mato Grosso é 12, 14 mil reais. Então só para utilizar a plataforma é muito caro.

 

MidiaNews – E para o cidadão comum de Cuiabá ou de qualquer cidade do interior, quando a cirurgia robótica vai estar mais acessível no SUS e por convênio?

 

Juliano Canavarros – Olha, recentemente eu li que houve uma manifestação, acho que no Conitec, foi um órgão desses de saúde que regulam a saúde em nível nacional. Eles já inseriram a prostatectomia, que é a cirurgia mais realizada por robô. A urologia tem o nível mais alto de cirurgias realizadas. Por quê? Porque trabalha na pele, um espaço pequenininho, o robô é ótimo pra isso. Eles já inseriram no sistema público a possibilidade, a obrigatoriedade de ser feito pelo SUS. Esse é muito legal. Agora a bariátrica ainda não tem nenhum movimento nesse sentido, mas a gente vai tentar pegar esse caminho que o pessoal da urologia conseguiu e cobrar dos nossos representantes a aprovação.

 

 

MidiaNews – Doutor, para onde caminha a cirurgia robótica? Você vislumbra em um futuro próximo à integração com a inteligência artificial?

 

Juliano Canavarros – Por incrível que pareça, já tem. A gente vai chegar ao ponto que a inteligência artificial ainda está ajudando o cirurgião. Eu até falo isso para filhos que fazem medicina. Eles têm que ter a plena consciência de usar a evolução tecnológica em prol da profissão e do auxílio ao paciente. Por quê? Porque a gente tá vendo que os algoritmos de inteligência artificial já chegam ao ponto de falar, de traçar um trajeto por cima da cirurgia, falando para o cirurgião, ‘é por aqui, é por ali,’. Então ela já tá assim muito participativa. Para você ter uma ideia, eu faço uma cirurgia robótica, eu terminei a cirurgia, desliguei o robô, não leva cinco minutos, é o trajeto que eu tô fazendo do hospital.

 

Eu chego na minha casa, eu tenho um programa, My Intuitive, eu abro ali aquele programa e falo assim, ‘ó, parabéns, você evoluiu na sua cirurgia, você fez a sua cirurgia em menos tempo’ e compara você com os top 10 do mundo. Quer dizer, é um absurdo. Por isso tem muita gente que tem pânico de operar com robô, porque ele vai ser avaliado. Ele vai ser auditado. Ele não vai ser um cirurgião que vai operar, fechar a barriga e falar, ninguém me viu, então é o que eu fiz ali. Na verdade, ele vai ser auditado e avaliado a cada procedimento dele.

 

MidiaNews – E o que o senhor espera do futuro das cirurgias robóticas e das bariátricas? 

 

Juliano Canavarros – Pela cirurgia robótica, eu espero um avanço cada vez mais e um barateamento, porque a medida que entrarem novas plataformas, o preço tende a reduzir. E se o preço reduz, aumenta a oportunidade de nossos gestores públicos colocarem para o cidadão que não tem condições de fazer pelo sistema robótico, porque é muito injusto. Eu vejo ainda, nos dias de hoje, serviços no Brasil fazendo cirurgia com corte. Coisa que, sabe, é impensável. No sistema privado não existe mais isso. É assim, não tem porque tá fazendo com o paciente, abrindo a barriga do paciente. E no SUS, porque ele não tem condições, ele vai ser submetido a uma cirurgia que é mais arriscada, mais traumática. É muito chato. Acho até injusto, então baratear para que todos tenham acesso. Esse é o objetivo da gente.

 

Assista a entrevista completa:

 

FONTE: MIDIA NEWS

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