Dois policiais prestaram depoimento no caso da mulher que denunciou ter sido estuprada por um militar em um posto do Batalhão da Polícia Rodoviária (BPRv) no Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife. Nas oitivas, eles confirmaram que viram a denunciante saindo de dentro do local seguida pelo suspeito, logo após ela ter sido parada numa blitz.
O crime, de acordo com a denunciante, que tem 48 anos, aconteceu na noite da sexta-feira (10). A mulher estava com uma amiga e duas filhas adolescentes no carro, quando foi abordada pelos PMs. Havia três agentes na blitz, e um deles, segundo ela, a levou para dentro do posto e obrigou que ela fizesse sexo oral nele.
O g1 teve acesso ao inquérito policial militar instaurado para apurar o caso. Na terça-feira (14), dois dos três policiais que estavam no posto, sendo um soldado e um sargento, compareceram ao procedimento de reconhecimento dos suspeitos. Nenhum dos dois foi reconhecido pela mulher como o criminoso.
Em seus depoimentos, os policiais confirmaram que viram a mulher saindo de dentro do posto policial seguida por um terceiro PM, que é um sargento. Ele também foi apontado como suspeito, mas não foi ouvido, nem participou do procedimento de reconhecimento, pois apresentou um atestado médico de dor na coluna.
No inquérito, o advogado que o representa alegou que ele sofreu um acidente de moto que lhe causou uma lesão na coluna e ocasionou afastamento das atividades por três dias (veja mais abaixo o que diz a defesa dele).
Também na terça-feira, prestou depoimento a amiga que estava com a mulher no momento da abordagem. Ela disse que a denunciante passou muito tempo no posto e uma das adolescentes no carro chegou a dormir enquanto a mãe estava no local.
A amiga também afirmou que, após a abordagem, a mulher estava “muito nervosa e só queira sair dali, dizendo que era muita humilhação passar por aquilo”, e que durante o trajeto até a casa de praia a denunciante repetiu diversas vezes “que era muita humilhação passar por aquilo”.
Depoimentos dos policiais
O posto policial fica na PE-60, e a mulher dirigia em direção à Praia de Gaibu quando passou em frente à unidade. Os dois policiais que prestaram depoimento contaram que a mulher foi parada e que um dos sargentos, o que faltou à oitiva, recebeu a documentação dela.
Ambos dizem que não viram o momento em que a mulher entrou no posto, mas que a viram saindo do local e que, em seguida, também saiu o sargento suspeito.
Um dos PMs ouvidos não soube precisar quanto tempo a mulher e policial passaram no posto, e o outro disse que o tempo foi suficiente para que eles conseguissem abordar três veículos que passaram na pista.
Ao g1, a mulher havia dito, na segunda-feira (13), que após o crime, o agressor entregou uma toalha para que ela se limpasse, e que mandou que ela tomasse dois copos d’água. “Pegue água para tirar a gala da boca”, disse o policial agressor, segundo a denunciante.
Em seus depoimentos, os dois PMs ouvidos confirmaram que a mulher segurava um copo d’água no momento em que saiu do posto policial. Por fim, os dois PMs também disseram que o sargento não falou nada a respeito da abordagem, e apenas fez comentários sobre o cumprimento do quarto de hora.
Ambos afirmaram, ainda, que não é comum a entrada de civis no posto policial. Um deles disse que há uma determinação do comandante da unidade proibindo a entrada de pessoas não autorizadas, e que não-policiais só entram no local para usar o banheiro, mas que isso não é comum.
Reconhecimento do suspeito e investigação

A denunciante foi à Delegacia de Polícia Judiciária Militar (DPJM), que fica no quartel do Comando Geral da Polícia Militar, para fazer o reconhecimento presencial dos agentes, mas um dos suspeitos faltou. Segundo ela, o reconhecimento por fotos já havia sido feito na Delegacia da Mulher do Cabo, onde registrou um boletim de ocorrência.
Nesta quarta-feira (15), em entrevista ao g1, o secretário de Defesa Social Alessandro Carvalho disse que não sabia o reconhecimento através das fotografias, mas que o procedimento presencial seguiu o rito previsto em lei e está sendo conduzido pela Corregedoria da Secretaria. Segundo ele, o reconhecimento por fotografia não é aceito pelos tribunais e pode ser considerado nulo.
“O reconhecimento tem um rito, estipulado pelo Código de Processo Penal, que inclui colocar o suspeito ao lado de outras pessoas com a fisionomia semelhante, com o biotipo e a idade semelhante, para que a vítima reconheça aquela pessoa”, detalhou.
Sobre o policial que não compareceu ao reconhecimento, Alessandro Carvalho afirmou que não há como obrigá-lo a se apresentar. Segundo o secretário, o atestado médico apresentado tem validade de três dias, e por isso o reconhecimento foi remarcado para a sexta-feira (17).
“Eu só posso fazer o que a lei me permite. […] Esse, que deve ser o autor do fato, mandou um advogado com o atestado médico. O atestado médico permite que o policial não cumpra a determinação de se apresentar. Eu não tenho a ordem de prisão, não tenho como cercear o ir e vir, a liberdade dele, ainda mais porque ele se encontra coberto por um atestado médico”, explicou.
Além do reconhecimento, a investigação inclui perícia nas roupas da vítima e no local do crime. “Logo após a polícia ser cientificada do fato e a primeira oitiva ser feita, foi solicitada que ela apresentasse as roupas que estava utilizando no dia em que o crime foi cometido. Essas roupas foram recolhidas pela perícia para buscar se há algum material biológico do suspeito nas roupas dela”, afirmou.
Segundo Carvalho, também foi feita perícia no posto policial. “O posto foi isolado e uma equipe de peritos foi ao local para saber qual foi o ambiente, dentro do posto, que o crime foi cometido para procurar também se ficou sêmen em algum ambiente, um móvel, no chão, em algum pano, já que ela diz que se enxugou com uma toalha”, disse.
Segundo a advogada da mulher, Maria Júlia Leonel, os dois PMs que prestaram depoimento se negaram a fornecer material genético para a produção de provas. Ela questionou o fato de o reconhecimento ter sido realizado no Quartel General da PM, e não na Delegacia da Mulher, onde há uma equipe especializada para fazer esse tipo de atendimento.
Ainda de acordo com Maria Júlia Leonel, a mulher se sentiu constrangida durante o procedimento. Anteriormente, o secretário estadual de Defesa Social, Alessandro Carvalho, pediu desculpas à mulher que denunciou o estupro e disse que os PMs que estavam no posto foram afastados das ruas.
Defesa
Por meio de nota, a Central de Apoio aos Policiais Militares Associados (BrajuPM), que defende dois dos policiais que estavam de plantão no momento da blitz, afirmou que “a denunciante não reconheceu nenhuma das pessoas apresentadas no procedimento em curso”, o que não inclui o policial que apresentou atestado médico, um dos representados pela instituição.
Disse, também, que “o inquérito policial deve guardar o necessário sigilo para garantir a eficácia das apurações, resguardar provas, a intimidade da vítima e o direito de defesa dos investigados, conforme determina o Art. 20 do Código de Processo Penal”.
Por fim, a BrajuPM disse que “seguirá acompanhando as investigações, agindo ativamente contra qualquer desrespeito ou tentativa sórdida de difamar, garantindo que os direitos e a imagem dos policiais militares sejam resguardados dentro dos limites da lei”.
O que diz o governo
Por meio de nota, a Secretaria de Defesa Social (SDS) lamentou o fato e disse que instaurou Investigação Preliminar (IP) para apurar a conduta do ponto de vista ético-disciplinar, de forma paralela à investigação criminal conduzida pela Polícia Civil.
“Todas as medidas cabíveis serão adotadas com o devido rigor, assegurando a responsabilização, caso as denúncias sejam confirmadas”, informou a SDS.
FONTE: Folha Max