O nosso conhecimento não vem necessariamente de fora, mas ele já se encontra de certo modo em nós, na nossa alma, ali reminiscente, já nasceu conosco. É uma questão, portanto, de redescobri-lo, reencontrá-lo em nós mesmos. E aí nós vamos achando no interior da nossa alma aquilo que é a verdade das coisas. O filósofo Clóvis de Barros, que é formado em Jornalismo e Direito, mestre em Ciência política e doutor em Ciências da Comunicação, exemplifica essa crença citando o diálogo de Platão, em que Sócrates conversa com um escravo de Menon, um jovem, que consegue responder com inteligência todos os questionamentos do filósofo. O iletrado escravo de Menon, demonstra inclusive por conta própria, o teorema de Pitágoras. Então, nesse sentido, a teoria da reminiscência mostra que tenho inteligência para entender o que se espera de mim e tenho liberdade para viver ou não em direção a esse propósito, porque o que preciso para aprender está dentro de mim.
“Algo deve ser o ponto de sustentação da vida que queremos eternizar. Não devemos viver somente na superfície, buscando crescimento profissional e dinheiro”
O filósofo Clóvis de Barros, esteve em Cuiabá há uma semana e num encontro rápido, devido as recomendações de seus médicos para evitar contato próximo com pessoas, devido a sua condição de saúde, (há dois anos foi diagnosticado com ‘Doença de Behçet’, rara e incurável) pude dizer-lhe que sou assinante dos seus canais e recebo diariamente, as 6 horas manhã, suas reflexões matinais e que muitas vezes, a mensagem vem como uma ‘pedrada’ e destrói minha habitual arrogância de pensar que muito sei. Sorrindo, ele me disse: esse é meu objetivo: ‘criar nas pessoas condições psicológicas para enfrentar suas realidades entristecedoras’.
Algo deve ser o ponto de sustentação da vida que queremos eternizar. Não devemos viver somente na superfície, buscando crescimento profissional e dinheiro; sofrer, cair é parte inevitável da existência; aí, a filosofia de Clóvis de Barros vira conselho: “atribua valor a sua existência porque a vida não tem valor em si, quem dá valor é você; arrisque mais, tenha encontros tristes, sofra queda de potência; deixa que a sabedoria respingue em todos os momentos da vida; alinha a sua vida ao que você é; não se torne escravo das circunstâncias, mesmo que o que você é não pague todas as contas”. Enfático finalizou. ‘Eu escolhi ser professor, muitos escolheram ser poderosos senadores. Sou hoje, o professor dos senadores’. Ligeiramente arrogante, potente, sábio e profundo, com o estilo direto que o caracteriza.
Na palestra ele centrou na nossa pequenez, na insignificância que representamos diante do universo todo e ao mesmo tempo na graça que recebemos por fazermos parte do todo, que se deteriora e depois se reorganiza e o pouco que éramos minutos atrás, se reconstitui em outro lugar, em outro corpo, em outro todo. De repente, Clóvis ergueu a voz e se perguntou:
“Eu sou do tamanho de um grão de areia? Não, menos, respondeu.
Por que tenho valor se sou tão pequeno? Porque você é uma parte do todo”.
Alertou sobre a imprevisibilidade da vida, a finitude, razão pela qual, não devemos fugir da realidade, não devemos ficar aterrorizados pela perda da nossa potência, da nossa significância; devemos entender as adversidades, passar de um estágio de vida para outro com mais alegria e distantes das coisas que nos aprisionam e apequenam. Falou da vocação humana para a alegria, que é nosso estágio mais potente. A alegria deve ser repetida, buscada em todas as coisas porque passar da alegria para o medo e tristeza é a pior equação possível. A tristeza das pessoas tem como causa a alegria que o triste vê no outro e entristecedores de plantão, estão em toda parte tentando nos derrubar.
Ao falar sutilmente sobre sua condição de saúde, ao contrário do senso comum, que fala de resiliência como um sentimento de aceitação diante do fracasso, Clóvis de Barros exibiu a sua resiliência como sinal de resistência e dignidade diante do ato de apanhar e ter forças para seguir em frente, se comprometendo com o que faz sentido e com a mania de colocar a esperança na frente do temor e do medo.
Olga Lustosa é socióloga e cerimonialista pública. Escreve com exclusividade para esta coluna aos domingos. E-mail: olgaborgeslustosa@gmail.com
FONTE: RDNEWS