“As escolas são um grande termômetro de leitura sobre a violência contra crianças e adolescentes. Se capacitarmos os professores, podemos identificar os casos de risco desde o início e, a partir dessas informações, o Estado pode agir de forma preventiva ou precoce.” A declaração do conselheiro do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT) e presidente da Comissão Permanente de Segurança Pública, Waldir Júlio Teis, resume o propósito do Seminário de Políticas Públicas de Enfrentamento à Violência Contra Crianças e Adolescentes, realizado nesta quarta-feira (22), no auditório da Escola Superior de Contas.
Promovido pelo TCE-MT, o evento reuniu especialistas de diferentes áreas e representantes de órgãos responsáveis pela proteção infantojuvenil, com o objetivo de debater estratégias, políticas públicas e formas de atuação conjunta para reduzir os índices de violência. Ao longo do dia, foram realizadas 12 palestras com temas voltados à prevenção, acolhimento, saúde mental, legislação e financiamento de ações de proteção.
Após a solenidade de abertura, a programação foi aberta pela palestra magna do coordenador nacional do Levantamento sobre a Violência Infantil – Infância Segura e auditor de controle externo do Tribunal de Contas de Rondônia (TCE-RO), Bruno Botelho Piana, que apresentou um panorama nacional sobre violência contra crianças e adolescentes nos últimos cinco anos.
O levantamento é uma iniciativa da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e visa coletar informações sobre as ações e políticas públicas desenvolvidas pelos entes do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e Adolescente (SGDCA). Além do TCE-MT, outros 19 tribunais de conta participaram da fiscalização.
Os resultados foram divididos entre os eixos Governança, Prevenção, Enfrentamento e rede de acolhimento e Dados e estatísticas. Dentre os dados coletados, o palestrante destacou resultados alarmantes. “Em 2023, uma criança foi espancada a cada 28 minutos no Brasil e em 2024 houve o maior número de estupros e estupros de vulneráveis da história do país, com 87.545 vítimas”, declarou.
Já o panorama sobre violência contra crianças e adolescentes em Mato Grosso foi apresentado pelo auditor público externo do TCE-MT Marcelo Pereira da Silva, na palestra seguinte. “O foco do levantamento do TCE-MT foi a articulação entre os diferentes níveis de governo. A União tem a responsabilidade de criar as normas e estabelecer os critérios, estabelecendo um caminho. Já o governo estadual, coordena e orienta os municípios nesta trilha, e aos municípios cabe implementar as políticas públicas e serviços que chegam aos cidadãos.”
O estudo mostrou fragilidades em todas as esferas. De acordo com Marcelo, a ausência de alinhamento nacional provoca dificuldade na articulação e integração das políticas públicas. “Por consequência, a fragilidade na missão do Governo Estadual em coordenar os municípios faz com que o Estado seja enfraquecido e não consiga combater a violência infantil, como um efeito cascata.”
A terceira palestra da manhã tratou da contribuição do Ministério Público para a efetiva defesa e proteção das crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, conforme a Lei nº 13.431/2017 e Lei nº 14.544/2022 (Lei Henry Borel), destacando a atuação do órgão na fiscalização em relação à implementação de políticas públicas no combate à violência contra crianças e adolescentes.
Ministrada pelo promotor de Justiça Nilton Cesar Padovan, que também é coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério Público do Estado de Mato Grosso em Sinop, a apresentação destacou as legislações vigentes. “A Lei nº 13.431/2017 define diversas formas de violência, como física, psicológica, sexual e institucional, praticada pelas instituições públicas ou conveniadas.” Além dessas, há a violência patrimonial, que consiste na retenção, subtração ou destruição dos documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos da vítima.
O promotor de justiça tratou ainda das oito novas atribuições estabelecidas ao Conselho Tutelar pela Lei Henry Borel. Dentre elas, destacou que o agente passa a atuar na responsabilização do agressor e na representação de autoridade para requerer seu afastamento do lar, deixando de ser responsável somente pela proteção da criança.
A programação seguiu no período vespertino, iniciada pela palestra “Os maiores desafios enfrentados na atualidade pelos Conselheiros Tutelares e Conselhos Tutelares no enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes”, ministrada pelo coordenador do 6º Conselho Tutelar do Bairro Planalto de Cuiabá, Dênis Marcelo Silva, e pelo presidente da Associação dos Conselheiros Tutelares de Mato Grosso (ACTMT), Nelson de Faria.
Dênis Silva destacou a função fundamental do órgão de proteção. “É muito importante pontuar que o Conselho Tutelar não executa serviços, somente requisita serviços a outros órgãos que possam atender a demanda da criança e do adolescente.” Para ele, os maiores desafios do setor estão relacionados à estrutura física, falta de capacitação continuada dos profissionais e articulação com a rede SGD (Sistema de Garantia de Direitos).
Já Nelson de Faria salientou a realidade em Mato Grosso. “Nos 142 municípios do estado, são155 Conselhos Tutelares. Nestes, somente 77% dos conselheiros conseguem utilizar o Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (SIPIA). Os que não o aplicam, é por falta de estrutura no município”, destacou. Ele mencionou ainda a baixa remuneração dos conselheiros, em torno de um salário-mínimo.
A psicóloga Célia Nahas, coordenadora-geral de Enfrentamento às Violências na Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA) do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) tratou sobre “Os programas de auxílio financeiro e proteção às crianças e adolescentes disponibilizados pela União aos estados e municípios no combate à violência contra crianças e adolescentes”.
Célia explicou que nem sempre o financiamento de uma política pública acontece por meio de uma transferência direta de recurso. “É importante ter em mente que a política de proteção à criança e ao adolescente é transversal por natureza, então seu orçamento é identificado nas diversas políticas que atendem a esse público, como saúde, assistência social, educação e segurança.”
Logo após, o advogado Hebert Chimicatti abordou como os estados e municípios podem acessar recursos internacionais para o combate à violência contra crianças e adolescentes. “Pelo menos 10 fundos estrangeiros congregam cerca de R$ 5 milhões por projeto para captação de municípios brasileiros, a maioria desconhecidos por quem atua com crianças e adolescentes e convive com a escassez de recurso”, disse.
Hebert esclareceu os caminhos possíveis. “Sobre os fundos internacionais, não há complexidade alguma. Os editais são abertos, os requisitos estão explícitos. O que orientamos é, primeiro, uma captação de demandas e depois uma adaptação delas para os recursos disponíveis e estruturar um projeto executivo bem alinhado.”
Já o presidente do Conselho Estadual de Direitos das Crianças e Adolescentes (CEDCA), Iberê Ferreira da Silva Júnior, tratou sobre os “Avanços obtidos com a Carta Compromisso para o Enfrentamento à Violência Contra Crianças e Adolescentes no Estado de Mato Grosso”. O trato foi firmado pelo governo do Estado em 2023.
Entre as movimentações desenvolvidas pelas secretarias estaduais nos dois anos do acordo, Iberê Silva destacou as atividades da Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania (SETASC), como a Campanha Maio Laranja e a qualificação dos profissionais e da Secretaria de Educação Estadual (SEDUC), como a adesão de 59% das escolas às ações de prevenção à violência.
Para o conselheiro de direito, essas práticas de enfrentamento dependem da destinação correta dos recursos pelos gestores públicos. “Enquanto não envolvermos as instituições que fiscalizam a destinação e execução dos recursos, continuaremos com esses números preocupantes de violência contra as crianças e adolescentes”, defendeu.
Em seguida, a líder do Núcleo de Mediação Escolar da SEDUC-MT, Patrícia Carvalho, ministrou a palestra “Para além dos muros: O diálogo que protege e transforma as escolas em Mato Grosso”, destacando a participação do contexto escolar no enfrentamento à violência e defesa dos direitos humanos.
“O ambiente escolar recebe as mais diversas interações de afeto, acolhimento e, infelizmente, também de violência, porque faz parte do contexto social. Dentro dessa perspectiva, a Seduc vem trabalhando pelo fortalecimento do diálogo, superando a ideia de que a escola se limita ao espaço físico, envolvendo as famílias e a comunidade e criando pontes entre a instituição e a sociedade”, disse Patrícia.
Na palestra “Atenção à Saúde Mental na Primeira Infância e Adolescência como Estratégia de Prevenção e Superação da Violência com o uso da Telessaúde”, a psicóloga Valéria da Costa Marque Vuolo apresentou de que forma o acompanhamento psicológico remoto, por meio do projeto Conecta CAPSi, pode fortalecer a rede de proteção contra a violência infantojuvenil.
“Vimos neste projeto uma oportunidade de formação de profissionais capacitados, fortalecimento dos serviços de saúde mental em regiões afastadas e, principalmente, uma estratégia de combate à violência. Assim, juntamos os princípios da educação permanente em saúde com os da saúde digital”, explicou Valéria. O Conecta CAPSi já capacitou 112 profissionais em nove municípios de Mato Grosso desde sua implantação, em 2024.
Na sequência, o delegado Clayton Queiroz Moura, da Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (DEDDICA), expos os métodos de trabalho da instituição para assegurar os cuidados necessários para o bem-estar da criança e do adolescente, bem como para preservar a adequada coleta de vestígios conforme a Lei nº 13.431/2017 e a revitimização.
Clayton Moura destacou a maior problemática enfrentada pela DEDDICA no atendimento a casos de violência. “A lei estabelece como devem ser conduzidas as entrevistas com crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. Pela norma, seria necessário fazer uma representação ao Poder Judiciário e solicitar uma medida cautelar de antecipação de prova. O desafio é que, muitas vezes, a criança não fornece espontaneamente as informações necessárias para embasar essa representação.”
Para auxiliar nesta questão, o delegado destacou a importância de que os profissionais que recebem a denúncia, seja no âmbito da educação ou o Conselho Tutelar, busquem o máximo de informações. “Geralmente o denunciante não retorna para fornecer mais dados, então esse primeiro contato deve ser feito com cuidado e paciência para que o encaminhamento seja eficaz”, disse.
A penúltima palestra foi ministrada pelo superintendente da Polícia Rodoviária Federal de Mato Grosso (PRF-MT), Arthur Nogueira, que tratou da importância do Projeto Mapear, realizado pela PRF em parceria com a organização internacional Childhood Brasil e a integração com as forças de segurança do Estado no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias.
“Nosso objetivo com o projeto é identificar os pontos de riscos para que o crime, como a exploração sexual de crianças e adolescentes, não aconteça. O Estado precisa ocupar esses espaços para que o crime não o faça. Isso destaca a importância da integração do nosso trabalho com os Conselhos Tutelares dos municípios”, disse Nogueira.
Por fim, a juíza titular da 1ª Vara Especializada da Infância e Juventude da Comarca de Cuiabá, Gleide Bispo dos Santos, defendeu que, em municípios sem rede especializada, a proteção de crianças e adolescentes deve ser garantida organizando o que já existe e criando fluxos simples entre áreas. A magistrada iniciou sua fala apontando sua preocupação com os dados. “A violência contra criança e adolescentes, em nosso estado e na capital, vem crescendo assustadoramente. Eu faço, em média, de 12 a 15 audiências em um único dia referentes a pedidos de medidas protetivas de maus tratos físicos e abusos sexuais.”
Sobre a Rede de Proteção da criança e do adolescente, a juíza reforçou o papel dos gestores públicos municipais. “É preciso fortalecer essa rede em todos os municípios de Mato Grosso instrumentalizando os gestores e profissionais com ferramentas práticas e estratégicas. O gestor deve olhar para essa prioridade absoluta como um dever”, defendeu.
Após as palestras, os especialistas responderam as perguntas da plateia e debateram possíveis soluções e encaminhamentos. A fala de encerramento foi feita pelo conselheiro Waldir Júlio Teis, que parabenizou sua equipe pela realização do Seminário e pontuou resultados de outros eventos realizados pelo TCE-MT.
FONTE: Folha Max







