A criação de um mercado global de carbono está entre as principais propostas do Brasil para a COP30, conferência do clima que começa nos próximos dias em Belém. Técnicos do governo brasileiro se reuniram durante todo o ano com economistas, empresários e contrapartes de outros países para avançarem na elaboração da política, prioridade para o Ministério da Fazenda.
A proposta será discutida na tarde desta segunda-feira (3) pelo líder da pasta, Fernando Haddad, e pela vice-presidente executiva da Comissão Europeia, Teresa Ribera. Eles se encontram em São Paulo, em uma reunião importante para o andamento da iniciativa, que ganharia abrangência com a participação da União Europeia e da China – a participação dos EUA, de Donald Trump, não é aventada.
De acordo com um funcionário do governo brasileiro envolvido nas negociações, China e União Europeia estão perto de anunciar, ao menos, um interesse em formalizar as negociações. Já a presença da Índia, quarta maior economia e terceira maior emissora, ainda é incerta.
A iniciativa, liderada pelo governo brasileiro, busca integrar mercados de carbono já existentes ao redor do mundo para homogeneizar os preços cobrados sobre as emissões de gases de efeito estufa.
Hoje, 17 economias do G20 já empregam alguma forma de precificação de carbono, sendo que algumas, como União Europeia, China e Austrália, já têm sistemas de comercialização de emissões em operação. O Brasil já aprovou o seu, que agora está em processo de regulamentação.
Nesses mercados, os países definem tetos de emissões para empresas, que se não cumprirem precisam comprar cotas -vendidas pelo governo ou por companhias que conseguiram emitir menos do que o estipulado. O mercado mais avançado hoje em dia é o da União Europeia, que engloba cerca de 10 mil instalações, entre indústrias e usinas.
O governo brasileiro quer criar regras comuns para essas comercializações. A ideia é motivada, sobretudo, pelos planos dos europeus de taxar, a partir do ano que vem, mercadorias que entram em países do bloco conforme a sua pegada de carbono.
Nesse modelo europeu, apelidado de CBAM, estarão sujeitos ao imposto exportadores de seis produtos: cimento, alumínio, aço, hidrogênio, fertilizante e eletricidade.
Para calcular o nível do imposto, a UE considerará o preço hoje pago pelas empresas europeias em seu sistema de emissões. Caso o país de origem já tenha seu próprio modelo, descontará o valor já pago pela empresa estrangeira pela pegada de carbono. Reino Unido, Austrália e Canadá também planejam adotar políticas semelhantes.
O CBAM é, no entanto, bastante criticado por países em desenvolvimento, que encararam a política como uma forma de os europeus captarem recursos estrangeiros para financiarem seus processos de descarbonização. Está aí a essência da coalizão proposta pelo governo brasileiro com a ajuda de economistas, inclusive estrangeiros.
Na proposta encabeçada pelo governo brasileiro, as indústrias de países membros da coalizão estariam sujeitas às mesmas regras de precificação do carbono, podendo o preço ser o mesmo em todas as nações ou diferente, a partir do tamanho de suas economias.
Um relatório sobre a proposta apresentado por pesquisadores de Harvard e MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), em setembro, prevê dois cenários: no primeiro, todos os países da coalizão precisariam cobrar ao menos US$ 50 por tonelada de carbono emitida na atmosfera; já no segundo, haveria variação de US$ 25 a US$ 75, conforme o nível de desenvolvimento da economia do país -os ricos pagam mais.
Além disso, poderiam-se criar modelos para que nações menos desenvolvidas tivessem licenças para não taxar alguns de seus produtos.
Em todos, haveria ainda a criação de um imposto de US$ 75 por tonelada de carbono sobre mercadorias de países não membros da coalizão –algo semelhante a um CBAM, mas internacional. Nesse caso, os EUA de Donald Trump estariam sujeitos a essa taxa, uma vez que dificilmente o republicano aceitaria aderir à coalizão climática.
Até por isso, o governo brasileiro tenta hoje trazer pesos fortes para a iniciativa. A participação de grandes economias, como China e UE, é tida como fundamental para o bom andamento da iniciativa. Os chineses, além de terem a segunda maior economia global, são os maiores emissores de gases poluentes na atmosfera; já os europeus são donos da regulamentação climática mais bem reconhecida do mundo.
O modelo criado por especialistas de Harvard e do MIT conta com 21 países mais a União Europeia. A coalizão, inicialmente, abrangeria quatro setores: alumínio, aço, fertilizante e cimento, responsáveis por mais de 20% das emissões mundiais de carbono. Ao todo, espera-se que o mercado global possa gerar por ano US$ 200 bilhões, que seriam destinados a políticas de descarbonização para os países-membros.
Para convencer a iniciativa privada, o governo brasileiro também conta com a ajuda de empresários de destaque na economia global. Fazem parte de grupos voltados para o tema, por exemplo, o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy e o ex-CEO do Itaú Candido Bracher. Eles foram mobilizados pela enviada especial da COP30 para o setor empresarial, Marina Grossi.
“O papel que a gente tem é de defender a ideia, seja escrevendo ou nas conversas do mundo presencial”, diz Bracher à Folha.
Criar convergências entre os participantes, contudo, é difícil, no que diz respeito a algumas regras desse modelo.
Uma das divergências passa pela possibilidade de compensar as emissões com créditos de carbono florestais, gerados a partir de projetos de reflorestamento ou conservação. O Brasil é favorável à medida, em razão das receitas que a amazônia poderia gerar ao país, mas a União Europeia é reticente, sob o argumento de que é complicado medir a real absorção de carbono por esses projetos.
Outro questionamento é se tecnologias de captura de carbono poderiam ser usadas como compensação.
Há também questionamentos sobre quais seriam as formas de calcular as emissões das indústrias. No CBAM, por exemplo, a União Europeia considera apenas carbono emitido diretamente pela atividade, excluindo o gás liberado durante a geração de eletricidade que abastece as plantas. A medida prejudica o Brasil, que tem uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo.
FONTE: MIDIA NEWS







