Escrevi ontem, no Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência Contra as Mulheres e lamento que finalizamos o ano envoltas na mesma dor do ano passado, do ano retrasado…as mulheres continuam sendo espancadas, estupradas e assassinadas brutalmente todos os dias. Não há descanso, não se pode tirar o olho de quem está ao lado, porque geralmente é o agressor. É insano conviver com a estatística que insiste em anunciar Mato Grosso como o estado mais perigoso para mulheres e que apesar de algum esforço institucional, o estado cisma em manter-se firme no alto do ranking, os valentões estão em todas as classes sociais e evidencia falhas estruturais na educação familiar e escolar.
É preocupante ler os estudos publicados, as entrevistas com relatos. A maioria das agressões ocorre na frente de outras pessoas, muitas vezes, de crianças. Estamos em plena campanha dos 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, reforçando campanhas e dando visibilidade aos casos, para que as mulheres machucadas na alma e no corpo sejam vistas, ouvidas e acolhidas e quem sabe, um dia distante, serão também protegidas. Os alertas disparados pelos botões de pânico, precedem a sinfonia fúnebre que se ouve no desfecho da maioria dos casos. O levante das mulheres que sobrevivem tem sido marcante, intenso e sem trégua. É preciso deixar as mulheres em paz, deixá-las vivas para viverem seus sonhos, criarem seus filhos, ocuparem espaços de poder.
“É preciso falar sobre o machismo, sobre as atitudes possessivas que marcam as relações e tem sido reproduzida ao longo do tempo”
É preciso falar sobre o machismo, sobre as atitudes possessivas que marcam as relações e tem sido reproduzida ao longo do tempo. No Brasil a cada seis horas há um feminicídio. Não há casos isolados, muito pelo contrário, os episódios são distintos, porém seguem a mesma lógica: relações marcadas por controle excessivo, pelo desprezo à autonomia feminina, pelo deboche e críticas ácidas.
Percebo com esperança branda um levante de homens tentando fortalecer a luta pelo fim da violência contra a mulher; o presidente Lula, o presidente da Assembleia Legislativa, Max Russi, artistas, homens famosos engrossando o coro das mulheres, que estão quase perdendo o fôlego com continuados gritos de socorro. Nas manifestações, as mulheres têm falado entre si, sofrendo abraçadas, porém distantes de tocar os seres que agridem e matam; os homens. É hora de os homens se unirem numa roda de conversa, de homem verdadeiro falando para homens e decidirem juntos que é hora de deixarem de ser predadores, de se comportarem como meninos birrentos, incapazes de lidar com frustrações ao ouvir um “não”. Não, o mundo não foi feito para satisfazer os desejos, para aceitar o comportamento egocêntrico e manipulador dos homens que agridem, estupram e matam. Homens adultos podem desenvolver habilidade de autorregulação emocional, podem aprender a considerar as necessidades e sentimentos das mulheres. Se aprenderam a ser maus, podem também aprender a amar para ensinar seus filhos, sobrinhos, netos a serem gentis, a aceitarem o ‘não’, a deixarem a mulher partir inteira, em busca de uma nova vida.
As mulheres estão exaustas e precisam de ajuda masculina para que suas vozes atinjam o núcleo duro, que geralmente proteja o agressor, que ataca, é penalizado fracamente, desrespeita medida protetiva, não teme o aumento da pena e segue ameaçando com tortura emocional e destruição moral e física de mulheres. Não devemos esconder imagens e falas sobre a violência. Expô-las, publicizar é uma arma potente, quando não a única que a mulher tem. Em Mato Grosso, foi tornado público as agressões sofridas e a fala expressando a descrença na justiça e nas redes de apoio de uma jovem, que denunciou, sofreu represálias, denunciou, nada aconteceu com o agressor, até que ela usou as redes sociais para falar abertamente sobre o corpo e a alma machucados até o limite de suas forças.
Com as manifestações organizadas para o dia de hoje, a esperança brota lenta, desconfiada, mas pode ser o começo. Porque enquanto os homens se mantiveram calados, não foi possível avançar de forma ideal, desconstruir atitudes machistas e educar novas gerações de homens gentis.
Olga Lustosa é socióloga e cerimonialista pública. Escreve com exclusividade para esta coluna aos domingos. E-mail: olgaborgeslustosa@gmail.com
FONTE: RDNEWS







