Mato Grosso foi o estado da Amazônia Legal que apresentou o maior aumento proporcional de conflitos no campo entre 2023 e 2024, com crescimento expressivo de 124,1%, ao passar de 54 para 121 registros no período. Os dados, apresentados no relatório Cartografias da Violência na Amazônia, apontam que o salto mato-grossense superou, em larga escala, o ritmo de crescimento observado nos demais estados amazônicos – ainda que alguns deles tenham registrado números absolutos maiores de ocorrências.
Os conflitos no campo analisados no relatório englobam disputas por terra, água, meios de trabalho e produção, além de ações coletivas motivadas por tensões sociais e pela ausência de políticas públicas adequadas.
CPT Regional Araguaia
“Essas situações decorrem de tensões entre classes sociais, entre trabalhadores ou da ausência e má gestão de políticas públicas. No universo amplo dos conflitos no campo se inserem os conflitos por terra, relacionados à posse, uso e propriedade da terra e ao acesso a recursos essenciais ao extrativismo, e os conflitos pela água, que envolvem ações coletivas para garantir o uso e a preservação dos recursos hídricos frente à apropriação privada, à cobrança pelo uso da água no campo e aos impactos de barragens e da mineração”, diz trecho do estudo.
Conforme publicado pelo
Kethlyn Moraes/Rdnews
Essa tendência está inserida em um contexto regional que, segundo a Cartografia da Violência na Amazônia, constitui um dos eixos centrais da produção de violência na região: “A sobreposição de interesses econômicos, ocupações irregulares, pressão por expansão de atividades predatórias e fragilidades na governança ambiental alimenta um cenário em que a terra se converte em objeto de conflito permanente”.
Disputas por terras
Os conflitos por terra corresponderam a 83,9% dos conflitos no campo na Amazônia em 2024. Aqui, mais uma vez Mato Grosso registrou a maior variação entre 2023 e 2024, com 141% de aumento. Em 2024 foram 101 conflitos, contra 43 do ano anterior. As disputas por terra, segundo o estudo, refletem uma realidade marcada por profunda desigualdade fundiária, agravada por novas dinâmicas de concentração de terras, espoliação e acumulação por despossessão dos recursos naturais.
“Esse cenário tem sido impulsionado pelo avanço acelerado do agronegócio, que exerce crescente pressão sobre territórios tradicionalmente protegidos, a exemplo de terras indígenas, comunidades quilombolas, áreas de assentamento da reforma agrária, acampamentos rurais e pequenas localidades”, aponta.
Cartografias da Violência na Amazônia
Água também vira alvo
Além da disputa territorial, Mato Grosso também apresentou aumento significativo nos conflitos por água, que cresceram 87% entre 2023 e 2024. Essas brigas estão geralmente ligadas à contaminação de rios e igarapés, tanto pelo uso intensivo de agrotóxicos na agricultura industrial quanto pelo uso de mercúrio no garimpo ilegal. “Essa poluição compromete não apenas a qualidade da água disponível para o consumo humano, mas também os ecossistemas aquáticos e a segurança alimentar das comunidades ribeirinhas e indígenas que dependem diretamente desses recursos”, diz o texto.
Esse avanço indica que a pressão por recursos naturais no estado se expandiu para além da terra, alcançando rios, nascentes, córregos e reservatórios utilizados por comunidades rurais, associada à expansão de empreendimentos minerários, hidrelétricos e do agronegócio, bem como à degradação ambiental resultante do
desmatamento e da contaminação dos rios.
“Esses conflitos refletem não apenas disputas materiais por território e recursos, mas também a violação de direitos fundamentais de comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas, que dependem diretamente
das águas amazônicas para sua subsistência, mobilidade e reprodução sociocultural”, indica em outro trecho.
Kethlyn Moraes/Rdnews
Assassinatos no campo
O relatório também traz um panorama da violência rural letal na última década, indicando que Mato Grosso registrou 21 assassinatos no campo nos últimos dez anos. O indicador revela que a escalada de conflitos não se limita a ações de intimidação, disputas territoriais ou bloqueios – ela culmina, com frequência crescente, em mortes.
Esse dado se articula com a constatação de que, em toda a Amazônia Legal, a violência no campo é persistente e cresce em intensidade: em 2024, foram registrados 1.317 conflitos rurais na região, o maior número desde 2015.
Comparação com outros estados
Embora o foco de crescimento seja em Mato Grosso, o documento contextualiza o cenário mais amplo dos conflitos rurais na Amazônia:
- Maranhão liderou em números absolutos (420 registros) e teve aumento de 100% em 2024;
- Pará registrou 314 conflitos, alta de 32,5%;
- Amazonas foi o estado com maior crescimento acumulado desde 2015, com alta de 528,6%.
Mesmo diante desse quadro, Mato Grosso se destacou por apresentar o maior salto anual de toda a Amazônia Legal, evidenciando ruptura abrupta nas dinâmicas locais.
FONTE: RDNEWS
