Sararé é a terra indígena mais desmatada da Amazônia; garimpo ilegal é principal vilão | RDNEWS

Segundo estado com o maior índice de desmatamento da Amazônia Legal em 2024, Mato Grosso também tem duas entre as dez terras indígenas mais desmatadas no ano. Com 28,6 km² da floresta devastada, a TI Sararé ocupa o 1º lugar do ranking , sendo também o território mais afetado pelo garimpo ilegal e criação de pastos para gados. A TI Marãiwatsede também está nessa lista, com 9,8 km² de área destruídos, ocupando o 7° lugar no ranking. Os dados são da 4ª edição do Cartografias da Violência na Amazônia, divulgada em novembro. 

Greenpeace

Garimpo ilegal na TI Sararé

Apesar da queda de 50,7% na taxa de desmatamento da Amazônia entre 2023 e 2024, o estudo feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que as Terras Indígenas sofrem com o movimento na direção contrária: o desmatamento em TIs da região aumentou 52% de um ano para o outro, passando de 165,3 km² para 251 km² destruídos.

“Os altos índices refletem a atuação de grupos criminosos que exploram ilegalmente madeira, minérios e outras commodities de alto valor comercial, avançando sobre áreas protegidas e ampliando os riscos para os povos indígenas e o equilíbrio ambiental da região”, diz trecho da pesquisa. 

Kethlyn Moraes/Fonte:FBSP

A TI Sararé, com 28,6 km² de área desmatada só em 2024, é habitada pelo povo Nambikwára e reconhecida desde 1985 por decreto presidencial. O território que possui 67 mil hectares está entre as fronteiras dos municípios de Conquista D’Oeste, Nova Lacerda e Vila Bela da Santíssima Trindade. Conforme dados de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 201 indígenas vivem lá.  

Já a TI Marawatsede é localizada entre os municípios Alto Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia. Com 165 mil hectares, o território é habitado pelo povo Xavante, formado por 1.090 indígenas, conforme dados de 2022 do IBGE.  Demarcado desde 1998, o território perdeu entre 2022 e  2024 mais de 20 km² de floresta nativa.

“O avanço do desmatamento sobre terras indígenas não ocorre de forma isolada, sendo frequentemente associado à expansão da pecuária nas regiões limítrofes da demarcação. Diversos relatos de lideranças indígenas denunciam o desmatamento de áreas próximas ou dentro de seus territórios que tem como objetivo abrir espaço para criação de gado. Esse tipo de invasão tem se intensificado especialmente nas fronteiras entre
terras indígenas e propriedades privadas, onde a demarcação é, muitas vezes, contestada e desrespeitada”, diz trecho do estudo. 

FBSP

Na mira do crime

Entre os limites dos estados de Rondônia e Mato Grosso, Sararé está situada no entorno de uma área de avanço da fronteira agrícola. O desmatamento para expansão de pastos e de monoculturas não é novidade, mas ainda figura entre as principais causas de devastação das terras indígenas. 

Outra causa, porém, tem despontado novas dinâmicas de desmatamento. Conforme o relatório do Greenpeace, de 2023 para 2024, Sararé assistiu a um aumento de 93% na área destruída pelo garimpo ilegal de ouro. O relatório aponta que somando as áreas de destruição pelo garimpo, entre 2023 e 2024, Sararé perdeu 1.816 hectares. Além da perda de território, essa atividade é responsável por contaminar rios, animais, solos e a própria população indígena devido ao uso intensivo do mercúrio para extração do ouro. 

PF

TI Sararé desmatada pelo garimpo ilegal

A capacidade de destruição, como traz o estudo, está ligada ao avanço do crime organizado nesses territórios, sobretudo pelo Comando Vermelho. O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) coordenou operações de desintrusão durante três meses, de agosto a outubro de 2025, em Sararé. Com grupos fortemente armados, os criminosos entraram em conflito com as equipes policiais. As investigações demonstraram o domínio da facção em diversas áreas. 

Essas invasões criminosas geram diversos impactos, tanto aos povos tradicionais, quanto a biodiversidade da região. O modo de vida dos povos indígenas é afetado com o assoreamento de rios, a contaminação por mercúrio, o desmatamento extensivo e a proliferação de doenças. Isso porque as principais atividades de subsistência são pesca, caça e roças. Além da ameaça à sobrevivência, a cultura, práticas rituais e comunitárias que são fortemente associadas aos territórios também sofrem interferência do crime. 

Kethlyn Moraes/Fonte:FBSP

Os dados ainda demonstram um crescimento de nível astronômico quando se trata do avanço do garimpo ilegal em Sararé. Enquanto em 2018, a área era de 0,78 hectares, em 2024 esse número foi elevado para 1.197 hectares, o que corresponde ao crescimento de 159.500% em 6 anos. Em outras palavras, isso equivale a cerca de 1.680 campos de futebol ocupados pelo garimpo ilegal. 

Segundo relatórios da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Polícia Federal (PF), o garimpo em Sararé cresceu 825% entre 2022 e 2024, e passou a ser financiado e protegido por grupos armados que também participam do tráfico de drogas e armas na faixa de fronteira. Conforme os registros, o Comando Vermelho tem cooperado com facções bolivianas. A soma de bens apreendidos ou destruídos chegou a R$ 237 milhões. 

“Essas redes utilizam os garimpos para lavagem de dinheiro e compra de insumos químicos usados no refino de cocaína, ampliando a interconexão entre as economias do ouro e da droga. O impacto é duplo: ambiental, com poluição e desmatamento intensos, e criminal, com aumento da violência armada e ameaças a lideranças indígenas Nambikwára”, afirma o estudo. 

O avanço do garimpo e a entrada do Comando Vermelho em Sararé não resulta apenas em desmatamento, mas também na escalada de mortes violentas. Somente em Vila Bela da Santíssima Trindade, em 2022 foram 12 vítimas, em 2023, 17, já em 2024, 42, o que representa um aumento de 250% no triênio. 

FBSP

TI: alvo de diferentes interesses econômicos 

Apesar do garimpo atualmente representar a ameaça mais alastrada e violenta para os povos originários e para seus territórios, como apontam os dois estudos, existem outras variantes para a devastação ambiental. Ao  lado da invasão de garimpeiros e da expansão do agronegócio, outras atividades ilegais são praticadas dentro dos territórios tradicionais. 

A grilagem, por exemplo, caracterizada pela ocupação ilegal e formalização fraudulenta da posse de terras, geralmente por meio de falsificação de registros e documentos, geralmente associa-se à expansão agropecuária e à formação de assentamentos irregulares. Nesse processo ocorre a “ruralização do ilícito”, que antecede o desmatamento e a pecuária ilegal. 

Após o estabelecimento na área invadida, as queimadas, por exemplo, são usadas para abertura de pastos, mas também como instrumento de intimidação a indígenas e fiscais. Já a extração de madeira, por sua vez, opera com ramais clandestinos, tendo sido observada até mesmo a instalação de serrarias de pequeno porte nas bordas e no interior das Terras Indígenas.

Essas atividades combinam extração mineral predatória, degradação do solo e contaminação das águas, ocupação territorial, criminalidade organizada e aumento da violência. Isso porque além dos diferentes interesses econômicos dos recursos naturais, essas invasões ocorrem onde a demarcação é, muitas vezes, contestada e desrespeitada. 

Reprodução

Terra Indígena Sararé durante operação conjunta do Gefron, Funai, Ibama e Bope

Operação de desintrusão 

Na intenção de frear esses crimes dentro desses territórios, o MPI criou o Decreto nº 11.702/2023 responsável pela instituição do Comitê Interministerial de Desintrusão. Com força ministerial e atuação de diversas instâncias, as operações são definidas por etapas. No primeiro momento o objetivo é garantir a retirada pacífica e integral de invasores em terras homologadas e registradas, posteriormente restabelecer a presença permanente do Estado e o monitoramento territorial contínuo, em terceiro momento desmantelar cadeias econômicas ilegais como garimpo, extração de madeira, pecuária e grilagem. 

Já em um penúltimo passo da operação as equipes dão apoio para a reocupação tradicional pelos povos indígenas e por último, é previsto a criação do chamado Planos de Proteção Territorial (PPTs) interinstitucionais e permanentes. 

Apesar disso, os territórios ainda estão vulneráveis pela ausência de proteção contínua do estado, já que após as operações de desintrusão, os criminosos retornam para a região, ocupando novas áreas. O que demonstra que mesmo após a demarcação das terras indígenas, sem a presença do Estado e das forças de segurança, os povos originários permanecerão sendo um alvo fácil e vulnerável para diferentes criminosos. 

FONTE: RDNEWS

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