O relatório do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, assinado na última terça-feira (9), pelo juiz de direito Marcos Faleiros da Silva, relata disparos de bala de borracha, spray de pimenta nos olhos, espancamentos, cães usados para intimidar presos e “tortura térmica” com celas fechadas na Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite Ferreira, conhecida como “Ferrugem”, em Sinop (a 480 km de Cuiabá). A inspeção da unidade foi motivada por denúncias de maus-tratos.
O relatório descreve um conjunto de práticas que, segundo o documento, compõem um sistema de controle físico e psicológico e incluem tortura e tratamento degradante contra pessoas privadas de liberdade.
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A vistoria foi realizada entre 29 e 30 de outubro de 2025 e, conforme o relatório, teve como foco “averiguar denúncias de tortura, maus tratos, tratamento desumano cruel ou degradante”.
O documento registra que a equipe notou a adoção do que é chamado de “procedimento” no cotidiano prisional, descrito como uma técnica que impõe posturas degradantes e “técnicas de tortura em geral”, além de “acentuado sofrimento psíquico”.
Entre as descrições, consta que pessoas seriam obrigadas a ficar “sentadas, sem camiseta e sem chinelo, com as pernas dobradas e mãos na nuca”, às vezes de cueca e às vezes nuas, em contextos de entrada de policiais penais nas alas, com “xingamentos, humilhações e violência”.
Disparos de “bala de borracha” e bombas
O relatório afirma que a equipe verificou visualmente que quase todas as pessoas inspecionadas e ouvidas apresentavam “cicatrizes (antigas) e lesões/feridas (recentes) de balas de borracha”, indicando, no entendimento do documento, que os ataques seriam constantes.
A análise descrita no texto sustenta que os disparos teriam ocorrido “sem respaldo em justificativa plausível” ou como resposta a situações “irrisórias” e “manifestamente desproporcionais”, apontando o uso dos tiros como “castigo pessoal” ou “medida disciplinar”.
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Bombas disparadas por policiais penais dentro das aberturas das celas, normalmente usadas para entrega de alimentação
O documento traz ainda a descrição de um modo de agir: disparos feitos pela “boqueta” (abertura da cela usada para entrega de alimentação), com tiros “indiscriminados” para dentro de celas “superlotadas”, inclusive com atuação simultânea em celas vizinhas – classificada no texto como “agressão covarde e deliberada” contra pessoas sem possibilidade de defesa.
Além disso, o relatório menciona relatos de bombas arremessadas “contra presos indefesos”, dizendo que em vídeo foram detectadas “pelo menos duas bombas” e que houve apreensão de “resquícios de uma bomba”.
Spray de pimenta e o método “chantili”
Segundo o relatório, os relatos e imagens indicariam que o spray de pimenta não teria sido usado apenas de forma “indiscriminada”, mas também de uma forma “particularmente cruel”: o agente seria colocado nas mãos “como se fosse chantili” e “esfregado diretamente nos olhos dos presos”, causando “dor e sofrimento extremos”.
O documento também descreve o lançamento do spray para dentro de celas superlotadas pela “boqueta”, resultando em “exposição forçada e em massa” do grupo ao agente químico, “sem qualquer possibilidade de fuga”.
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Policial penal flagrando usando spary de pimenta na abertura da cela, usada para entrega de alimentação
Espancamentos, humilhações e ofensas
O relatório aponta que, segundo os presos, as ações dos policiais penais seriam “extremamente truculentas”, com “espancamentos”, “pisoteamentos”, “xingamentos”, “humilhações”, “tapas, chutes, socos” e uso de “instrumentos para bater”.
O documento registra ainda relatos de tortura psíquica “sob a forma de ofensas”, incluindo xingamentos como “filhos da puta” e afirma que teriam sido proferidos “inclusive pela direção da unidade”.
Também consta que a população LGBTQIA+ seria alvo de discriminação específica, com a expressão “bichos do capeta” atribuída a “alguns agentes”, compondo “cenário de terror psicológico”.
Cães, mordidas e água imprópria
O relatório descreve ainda que o uso de cães teria sido um “vetor recorrente” de lesões e intimidação, citando exemplo de interno com lesão compatível com mordedura na região glútea e a alegação de que um policial conhecido como “Bad Boy” teria “soltado o animal deliberadamente” contra ele.
Um dos pontos mais graves descritos é a denúncia de que policiais penais teriam inserido “um cachorro no bebedouro de água”. O relatório afirma que a “veracidade” do relato teria sido “confirmada pelas imagens”, com registro do cão entrando no reservatório e encostando na torneira de “uso comum”, destacando que a água seria racionada e que presos “inclusive bebem água” do reservatório.
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Cães utilizados por policiais penais em torturas e humilhações dentro da penitenciária
“Latão” como “tortura térmica”
O documento relata que o “Latão” (chapas de aço que vedam as celas) seria usado “não como medida de segurança”, mas como “ferramenta deliberada de tortura térmica e punição coletiva”. Conforme o texto, ele fica trancado geralmente “das 17h às 08h”, interrompendo “quase totalmente” a circulação de ar, transformando a cela em “estufa” ou “sauna”.
O relatório descreve ainda um padrão relatado: quando exaustores param – situação que seria frequente -, presos pedem providências, e a resposta seria manter o latão fechado, lançar “bombas de pimenta ou gás”, fazer disparos “pela boqueta”, e os presos permaneceriam “sem ar, com sensação de asfixia”.
Falhas e negligência no atendimento de saúde
O relatório afirma ainda que a inspeção constatou um cenário de “omissão de socorro sistêmica”, com enfermaria descrita como “praticamente inacessível”, onde o protocolo “via de regra” se resumiria a analgésicos simples.
O documento também registra “o ponto mais alarmante” relacionado ao “abandono completo dos pacientes psiquiátricos” e descreve casos de automutilação e resposta “repressiva” a surtos, com internos “alvejados com múltiplos disparos de munição menos letal” em vez de atendimento clínico.
Outro lado
Ao
“Esta Secretaria ressalta ainda que, durante o ano de 2025, não houve denúncia formal em nenhum órgão fiscalizador sobre suposta tortura na referida penitenciária. A Sejus não coaduna com nenhum tipo de abuso ou prática criminosa e caso seja confirmado, serão adotadas as medidas cabíveis para a devida responsabilização”, diz trecho da nota.
FONTE: RDNEWS
