A desembargadora e presidente do Tribunal de Justiça, Clarice Claudino, suspendeu uma decisão que estabelecia a competência da 4ª Vara Cível de Rondonópolis (216 Km de Cuiabá) para julgar um arresto de soja atrelado à recuperação judicial da Porto Seguro. A organização, com dívidas de R$ 267 milhões, teria criado um subterfúgio junto à agropecuária Bom Jesus, também de Rondonópolis, para tentar escapar do pagamento de impostos e de credores.
Os processos que revelam a complexa e intrincada suspeita de fraude envolvem duas ações de recuperação judicial – da Porto Seguro e da Usina Pantanal de Açúcar de Cana -, e também o Grupo Bom Jesus. De acordo com informações dos autos, a Porto Seguro teria cedido 6.800 hectares de terras ao Grupo Bom Jesus, para utilização por dez anos, com o objetivo de plantio de soja, milho e outras commodities.
A área foi arrematada em 2014 no processo de recuperação judicial da Usina Pantanal de Açúcar de Cana. O processo revela, porém, que a Porto Seguro teria recebido de forma “adiantada”, pelos 10 anos de exploração das terras da Bom Jesus, 680 mil sacas de soja (o equivalente à época a R$ 30 milhões). Além do adiantamento suspeito, os recursos teriam sido recebidos por uma outra empresa (UPS Porto Seguro), fazendo com que a organização em recuperação escapasse das obrigações tributárias e com credores.
A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) ingressou com uma ação denunciando a fraude, que reflete não só para credores das empresas em recuperação judicial, mas também para o Poder Público, que corre o risco de sofrer uma sonegação de impostos milionária. “O pagamento relativo à parceria (ainda que apenas parcial) fora realizado por meio de empresa interposta (UPS Porto Seguro), de sorte que, em momento algum, os R$ 30 milhões passaram pelas contas bancárias da Porto Seguro, blindando a requerida do ônus desta cautelar fiscal, e deixando o Judiciário e o Estado de Mato Grosso a ver navios”, alegou a PGE.
Ao identificar a suposta fraude, a PGE obteve uma decisão judicial que determinou que as execuções fiscais contra a Porto Seguro – ou seja, cobranças de dívidas -, fossem direcionadas ao Grupo Bom Jesus. Posteriormente à decisão de direcionamento das cobranças, porém, a Porto Seguro ingressou com uma ação de conflito de competência.
O pedido envolve um arresto de soja, referente às recuperações judiciais da própria Porto Seguro e também da Usina Pantanal de Açúcar de Cana – de quem tinha arrematado os 6.800 hectares em 2014. No último dia 7 de fevereiro, o desembargador da Segunda Turma de Câmaras Cíveis Reunidas de Direito Privado, Dirceu dos Santos, reconheceu o conflito de competência alegando que a discussão deveria ser travada em Rondonópolis.
O conflito de competência, no âmbito processual, faz com que um processo deixe de tramitar numa Vara específica e passe para outro órgão – neste caso da discussão do arresto de soja, da Vara de Execuções Fiscais de Cuiabá para a 4ª Vara Cível de Rondonópolis. Na prática, entretanto, a medida pode trazer danos ao processo, atrasando ainda mais seu trâmite e, neste caso específico, há suspeitas em razão das terras em discussão, e também das empresas suspeitas de fraudes, serem localizadas em Rondonópolis.
A cidade é o palco onde os atores da suposta fraude possuem, em tese, maior “apelo” com seu público. Na última quinta-feira (15) a presidente do TJMT, Clarice Claudino, atendeu à PGE, que também tinha pedido a suspensão da decisão do desembargador Dirceu dos Santos.
Em seu entendimento, a magistrada confirma que o Grupo Bom Jesus auxiliou a Porto Seguro no “esvaziamento” de seu patrimônio – para consequente prejuízo de credores e do Estado. “Identifica-se que a decisão cautelar fiscal voltou seu foco para a empresa Bom Jesus Agropecuária Ltda. e à atitude desta em auxiliar o esvaziamento patrimonial da empresa Porto Seguro Negócios, Empreendimentos e Participações S.A. com consequente prejuízo às cobranças fiscais”, asseverou a desembargadora.
Além do “esvaziamento patrimonial”, a presidente do TJ também chamou a atenção para a existência de um “fundado receio de que se encontra em curso uma engenhosa artimanha para fraudar as execuções fiscais em curso e frustrar a propositura de outras demandas executivas”. Vale lembrar que o Grupo Bom Jesus tem como presidente e sócio Nelson José Vigolo, delator de um esquema de compra de decisões judiciais no estado da Bahia, investigado na operação “Faroeste”.
Informações de um processo que tramita no Tribunal de Justiça de São Paulo, sobre o leilão de uma das fazendas do Grupo Bom Jesus, apontam que o empresário é “alvo de notória investigação criminal pela Polícia Federal, envolvendo grilagem de terras e corrupção, indicando também a probabilidade de alcance de seu patrimônio para fazer frente à eventual condenação”.
Uma das investigações da Polícia Federal sofridas por Vigolo é um esquema de “compra” de decisões judiciais no Poder Judiciário da Bahia, revelado na operação “Faroeste”. O produtor teria pago R$ 2,4 milhões à desembargadora Sandra Inês Rusciolelli, o filho Vasco Rusciolelli, e ao advogado Júlio César Chilante em sentenças que o teriam beneficiado em crimes de grilagem de terras. Nelson José Vigolo firmou um acordo de colaboração premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR) para auxiliar nas investigações e se livrar de uma eventual condenação na justiça”.
FONTE: Folha Max