quinta-feira, julho 3, 2025

Onde a literatura encontra a criminologia | RDNEWS

Rodinei Crescêncio

A literatura e a criminologia, à primeira vista, podem parecer domínios distintos, separados pela fronteira entre a arte e a ciência. Contudo, quando se examina o entrelaçamento desses campos, surge uma oportunidade única de explorar os contextos culturais, históricos e sociais que moldam os comportamentos humanos e as respostas institucionais a eles. Essa perspectiva interdisciplinar é exemplificada pela obra Madame Bovary, de Gustave Flaubert, que lança luz sobre questões pertinentes à criminologia feminista.

Flaubert, em sua narrativa sobre Emma Bovary, retrata uma mulher que busca romper com as limitações impostas pelo casamento e pela moral burguesa do século XIX. Emma desafia os padrões convencionais de comportamento feminino ao buscar satisfação emocional e material fora das amarras de sua vida doméstica. Essa busca, no entanto, a conduz à ruína financeira, emocional e, eventualmente, à morte.

A criminologia feminista aponta que a experiência das mulheres dentro do sistema penal é frequentemente marcada por desigualdades e estigmas, muitas vezes enraizados em estereótipos de gênero

Sob o olhar da criminologia feminista, a história de Emma Bovary pode ser interpretada como um reflexo das desigualdades estruturais que ainda hoje permeiam as relações de gênero. Essa corrente criminológica desafia a ideia de neutralidade do direito penal, destacando como ele frequentemente reforça as dinâmicas de opressão contra mulheres. Na narrativa de Emma, observa-se a mulher como sujeito em conflito com uma sociedade que condena suas transgressões ao mesmo tempo em que as alimenta por meio de expectativas impossíveis de serem alcançadas.

O conceito de “criminalização indireta” emerge como uma ferramenta analítica nesse contexto. Emma Bovary não comete crimes diretos no sentido legal, mas seu comportamento desafiador a transforma em um alvo de sanção social e moral. Suas escolhas são julgadas e punidas pelo próprio tecido social, que a isola e a condena por violar os padrões morais da época.

O paralelismo entre o tratamento de Emma Bovary e as realidades vividas por mulheres no sistema de justiça contemporâneo não é mera coincidência. A criminologia feminista aponta que a experiência das mulheres dentro do sistema penal é frequentemente marcada por desigualdades e estigmas, muitas vezes enraizados em estereótipos de gênero. Essa visão ajuda a compreender como estruturas institucionais perpetuam narrativas que responsabilizam as mulheres por suas próprias adversidades.

A literatura, como é o caso de Madame Bovary, torna-se uma rica fonte de análise para compreender as nuances dessas dinâmicas. Mais do que um retrato de época, o romance de Flaubert apresenta uma discussão universal sobre como normas sociais moldam a experiência feminina e limitam as possibilidades de autonomia. O uso da ficção para iluminar questões reais demonstra o poder das narrativas literárias como ferramentas de compreensão e crítica social.

No entanto, essa interlocução não se limita a iluminar o passado. Estudos baseados na relação entre literatura e criminologia oferecem um espaço para refletir sobre soluções contemporâneas. Ao identificar padrões recorrentes de opressão e exclusão, é possível propor mudanças no sistema de justiça que favoreçam maior igualdade e inclusão.

Assim, a convergência entre criminologia e literatura revela-se muito mais do que uma análise acadêmica. É uma ponte que convida a sociedade a repensar sua relação com as normas que regem o comportamento humano. Em tempos em que as desigualdades de gênero continuam sendo uma realidade, explorar essas conexões não é apenas relevante, mas necessário.

Ao mergulharmos em obras como Madame Bovary, encontramos tanto um espelho para refletir nossa própria sociedade quanto uma lâmpada para iluminar caminhos futuros. A narrativa de Emma não apenas denuncia as limitações impostas às mulheres, mas também inspira a busca por um sistema mais justo, que reconheça e enfrente as desigualdades estruturais. Dessa forma, a literatura e a criminologia não são apenas aliadas, mas também agentes transformadores na construção de uma sociedade mais equitativa.

Escrito com Sara Nadur Ribeiro

Mauricio Munhoz Ferraz, é assessor do presidente do Tribunal de Contas de Mato Grosso, professor de economia. Foi secretário de Estado de ciência e tecnologia e adjunto de infraestrutura do governador Mauro Mendes, superintendente do Ministério da Agricultura em Mato Grosso e diretor do Instituto de pesquisas da Fecomercio. Mestre em sociologia rural, seu livro “o avanço do agronegócio” faz parte do acervo da Universidade Harvard, e seu livro “A lei kandir” na biblioteca do congresso, ambos nos Estados Unidos. Seu livro “Rota de Fuga, a história não contada da SS” esteve entre os 10 mais vendidos na Amazon e foi traduzido para o inglês, pela editora Chiado, de Portugal. Foi vencedor do prêmios internacional “empreedorismo consciente” do Banco da Amazônia e do nacional “Celso Furtado” do governo brasileiro.

FONTE: RDNEWS

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