Na semana passada, o presidente Donald Trump pediu calma diante do caos financeiro que criou e resistiu aos pedidos para repensar sua abordagem. “Eu sei o que diabos estou fazendo”, disse ele aos republicanos na terça-feira (8), quando as enormes tarifas que ele impôs deixaram os mercados globais em parafuso. “FIQUEM CALMOS!”, ele disse em um post de mídia social na manhã de quarta-feira. “Tudo vai dar certo.”
Às 9h37, na mesma quarta-feira, o presidente ainda estava otimista com sua política, postando no Truth Social: “ESTE É UM ÓTIMO MOMENTO PARA COMPRAR!!”. Mas, no fim, foram os mercados que o levaram a reverter o curso.
A turbulência econômica, particularmente o aumento nas vendas dos títulos do governo, fez com que Trump piscasse na tarde de quarta-feira e interrompesse suas tarifas “recíprocas” para a maioria dos países pelos próximos 90 dias, de acordo com quatro pessoas com conhecimento direto da decisão do presidente.
Solicitado a explicar a decisão, Trump disse a repórteres: “Bem, eu concluí que as pessoas estavam saindo um pouco da linha. Estavam vivendo um ‘oba-oba’, você sabe, ficando um pouco empolgadas, mas um pouco com medo”.
Nos bastidores, membros seniores da equipe de Trump temiam um pânico financeiro que poderia sair do controle e potencialmente devastar a economia. O secretário do Tesouro, Scott Bessent, e outros membros da equipe do presidente, incluindo o vice-presidente J.D. Vance, vinham pressionando por uma abordagem mais estruturada para a guerra comercial, que se concentraria em isolar a China como o pior ator, ao mesmo tempo que enviava uma mensagem mais ampla de que Trump estava falando sério sobre reprimir os desequilíbrios comerciais.
Após seu recuo anunciado nas mídias sociais, a equipe de Trump foi colocada na posição nada invejável de tentar distorcer a mensagem de que esse era o plano o tempo todo, uma estratégia brilhante saída diretamente das páginas do livro best-seller do presidente, The Art of the Deal (A Arte da Negociação em português). Bessent chegou a negar que o mercado de títulos tenha impulsionado a mudança.
Quando Trump saiu para explicar sua decisão na quarta-feira, no entanto, ele minou Bessent e Karoline Leavitt, a secretária de imprensa da Casa Branca, citando o mercado nervoso e dizendo que ele estava agindo “instintivamente, mais do que qualquer outra coisa”.
Muitos dos conselheiros e funcionários mais graduados de Trump não sabiam dessa grande mudança na política até o último minuto, porque na manhã de quarta-feira Trump ainda estava indicando que mantinha seu plano anterior.
Jamieson Greer, o representante comercial dos EUA, só soube da decisão de Trump enquanto defendia as tarifas originais perante um comitê da Câmara, disse uma pessoa familiarizada com a situação.
Bessent desempenhou um papel significativo na condução do presidente em direção ao recuo. Mas o verdadeiro crédito, admitem os conselheiros de Trump, em particular, deve ir para os mercados de títulos.
A decisão de Trump foi motivada pelo medo de que sua aposta tarifária pudesse rapidamente se transformar em uma crise financeira. E, ao contrário dos dois incidentes anteriores dos últimos 20 anos — a crise financeira global de 2008 e a pandemia de 2020 —, essa crise teria sido diretamente atribuída a apenas um homem.
Colapso do mercado
No dia em que Trump anunciou seu plano de tarifas “recíprocas”, ele prometeu “tornar a América rica novamente”.
Mas os detalhes do plano e seus objetivos permaneceram nebulosos. No período que antecedeu o anúncio da tarifa, na semana passada, a equipe econômica de Trump debateu até o último minuto sobre a forma que as tarifas deveriam assumir, com Bessent e o secretário de Comércio, Howard Lutnick, defendendo tarifas mais limitadas, de acordo com duas pessoas familiarizadas com os planos.
Peter Navarro, o conselheiro comercial da Casa Branca, foi o mais agressivo dos conselheiros de Trump, insistindo em uma estratégia tarifária que, segundo ele, criaria uma revolução na manufatura americana.
O Escritório do Representante de Comércio dos EUA criou sua própria fórmula para calcular as tarifas para outros países, com base em suas tarifas mais uma estimativa de outras barreiras comerciais. Mas o presidente acabou decidindo seguir uma fórmula baseada no déficit comercial, disseram duas pessoas familiarizadas com as conversas.
Quando as tarifas finalmente foram anunciadas, na última quarta-feira, os mercados despencaram.
No domingo, Bessent decidiu que precisava de uma audiência privada com o presidente. Em menos de 24 horas, os mercados reabririam e os investidores previam uma “segunda-feira sangrenta”. Bessent viajou com Trump de volta a Washington no Air Force One. Durante o voo, Bessent aconselhou o presidente a se concentrar em negociar com outros países, dizendo que Trump é o negociador mais hábil que existe, disseram quatro pessoas informadas sobre a discussão. Mas ele também enfatizou que Trump precisava articular o fim do jogo de seu plano, porque os mercados precisavam de mais certeza.
Trump recuou, disseram, enfatizando que a dor era de “curto prazo”. Mas Bessent disse que isso poderia significar muitos meses em termos de mercado.
O presidente aparentemente absorveu apenas parte da mensagem. Na manhã de segunda-feira, ele redigiu um post na Truth Social para dizer que “conversas” aconteceriam com os países, que eles iriam “negociar”. Na tarde de segunda-feira, Trump disse a repórteres: “Praticamente todos os países querem negociar”.
Ainda não havia, no entanto, uma expressão coerente sobre o fim do jogo: o presidente queria usar as taxas como uma tática de negociação para fechar melhores acordos para os Estados Unidos? Ou ele tinha a intenção de deixá-las no lugar como um instrumento contundente para aumentar as receitas e forçar a fabricação de volta aos Estados Unidos?
Procurando clareza
Embora a estratégia de Trump para as tarifas ainda não estivesse clara, o fato de ele agir agressivamente para impô-las não deveria ter sido uma surpresa. Trump fez campanha para estabelecer uma tarifa de linha de base universal, e seus assessores deixaram claro que o presidente seguiria seus instintos após um primeiro mandato em que acreditava que seus conselheiros tentavam bloqueá-lo a cada passo.
Assumindo o cargo pela segunda vez, Trump disse a assessores que iria fazer do seu jeito desta vez. Ele se cercou de conselheiros que acreditam em seus instintos e disse repetidamente que vê as tarifas como a ferramenta para resgatar a economia de países estrangeiros que se aproveitaram dos Estados Unidos por décadas.
Investidores, executivos de Wall Street e grandes doadores se convenceram de que Trump estava blefando ou seriam convencidos a desistir de suas propostas tarifárias mais agressivas. Alguns de seus conselheiros tentaram. Lutnick defendeu isenções para a indústria automobilística quase imediatamente. Outros queriam isenções para bens que não são suficientemente produzidos nos Estados Unidos, como café.
Enquanto isso, economistas alertavam que tarifas rígidas, ao aumentar os preços dos produtos importados, prejudicariam outra promessa de campanha: a de que Trump reduziria a inflação.
Mas Trump tem uma teoria sobre tarifas que foi construída ao longo de 40 anos, que está congelada e é resistente a dados que entram em conflito com seu instinto. Ao longo de muitos anos, quando ele foi apresentado a estatísticas que não se compatibilizam com seus instintos, ele exige que as pessoas encontrem informações alternativas que respaldem suas crenças.
Então, ele seguiu em frente, mesmo enquanto seus conselheiros se encontravam lutando para se comunicar com o público sobre uma política que mesmo eles não entendiam completamente. Assessores realizaram várias reuniões com Trump e seus conselheiros seniores para tentar encontrar uma maneira de convencer o público de que as penalidades econômicas eram uma boa ideia.
Por um tempo, as tarifas criaram a dinâmica de que Trump mais gosta: líderes globais vindo até ele e, como ele disse na noite de terça-feira, “beijando minha bunda” em busca de acordos. Funcionários do governo disseram que mais de 75 países entraram em contato com eles. Mas os sinais de alerta tornaram-se graves demais para serem ignorados.
Invertendo o curso
Na manhã de quarta-feira, Trump encorajou os americanos a comprar ações e pediu às empresas que se mudassem para os Estados Unidos. Não estava claro, naquele momento, que horas depois ele mudaria abruptamente de curso e colocaria uma pausa de 90 dias em muitas das tarifas.
Os mercados financeiros dispararam após o recuo, deixando dúvidas sobre se a recomendação anterior de Trump de uma oportunidade de compra representava um sinal de que alguns investidores poderiam ter se aproveitado para lucrar com o aumento acentuado dos preços das ações.
Logo após Trump postar sua missiva nas redes sociais, ele se encontrou no Salão Oval com Bessent, Lutnick e Kevin Hassett, o diretor do Conselho Econômico Nacional. Eles discutiram com o presidente o rendimento do Tesouro de dez anos, enfatizando a preocupação com a saúde do sistema financeiro mais amplo dos EUA.
Trump, em particular, entendeu o que o aumento nos rendimentos dos títulos significaria para os bancos e seus empréstimos de longo prazo, um tópico que ele entende intimamente de seus anos à frente de uma empresa imobiliária.
As tarifas provocaram uma forte liquidação nos mercados de títulos do governo dos EUA e no dólar, que os investidores geralmente veem como ativos de refúgio em tempos de turbulência. Depois que Trump anunciou as novas tarifas na semana passada, economistas de Wall Street rapidamente aumentaram suas previsões para a inflação e reduziram as de crescimento, com muitos alertas sobre uma recessão. Trilhões de dólares em valor de mercado de ações desapareceram em questão de dias.
Às 13h18 de quarta-feira, Trump anunciou na Truth Social que recuaria das tarifas “recíprocas” por 90 dias enquanto aumentaria as tarifas sobre a China para 125%. A pausa, juntamente com a manutenção de uma tarifa de 10% para a maioria dos países, foi uma versão do que várias pessoas pediram a Trump que implementasse por dias.
Falando com repórteres logo após Trump anunciar o recuo, Bessent e Leavitt tentaram criar a impressão de que esse era o auge de um plano cuidadosamente elaborado — isolar a China como o principal culpado por infligir dor aos trabalhadores americanos.
“Essa foi a estratégia dele o tempo todo”, disse Bessent. Leavitt, a secretária de imprensa da Casa Branca, tentou enquadrar a reviravolta política como o trabalho de um gênio da negociação.
“Muitos de vocês na mídia claramente não leram a A Arte da Negociação, vocês claramente não conseguiram ver o que o presidente Trump está fazendo aqui”, disse ela. “Você tentou dizer que o resto do mundo seria movido para mais perto da China, quando, na verdade, vimos o efeito oposto. O mundo inteiro está ligando para os Estados Unidos da América, não para a China, porque eles precisam de nosso mercado, precisam de nossos consumidores e precisam que este presidente no Salão Oval fale com eles, e é exatamente por isso que mais de 75 países ligaram”.
Stephen Miller, conselheiro sênior de Trump, levou a adaptação a outro nível no X: “Você tem assistido à maior estratégia econômica de um presidente americano na história”.
Bessent alegou que a pausa de 90 dias foi ideia de Trump e insistiu que a decisão não tinha nada a ver com trilhões de dólares da riqueza dos EUA sendo eliminados do mercado de ações após o anúncio de tarifas do presidente na semana passada.
“Não tenho nada que diga isso, e na verdade tivemos um bom leilão de dez anos hoje”, disse a repórteres quando questionado sobre quanto a decisão do presidente foi impulsionada pela venda de títulos dos EUA e se a China estava se desfazendo de suas vastas participações em títulos do Tesouro dos EUA.
Bessent disse que o presidente estava pausando as tarifas porque o governo estava recebendo muitos pedidos para negociar, e cada negociação seria “sob medida” e, portanto, “levaria algum tempo”. O secretário do Tesouro não respondeu diretamente a uma pergunta sobre por que os investidores confiariam que essa era a palavra final de Trump, depois de tantas mudanças.
As ações de Trump cobrem apenas os próximos 90 dias. Quanto a quaisquer isenções tarifárias adicionais, o presidente se recusou a dar a clareza que muitos investidores estão buscando. Questionado na quarta-feira sobre como decidiria sobre quaisquer isenções adicionais, Trump disse: “Instintivamente, mais do que qualquer outra coisa. Quer dizer, você mal consegue rascunhar no papel. É realmente mais um instinto, eu acho, do que qualquer outra coisa”.
FONTE: Folha Max