Há chamamento global no sentido de reafirmar o compromisso com um futuro mais justo e seguro para as mulheres. Os relatórios unanimemente indicam que as ações passam pelo processo indissociável da educação transformadora, porque as garantias previstas na Constituição brasileira, por exemplo, não foram suficientes para conter o assédio, a discriminação, a desvalorização, a posse, que são, em muitos casos, o indício das tragédias contra a vida de mulheres. Desnecessário reafirmar que todos, homens e mulheres merecem viver seguros e serem tratados com compaixão, dignidade e respeito. E as mulheres, particularmente, deveriam ser capazes de dizer “não” livres do medo da violência.
Não é o que acontece, infelizmente. Mas quando analisamos as ligações entre as formas de violência de homem contra mulher, podemos perceber claramente os sistemas que permitem isso florescer.
“A educação não corrompe, ela protege. Precisamos mudar a forma como falamos sobre a violência do homem contra a mulher”
O DataFolha/FBSP 2025 divulgou a 5ª edição do documento Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil e as principais violências sofridas por mulheres brasileiras no ano de 2024 foram: ofensas verbais (17,7 milhões de mulheres); agressão física (8,9 milhões); stalking (8.5 milhões); violência sexual (5.3 milhões) e divulgação de fotos ou vídeos íntimos na internet (1.5 milhão de mulheres).
A educação não corrompe, ela protege. Precisamos mudar a forma como falamos sobre a violência do homem contra a mulher. Precisamos educar nossos garotos não para serem os mais fortes, os mais espertos, mas, para que sejam mais carinhosos, para que se importem mais com o outro. Ter conversas desconfortáveis é agora é um dos meios para criar espaço de fala e escuta seguras na escola e em casa, desafiando estereótipos preconceituosos, sem desviar o olhar. O desafio real não é apagar a masculinidade, mas expandir a forma como falamos sobre isso. Os meninos precisam ser envolvidos como aliados no trabalho de restauração da convivência amorosa entre os gêneros, porque certamente, eles anseiam um mundo melhor, muito além das narrativas tóxicas da masculinidade que acentua a desigualdade. O que devemos trabalhar não é sobre divisão, é sobre responsabilidade e transformação.
A masculinidade não é inerentemente tóxica, mas algumas expectativas de masculinidade podem ser. Quando pensamos que não nos falta ver nada mais diante do quadro de epidemia de violência contra a mulher, eis que a retórica misógina online cresce dentro da manosfera ou machosfera, um termo usado para identificar comunidades misóginas interconectadas online direcionadas a garotos, com conteúdo certeiro para espalhar o ódio contra as mulheres. A novidade nas mídias sociais é um movimento que opera dentro da manosfera chamado incel, que se refere a uma subcultura online de homens, predominantemente jovens e heterossexuais, que concentram absurdas crenças e normas para reativar teorias biológicas estereotipadas de masculinidade onde o homem deve ter poder sobre a mulher.
O termo incel era apenas uma abreviação de “celibatários involuntários”, porém, mudou ao longo do tempo, e agora o termo se refere a homens que acreditam ser incapazes de estabelecer relacionamentos e tendem culpar as mulheres em particular, pela falta de experiências românticas ou sexuais. O movimento incel se tornou profundamente ideológico, promovendo ódio e violência contra mulheres em plataformas de mídias sociais. De acordo com essa visão de mundo extremamente misógina, o movimento incel espalha a versão de que as mulheres selecionam seus parceiros com base apenas na aparência e na riqueza material, por isso elas são vistas como pessoas imorais e indignas de confiança.
Vai ficando cada vez mais difícil corrigir o impacto que essas comunidades online têm sobre os jovens e suas atitudes em relação às mulheres. A ascensão da retórica misógina volta a assombrar às mulheres. E esta não é uma questão que diz respeito apenas as mulheres: a igualdade de gênero exige aliança em todos os níveis. Se queremos uma mudança real, os homens devem desafiar ativamente as narrativas prejudiciais e movimentos de ‘modinha’ que dominam os discursos de uso de força e controle contra às mulheres.
Olga Lustosa é socióloga e cerimonialista pública. Escreve com exclusividade para esta coluna aos domingos. E-mail: olgaborgeslustosa@gmail.com
FONTE: RDNEWS