O corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, revelou que o desembargador afastado João Ferreira Filho, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), comprou imóveis de luxo que somam R$ 5,1 milhões, mas declarou à Receita que pagou apenas R$ 123 mil por eles.
O conjunto probatório aponta a possível prática reiterada de condutas que violam a ética, a legalidade e os deveres funcionais
A revelação foi feita durante o voto que abriu o processo administrativo disciplinar (PAD) contra o magistrado e manteve seu afastamento do cargo, em sessão realizada nesta terça-feira (2).
Ele é suspeito de participar de um esquema de venda de sentenças no TJ-MT descortinado após a análise de conversas de celular do advogado Roberto Zampieri, assassinado em 2023 em Cuiabá.
Conforme Campbell, Ferreira adquiriu, de uma só vez, dois apartamentos de alto padrão da incorporadora Vanguard, declarando à Receita Federal o valor de apenas R$ 21,5 mil cada.
A incorporadora, por outro lado, informou que os imóveis custaram R$ 472 mil e R$ 434 mil, respectivamente, montantes 21 vezes superiores aos declarados.
Posteriormente, conforme o corregedor, o desembargador comprou uma terceira unidade no mesmo empreendimento, também declarada por R$ 21,5 mil, quando na verdade a operação foi registrada pela empresa como tendo sido paga com R$ 592 mil, valor 28 vezes maior que o declarado.
Além disso, de acordo com Campbell, o magistrado informou ter adquirido um imóvel da Plaenge pelo valor de R$ 59 mil. Trata-se de uma unidade do edifício Apogeu, um empreendimento de altíssimo padrão em Cuiabá, com unidades atualmente anunciadas por cerca de R$ 3,7 milhões em sites especializados.
Os valores pagos pelos imóveis também não foram detectados nas contas bancárias do magistrado. O cruzamento de dados indicou que, dos mais de R$ 5,1 milhão registrados em aquisições de imóveis apenas junto à Vanguard e Plaenge, apenas R$ 131 mil foram transferidos diretamente pelo magistrado, sugerindo a utilização de terceiros para quitar os débitos.
Entre esses intermediários, o ministro citou a esposa do magistrado, Maria de Lurdes Ferreira, e a filha, Alice Artuso. Campbell apontou que Alice recebeu mais de R$ 1 milhão da empresa Agropecuária Cuiabá Eirelli, cujo sócio é o advogado Roberto Zampieri.
Alice também teria efetuado o pagamento de ao menos 42 boletos, totalizando R$ 910 mil, cujos principais beneficiários foram justamente as incorporadoras Vanguard e Plaenge. Em janeiro de 2023, pagou sozinha um boleto de R$ 275 mil em nome do próprio desembargador.
Ainda segundo o ministro, há suspeitas de que faturas de cartão de crédito e até motocicletas adquiridas pelo magistrado também tenham sido pagas por Alice.
Conforme Campbell, no ano de 2023, por exemplo, João Ferreira Filho gastou mais de R$ 1,3 milhão no cartão de crédito, apesar de ter recebido apenas R$ 1 milhão em salários no período. Segundo o corregedor, a fatura mensal média saltou de R$ 41 mil para R$ 113 mil.
O voto de Campbell ainda detalha que o relacionamento entre o desembargador e o advogado Roberto Zampieri incluía o recebimento de presentes de alto valor, como um relógio da marca Patek Philippe, avaliado em cerca de meio milhão de reais, além de atuação do advogado, mesmo sem procuração nos autos, para intermediar decisões judiciais supostamente compradas.
“O conjunto probatório aponta a possível prática reiterada de condutas que violam a ética, a legalidade e os deveres funcionais da Magistratura, com indícios robustos de favorecimento pessoal e ocultação de patrimônio”, concluiu o corregedor.
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FONTE: MIDIA NEWS