segunda-feira, novembro 3, 2025

ALMT tira dislexia da invisibilidade e ajuda jovens a avançar nos estudos: vitória | RDNEWS

ALMT tira dislexia da invisibilidade e ajuda jovens a avançar

Hoje, com 22 anos, a jovem Maria Lúcia de Andrade Bedushi, acadêmica de Educação Física e treinadora de cavalos, descobriu ser portadora de dislexia quando tinha 10 anos de idade e não conseguia aprender a ler e escrever. O ano era 2013 e sua mãe, a bióloga e especialista em Políticas Sociais Gabrielle Coury de Andrade, tentava entender o que se passava com a menina. Depois de recorrer a diversos profissionais – médicos e psicólogos – sem obter a resposta que esperava, uma amiga indicou que poderia ser dislexia.

Arquivo Pessoal

Jovem Maria Lúcia de Andrade Bedushi, acadêmica de educação física e treinadora de cavalos, descobriu a deslexia aos 10 anos de idade 

Gabrielle, então, entrou na internet para pesquisar sobre dislexia e achou as características do transtorno parecidas com as apresentadas pela filha. Sem recursos em Mato Grosso, levou a menina para São Paulo e obteve o diagnóstico.

O que parecia ser a solução para o problema da filha foi apenas o começo de uma saga. Isso porque a escola e os professores não conheciam a dislexia e não sabiam como ajudá-la.

“Eu me enganei, porque o diagnóstico foi só o começo da caminhada. A escola não sabia o que fazer, os professores não conheciam, não tinha ninguém que pudesse nos ajudar. E eu fazia muitas pesquisas na internet e, em uma delas, encontrei no site do Instituto ABCD um material, uma cartilha de formação de grupo de pais. E daí eu pensei: ‘bom, eu preciso encontrar os meus pares, pessoas que sofrem assim como eu e como a minha filha. Não é possível que tenha só a minha filha aqui em Mato Grosso’. Então, comecei a buscar soluções”, contou Gabrielle.

Um perfil no Facebook sobre dislexia foi criado por Gabrielle, que também imprimiu cartas e entregou nas escolas, convidando pais de crianças com características parecidas a se reunirem para conversar sobre o assunto. Como resultado, em 2014 surgiu o embrião da Associação Dislexia MT, reunindo cerca de 10 famílias, que se multiplicaram e atualmente chegam a mais de 100.

“A gente se reunia pra conversar, para estudar um pouco sobre a dislexia, para trocar desabafos, chorar juntos. Nossas crianças tinham de 9 a 10 anos. E daí surgiu a ideia, através de uma amiga, de procurar a Assembleia Legislativa”, completou.

Foi no ano de 2015 que Gabrielle e as integrantes da Associação Dislexia MT procuraram a Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT). Depois de baterem em diversos gabinetes, foram acolhidas pelo deputado estadual Wilson Santos (PSD), que, desde então, está ao lado de mães e familiares que enfrentam o desafio desse transtorno do neurodesenvolvimento, que atinge cerca de 4% da população.

Desde então, foi criado o Simpósio sobre Dislexia, que neste ano chegou a 10ª edição. O evento, realizado anualmente, reúne especialistas, educadores, famílias e representantes de instituições, promovendo palestras, debates e a atualização de informações científicas sobre o tema.

Além do simpósio, a parceria entre Gabrielle e Wilson Santos resultou na aprovação de oito leis para garantir direitos aos disléxicos e suas famílias. Uma delas institui o laço azul com laranja como símbolo da dislexia, iniciativa adotada por diversos estados. Veja quadro

Arte: Annie SouzaRdnews

Quadro dislexia

A Lei nº 10.644/2017, que institui o atendimento especializado nos concursos públicos e vestibulares realizados em Mato Grosso para as pessoas com dislexia, foi fundamental para que Maria Lúcia conseguisse pontuação no Enem para ingressar na universidade. O texto garante um profissional que lê e transcreve o conteúdo durante a realização da prova, além de tempo adicional e sala diferenciada para disléxicos.

Eu fiz o Enem com transcritor e ledor, com tempo adicional também. Me saí bem e consegui ingressar na faculdade


Revela Maria Lúcia, profissional de Educação Física

“São leis que me ajudaram a chegar até aqui. Por exemplo, eu tenho direito a um ledor, eu tenho direito a um transcritor — que é o que transcreve: você fala e ele escreve — e tenho direito a um tempo adicional. Então, isso ajudou bastante na faculdade, na questão das provas. Eu fiz o Enem com transcritor e ledor, com tempo adicional também. Me saí bem e consegui ingressar na faculdade”, lembra.

A lei fez a diferença para Maria Lúcia porque pessoas com dislexia têm dificuldade em ler e escrever, pois o cérebro processa as letras e os sons de forma diferente. Mas, quando alguém lê para elas, conseguem entender perfeitamente — a dificuldade está na leitura, não na compreensão.

Ela conta ainda que, além das dificuldades de leitura e escrita, uma das características comuns da dislexia é o hiperfoco — a capacidade de concentrar-se intensamente em um tema específico. No caso de Maria Lúcia, essa concentração se voltou para o universo dos cavalos, que acabou se tornando sua paixão e também sua profissão.

“Pode não parecer no primeiro momento, mas somos muito inteligentes e temos hiperfoco. Às vezes, surpreendemos muita gente. O meu hiperfoco é em cavalos. Eu trabalho com cavalos, é a área que eu sei. Se você me perguntar qualquer coisa sobre cavalos, eu sei. É a área que eu decidi focar, que eu decidi ir atrás”, disse.

MT vira referência nacional

O exemplo de superação de Maria Lúcia mostra, na prática, a importância das políticas públicas voltadas às pessoas com dislexia. Esse avanço foi possível graças a uma mobilização que começou dentro das famílias e ganhou força com o apoio da Assembleia Legislativa.

O deputado Wilson Santos destacou que Mato Grosso tornou-se referência nacional na discussão justamente pela aproximação e parceria entre a ALMT e os familiares. Com isso, foi possível enxergar as necessecidades reais de quem tem deslexia. Segundo ele, isso é resultado de um trabalho contínuo de sensibilização e formulação de leis.

Rodinei CrescêncioRdnews

Deputado estadual Wilson Santos

“Nosso foco é a educação inclusiva. Precisamos entender que todos os seres humanos são diferentes e merecem um olhar respeitoso e acolhedor. Aqui nasceu a Associação de Dislexia de Mato Grosso, que inspirou o país. Já conquistamos mais de oito leis estaduais em favor das pessoas com o diagnóstico e até uma legislação nacional foi provocada a partir dessa mobilização. Esse é o nosso papel: plantar e regar essa semente. O mais importante é que, hoje, os poderes, autoridades e instituições sabem o que é dislexia e abraçam essas crianças, possibilitando que se desenvolvam de forma tranquila”, destacou o deputado.

Gabrielle, por sua vez, ressalta a importância da ALMT para a visibilidade da dislexia. Para ela, os simpósios anuais atualizam os profissionais do estado que atendem aos disléxicos.

“A Casa de Leis trouxe um espaço na sociedade para nós. A nossa voz, através da Assembleia, foi ouvida, tanto na realização dos simpósios, porque a gente traz pesquisadores, profissionais, para que os profissionais daqui de Mato Grosso e região, professores, possam se atualizar, possam conhecer o que é dislexia. Essas leis nos tiraram da invisibilidade. Então, o papel da Assembleia e do deputado Wilson Santos foi fundamental, porque a gente conseguiu atingir a sociedade, que são as famílias, os pais que têm crianças com dislexia e não sabiam, e também os professores”, concluiu Gabrielle.

Acompanhamento especializado é fundamental

O trabalho das famílias, junto à Assembleia Legislativa, não apenas garantiu leis e visibilidade, mas também abriu espaço para um olhar mais atento às necessidades das crianças com dislexia por parte da sociedade como um todo. O acompanhamento especializado é fundamental para que elas possam desenvolver plenamente seu potencial.

Para a psicopedagoga Adriana Conceição dos Reis, com 20 anos de experiência, as crianças disléxicas, ao contrário do que diz o senso comum, são muito inteligentes. Nesse sentido, afirma que, com o acompanhamento correto, podem desenvolver diversas habilidades.

“Elas são muito inteligentes, só que uns aprendem falando, outros aprendem observando, outros aprendem na prática. Por isso, tem que ter esse olhar diferente dos professores. E é possível que esse aluno disléxico desenvolva outras habilidades, como artes e esportes. Então, eu falo que não tem aquela criança que não queira ler e não tem criança com preguiça em sala de aula. Ela está desmotivada porque não está conseguindo acompanhar nem aprender”, alerta.

O que é a dislexia

A dislexia é caracterizada por uma dificuldade em reconhecer e decodificar palavras de forma rápida e precisa. Normalmente, essas dificuldades resultam de um déficit no componente fonológico da linguagem.

Na prática, o resultado é um atraso na fluência da leitura, dificuldade em compreender o que foi lido e até limitação no vocabulário, já que ler é uma das principais formas de ampliar o repertório de palavras.

O que causa o transtorno

As causas exatas ainda não são totalmente conhecidas. Pesquisas mostram que o cérebro de pessoas com dislexia apresenta diferenças estruturais e funcionais, o que interfere na maneira como elas processam sons e símbolos. Essa diferença explica por que muitos disléxicos têm dificuldade para perceber sons individuais dentro das palavras ou entender o som correspondente a cada letra.

Como identificar

Os sinais podem aparecer cedo, geralmente entre os 4 e 6 anos, quando a criança começa o processo de alfabetização. Dificuldade para reconhecer letras, montar rimas, separar as sílabas, acompanhar canções, organizar pensamentos ou manter a atenção são alguns dos primeiros indícios.

Fonoaudióloga há 12 anos, sempre atuando em Cuiabá, Nilva Santos de Oliveira reforça que a dislexia é um transtorno do neurodesenvolvimento, de origem neurológica e genética, ou seja, passa de pais para filhos. A alteração está no lado esquerdo do cérebro e afeta o neurodesenvolvimento, causando dificuldades na leitura, na escrita e na linguagem, e não é diagnosticada por exames.

“Essa alteração afeta a área esquerda do cérebro, onde estão as funções ligadas à fala. E os primeiros sinais aparecem quando a criança tem dificuldade na escola. São dificuldades na leitura, em rimas e também comportamentais. E ela não é diagnosticada por exames. Não tem diagnóstico por imagem ou exame de sangue — ela é diagnosticada por avaliação de uma equipe multidisciplinar”, enfatiza a profissional.

FONTE: RDNEWS

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