Rodinei Crescêncio
Há muito o Mato Grosso é apresentado como símbolo do agronegócio brasileiro. Um território vasto, produtivo, responsável por uma fatia significativa das exportações do país. No entanto, sob a superfície dessa potência agrícola, persiste uma estrutura produtiva que, embora eficiente em termos de volume, ainda opera com baixa complexidade tecnológica e reduzida capacidade de agregar valor.
O discurso da “transformação digital do agro” vem se consolidando como o novo mantra de competitividade. Fala-se em agricultura 4.0, inteligência artificial aplicada ao campo, drones, sensores, plataformas de dados e integração logística digital. Mas o que se observa, na prática, é uma digitalização parcial, restrita às grandes propriedades e às etapas mais visíveis do processo produtivo, enquanto a base da cadeia continua dependente de estruturas tradicionais, marcadas pela concentração fundiária e pela subordinação às dinâmicas globais de commodities.
“O que se observa, na prática, é uma digitalização parcial, restrita às grandes propriedades e às etapas mais visíveis do processo produtivo, enquanto a base da cadeia continua dependente de estruturas tradicionais”
A questão central não é apenas “inovar”, mas para quem e com que propósito se inova. A incorporação de tecnologias no campo mato-grossense tem servido, muitas vezes, para reforçar assimetrias: grandes produtores ampliam sua eficiência e margem de lucro, enquanto pequenos e médios permanecem à margem da digitalização, limitados por custos, infraestrutura precária e falta de capacitação técnica. O resultado é um processo de exclusão digital que reproduz a velha concentração econômica sob novas roupagens tecnológicas.
Ao mesmo tempo, o Estado pouco se apropria dos dados estratégicos que movimentam o território. As informações sobre produção, logística, crédito e meio ambiente continuam dispersas entre agentes privados, sem uma governança pública capaz de transformar dados em inteligência de planejamento. O desafio é que sem dados públicos de qualidade, não há política pública eficiente, e sem política pública, a transformação digital vira apenas marketing de eficiência privada.
Transformar o agro digitalmente, portanto, exige mais do que drones sobrevoando lavouras. Exige uma visão integrada de território, inovação e sustentabilidade. Significa articular universidades, startups, cooperativas e governos locais em torno de uma estratégia de desenvolvimento que use a tecnologia como meio, e não como fim.
Mato Grosso pode continuar sendo o celeiro do mundo, mas se quiser ser também um polo de inovação, precisará superar a lógica extrativista que exporta grãos e importa tecnologia. É preciso investir na formação de capital humano, na conectividade rural, em infraestrutura de dados e, sobretudo, em políticas que democratizem o acesso à inovação.
Em última instância, a verdadeira transformação digital do agro não se mede em gigabytes, mas na capacidade de transformar informação em autonomia econômica e social. O futuro do campo mato-grossense dependerá menos da próxima máquina conectada e mais da capacidade de o Estado e a sociedade transformarem o dado em decisão, e o conhecimento em desenvolvimento.
Escrito com Sara Nadur Ribeiro
Maurício Munhoz Ferraz é assessor do presidente do Tribunal de Contas de Mato Grosso e professor de economia
FONTE: RDNEWS








