A novela apelidada “sisamne”, sobre tráfico de influência na Justiça, já não trata, centralmente, de uma grande investigação para caçar corruptos no Judiciário. Está mais para a história do desvario de um delegado, Marco Bontempo, que — afastado da investigação — misturou fatos e suposições e colocou fogo no circo.
O delegado hoje está sob cuidados médicos, por conta de surto diagnosticado. Ele tornou-se alvo de inquérito para apurar o vazamento do seu relatório não oficial — em que misturou o que houve com o que ele gostaria que tivesse acontecido.
Seu papel, até o mês passado, era o de integrar a Coordenação de Inquéritos Especiais (Cinq), responsável por casos que tramitam no STF. Sabe-se agora que ele foi um grande distribuidor de suposições, antes que as acusações fossem confirmadas.
Os vazamentos estão sendo investigados pela própria Polícia Federal. O inquérito foi requisitado pelo ministro Cristiano Zanin, relator do caso no Supremo.
Bontempo foi ejetado da coordenação por conflitos internos na PF, dez meses depois de ter assumido o cargo. Suficientes para juntar muito papel, mas insuficientes para que se chegasse a qualquer conclusão além do fato de que há funcionários e chefes de gabinetes comprometidos até o pescoço.
Não por acaso, o pseudo-relatório produzido à revelia da corporação por Bontempo é recheado de suposições, ilações e repete a toda hora “o aprofundamento das investigações dirá…”. Os vazamentos começaram já na primeira instância.
A torneira se abriu quando, ao lado do corpo do advogado Roberto Zampieri, foi encontrado seu celular com os registros dos golpes que aplicava junto com seu assecla, o estelionatário Andreson Gonçalves. Os dois vigaristas conduziam um esquema de titulação de terras griladas. Ou seja: tiravam glebas e fazendas de seus donos verdadeiros para quem lhes pagasse.
Além de grileiro, Gonçalves também se passava por advogado, com um registro falso da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Pará. Zampieri colidiu com sua sorte quando cruzou com um fazendeiro que, tendo perdido sua fazenda avaliada em R$ 100 milhões, resolveu dar o troco.
E contratou um grupo de extermínio para matar o golpista. O que foi feito.
Para o bote de buscas e apreensões empreendidas no MS, um contingente numeroso da Polícia Federal foi deslocado para o estado dois dias antes de a “operação” ter sido autorizada pelo ministro Francisco Falcão. Em fase posterior do inquérito, detectou-se que os torpedos disparados pela imprensa tinham como origem o mesmo Andreson Gonçalves em uma construção arrojada. Em vez de contestar acusações, ele passou a manipulá-las para acossar seus algozes e buscar sua alforria.
Não por acaso, o STJ, em especial, e o Judiciário, de forma geral, continuam reféns de acusações imateriais — exceto as que tocam os desembargadores de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e, no tribunal, dois chefes de gabinete e três servidores — comprovadamente.
Uma evidência das malandragens e peregrinações secretas de Andreson, mesmo depois de preso, foi a obtenção de laudos médicos fabricados e um espantoso emagrecimento para simular gravidades médicas. Perder 30 quilos parece não ter saído caro.
A descoberta chegou pela confissão de criminoso de altíssima periculosidade. Andreson, narrou o bandido, ensinou o passo a passo da dissimulação e como replicar a estratégia que o tirou do cárcere para o regime domiciliar. Benefício revogado tão logo descobriu-se a farsa.
OUTRO LADO
A defesa de Andreson afirma que não houve falsificação de laudo médico. O que ocorreu foi que o golpista foi diagnosticado com polineuropatia diabética por um médico particular, enfermidade depois confirmada por laudo do Instituto Médico Legal de Brasília. A partir disso, a prisão domiciliar humanitária foi concedida.
Um preso que estava detido com Andreson soube da decisão e tentou, com o mesmo médico particular, obter laudo para conseguir a domiciliar. O profissional, no entanto, afirmou que se tratava de caso simulado. A própria Procuradoria-Geral da República mudou sua versão por não conseguir contestar a veracidade dos laudos.
FONTE: Folha Max







