O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) condenou a Crefisa SA, presidida por Leila Pereira, do Palmeiras, por impor juros superiores a 1.000% ao ano ao conceder empréstimos a uma mulher de 74 anos.
De um lado, a idosa, de origem espanhola, alega que recebe um salário mínimo e que os três empréstimos têm juros abusivos, tendo sido usados para refinanciamentos com a instituição financeira. Do outro, a Crefisa argumenta que as taxas acima da média do Banco Central (BC) se justificam por operar em mercado de alto risco, inclusive com clientes negativados.
A justiça deu ganho de causa para a aposentada por duas vezes.
A Crefisa tem sido investigada pelo Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT), conforme mostrou a coluna de Andreza Matais, do Metrópoles. O órgão instaurou um inquérito para apurar denúncias de que a instituição financeira estaria violando o código de defesa do consumidor ao cobrar juros abusivos dos clientes.
Entenda o caso de aposentada que pegou empréstimo de 1.082% da Crefisa
Na ação revisional, consta um contrato inicial de empréstimo de R$ 1.396,37 na Crefisa em setembro de 2018, parcelado em 12 vezes de R$ 341. Só R$ 833,27 foram liberados à cliente, no entanto, devido a dívidas anteriores. As taxas de juros foram fixadas em 20,5% ao mês e em 837,23% ao ano.
Já o segundo empréstimo totalizou R$ 371,66 em dezembro do mesmo ano, dos quais só R$ 366,15 foram liberados – o pagamento se dividiu em 12 vezes de R$ 93,70. Foram 22% de juros a.m., chegando a 987,22% a.a.
O terceiro acordo, assinado em fevereiro de 2019, alcançou R$ 1.452,41, sendo apenas R$ 300,06 liberados à aposentada. As 12 parcelas de R$ 371,81 mantiveram as taxas de juros do contrato anterior.
Só que o Custo Efetivo Total (CET) – ou seja, o valor a ser devidamente pago à Crefisa – ultrapassa os juros anuais, porque inclui tributos e custos operacionais. Essa taxa variou de 894,74% a.a. até 1.082,32% a.a. entre os empréstimos.
“Conclui-se que a parte autora chegou a um estado de superendividamento e condições contrárias a subsistência não por vontade própria, mas consequência de uma série de negociações abusivas que a ré foi responsável”, sustentou a defesa da aposentada.
O que dizem a aposentada e a Crefisa
A cliente ingressou no TJPR em agosto de 2019 para obter a nulidade dos contratos com a Crefisa. Caso o pedido não fosse acolhido, pediu que os juros fossem reduzidos para a taxa média de mercado, calculada em 116,39% a.a. pelo BC à época.
Além disso, solicitou o ressarcimento em dobro dos valores que considerou terem sido cobrados em excesso, com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), o que totalizaria R$ 1.163,52. Também pediu à Crefisa uma indenização por danos morais no valor de 20 salários mínimos, o equivalente a R$ 19.960 na ocasião.
Segundo a defesa da aposentada, os descontos dos empréstimos na Crefisa direto na folha de pagamento superaram 70% do valor bruto da aposentadoria, o que dificulta o sustento dela e a deixa em condição de miserabilidade:
“Ocorre que na prática a ‘solução’ criada pela instituição financeira [os refinanciamentos] só a ela interessa e beneficia, pois ela prolonga o número de descontos a serem efetuados, mas os valores das parcelas sofrem variações pequenas, mantendo o consumidor em um estado de miserabilidade, o qual acredita que o crédito liberado no refinanciamento da dívida irá solucionar o seu problema, quando na realidade ela só é agravada à medida que tornasse uma bola de neve.”
A Crefisa, por sua vez, argumentou que os juros fixados são legais, uma vez que não existe uma lei que limite as taxas cobradas por instituições financeiras. No processo, também salientou que os valores cobrados são mais altos porque são proporcionais à chance de inadimplência – o chamado mercado de alto risco.
A empresa também argumentou que a taxa média de juros no mercado não pode balizar a definição de abusividade por desconsiderar o perfil de risco individual e a singularidade de cada contrato.
“O Conselho Monetário Nacional, alicerçado no artigo 4º, inciso IX, da Lei n.º 4.595/64, liberou para o regime de mercado as taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras, através da Resolução n.º 1.064, de 05.12.85. Diz o item I da referida Resolução: “I – Ressalvado o disposto no item III, as operações ativas dos bancos comerciais, de investimento e de desenvolvimento serão realizadas a taxas de juros livremente pactuáveis.” (g.n.). Portanto, não há limite para a cobrança de juros pelas instituições financeiras, podendo as taxas ser livremente pactuadas”, anotou a defesa da Crefisa.
A instituição rebateu, ainda, o argumento da defesa em torno da vulnerabilidade e da miserabilidade da idosa:
“A simples idéia de que os contratantes que são idosos, pessoas humildes e desprovidas de instrução necessária seriam hipossuficientes não pode ser invocada para justificar eventual revisão, tendo em vista que as taxas de juros, mensais e anuais, estão devidamente escritas nos contratos, assim como o valor das parcelas mensais que têm de suportar durante os meses seguintes à pactuação. Nos tempos modernos – em que há tanto acesso à informação -, se alguém se vale de um contrato desse tipo no momento em que deseja obter uma vantagem e, de fato, obtém (usa o crédito, adquire o bem etc.) não pode, depois de já ter recebido a contraprestação, discutir esse contrato.”
Em novembro de 2024, o TJPR atendeu parte do pedido da aposentada ao revisar as taxas de juros para a média praticada no mercado financeiro. O tribunal negou, todavia, a restituição em dobro e a indenização por dano moral. A Crefisa recorreu, mas a sentença foi mantida em novembro passado.
“São milhares os casos semelhantes a este narrado no presente caso, porém a instituição financeira segue a cometer ilícitos na mesma proporção que eleva seus ganhos, enriquecendo-se ilicitamente às custas daqueles que mais necessitam, o que continuará a ocorrer caso não seja condenada em valores proporcionais ao grave ilícito praticado”, finalizou a defesa.
FONTE: Folha Max







