“Troque seu cachorro por uma criança pobre”, cantava Eduardo Dusek em seu irônico “Rock da Cachorra, nos anos 1980. A ideia por trás do verso, debochado e provocador, ainda ressurge aqui e ali, geralmente na boca de quem nunca amou um animal e tampouco cogitou adotar uma criança. É uma crítica falaciosa, revestida de falsa superioridade moral, que ignora tanto a complexidade do afeto quanto a hipocrisia de quem a profere.
O amor aos animais não é um capricho burguês, nem uma fuga de responsabilidade social. É uma expressão legítima de empatia, cuidado e convivência. São Francisco de Assis, patrono da ecologia e da fraternidade universal, via nos animais não apenas criaturas de Deus, mas irmãos em criação. Chamava o sol de “irmão” e a lua de “irmã” e pregava que toda forma de vida merecia respeito e acolhimento. Não era sentimentalismo, mas espiritualidade profunda.
Animais domésticos são, para milhões de pessoas, fonte diária de companhia, afeto e equilíbrio emocional. Para idosos que enfrentam a solidão, para crianças com transtornos de desenvolvimento, para pacientes em tratamento de depressão ou ansiedade, o convívio com pets tem efeitos terapêuticos comprovados. Estudos mostram que cães e gatos ajudam a reduzir a pressão arterial, estimulam a produção de serotonina e promovem vínculos afetivos que muitas vezes faltam nas relações humanas.
A convivência com um animal exige responsabilidade, atenção e compromisso – valores que também são essenciais na criação de uma criança. Mas crianças e pets não são mutuamente excludentes. Amar um cachorro ou um gato não impede ninguém de amar uma criança. E adotar um pet não é obstáculo à adoção de um ser humano. O amor não é um recurso escasso que previsa ser alocado com exclusividade. Quanto mais vivenciado, mais ele se multiplica, se expande, se renova e se fortalece.
Se você tem condições emocionais e legais para adotar uma criança e educá-la com responsabilidade e amor, faça isso. Há milhares de crianças e adolescentes sonhando todos os dias em ter um pai e/ou uma mãe ou dois pais ou duas mães. Será um gesto corajoso e transformador, do qual jamais se arrependerá, mesmo diante dos desafios que qualquer família enfrenta. Mas não use essa possibilidade como argumento para desqualificar quem cuida de um animal com carinho e dedicação. O mundo precisa de mais afeto – não de julgamentos simplistas.
Aliás, se adotar uma criança, aproveite e adote também um filhote de cão ou de gato. Isso ajudará muito o processo de adaptação do novo filho/filha à família que o acolhe.
Portanto, não troque o seu cachorro por uma criança pobre. Troque, isso sim, a indiferença por empatia. Troque o preconceito por compreensão. E, se possível, troque o discurso vazio por ações concretas de amor – aos animais, às crianças, à vida.
Desejo um Feliz Natal aos leitores.
Luiz Henrique Lima é professor e conselheiro independente certificado.
FONTE: MIDIA NEWS







