A comercialização da harmonização facial através das redes sociais banalizou a realização de procedimentos faciais, e tem criado verdadeiras armadilhas às pessoas que buscam se sentir melhor no próprio corpo.
O cirurgião plástico Jubert Sanches alerta para as promessas milagrosas oferecidas por meio das redes sociais, e aconselha àqueles interessados em passar por algum procedimento, que procure profissionais pela qualificação e não com base em fama ou seguidores.
“Instagram que tem 100, 200 mil seguidores é um chamariz […] Essa superexposição na rede social faz a pessoa achar que qualquer cirurgia serve para qualquer pessoa e não é a realidade”, alertou.
Ele também alertou para falsas promessas nas redes sociais com fotos que não condizem com a realidade. “Pra gente que está acostumado, bate o olho e sabe que é Photoshop”.
MidiaNews – Um procedimento que tem ganhado destaque nos últimos anos é a harmonização facial. O que o senhor tem a falar sobre ela?
Jubert Sanches – O tratamento da face, estético, é muito amplo, vai desde preenchimento, uso de toxina botulínica… Cada coisa tem seu efeito em determinados pacientes. Há algumas coisas que têm indicação, outras não. Alguns casos são cirurgia… Então, ficou uma coisa muito ampla, mas generalizada como se fosse uma coisa única.
A gente vê uma coisa muito ruim porque acaba dando uma conotação comercial ao ato médico. A gente vê paciente de maneira individual, e não pode ser diferente até porque a gente não tem capacidade de transformar a pessoa em que ela não é.
Os tratamentos são individualizados, a questão de você fazer um procedimento para melhorar, por exemplo, um queixo retraído, uma orelha aberta, um nariz que a pessoa não gosta do formato, isso tudo engloba a questão da harmonização facial.
A harmonização não é um procedimento, não é uma técnica, uma rinoplastia, harmonização facial é um termo vago. Você vai avaliar o paciente, ver o que ele tem de queixa e ver se tecnicamente é viável você oferecer alguma cirurgia, algo que tenha uma melhora.
Mas quando se coloca esse termo, pelo que a gente vê hoje principalmente nas redes sociais, é como se você entrasse num consultório, e falasse: “Vim aqui fazer harmonização facial, quero ficar de tal jeito… Minha cirurgia não ficou como eu queria”. Não existe “cirurgia do jeito que eu queria”, existe o que é tecnicamente possível.
Aí a gente traz o paciente para a realidade, e explica o caso dele, onde pode melhorar. “Ah, mas eu quero meu nariz assim”. Então não dá. A cirurgia não tem capacidade de pegar uma foto e falar: “Eu quero desse jeito”. E eu falar: “Vai ficar igual” fazer desse jeito.
Vai desde preenchimento, a toxina botulínica, fios de sustentação, cirurgias como blefaroplastia, rinoplastia. Pode se fazer cirurgias no lábio, as otoplastias, tem todas essas vertentes que se enquadram na questão da harmonização facial.
Que é basicamente a gente dar a pessoa o que ela pede, desde que seja viável. Não oferecer fotografias de internet que, pra gente que está acostumado, bate o olho e sabe que é Photoshop. Você vê que não procede com a realidade.
Para qualquer tratamento, você vai olhar o paciente, as características, e ver o que pode oferecer a ele. Não se pode generalizar, afirmar que vai ficar uma coisa exata. Isso foge completamente da medicina praticada de maneira adequada e séria.
MidiaNews – Profissionais não médicos também têm oferecido esse serviço; o que o senhor pensa sobre isso?
Jubert Sanches – É um assunto extremamente controverso e que não é regulamentado pelo CFM [Conselho Federal de Medicina]. Ele é regulamentado pelos conselhos dessas outras profissões. As sociedades tanto de Dermatologia quanto de Cirurgia Plástica acham que faz parte do ato médico essa questão dos procedimentos invasivos.
Como não existe uma lei que regulamente isso, os próprios conselhos acabam baixando normas para que esses profissionais possam fazer. Inclusive, a gente vê que a partir do momento que essas especialidades entraram nessa seara de procedimentos, começaram a ocorrer problemas em maior volume.
Uma regra básica em Medicina é que você não deve fazer o que não souber tratar a complicação. Então, tanto cirurgião plástico como dermatologista passam por partes na formação que dá esta capacidade de intervir em complicações. E os grandes problemas desses procedimentos são exatamente esses: às vezes têm complicações sérias. E outras áreas que não são da Medicina ficam sem ter como resolver.
Então a grande crítica da sociedade [de cirurgia plásstica] é que a pessoa que faz o procedimento tem que ter a capacidade, habilidade técnica, para resolver os problemas.
Complicação, dentro da área médica, principalmente cirúrgica, qualquer um de nós pode ter. O que houve foi um aumento após o início dessas outras profissões passarem a fazer esses tipos de procedimentos.
Hoje a gente vê esteticista fazendo procedimento com laser. Eu estou com uma paciente com problema, porque uma esteticista fez um laser no rosto dela e fez uma queimadura no lábio.
Um cirurgião plástico, para fazer esses procedimentos, tem seis anos de faculdade e cinco de residência. São 11 anos para começar a fazer isso. O dermatologista, geralmente são 10 anos.
Nós não conseguimos entender como um curso que tem 2 anos, um curso de estética, que entenda a mesma quantidade de anatomia, que tenha plena capacidade de fazer… Aparentemente são procedimentos minimamente invasivos, não invasivos, e fica como se fosse uma coisa simples. O problema é quando aparecem as complicações.
Não sei se você se lembra daquela paciente [a bancária Lilian Calixto] daqui que teve a morte com polimetilmetacrilato. Ela morreu no apartamento de um médico no Rio de Janeiro, há alguns anos. Então, esses procedimentos “minimamente invasivos” não são tão simples como gostam de vender a ideia. Por isso todo mundo acha que é fácil.
MidiaNews – Porque o senhor acha que ninguém interveio ainda nessa questão de outras profissões realizarem procedimentos como esse?
Jubert Sanches – Na verdade, tem sido feito sim. O CFM tem atuado, mas legalmente não tem conseguido esse tipo de impedimento. Existe atuação tanto da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica quanto da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
Realmente, esses procedimentos quando realizados de maneira inadequada podem causar grandes problemas. Teve essa bancária, aquela atriz Andressa Urach, que teve um preenchimento definitivo, não me lembro qual. Essa facilidade que se vende de que é um procedimento menor, que não tem corte, que vai resolver seu problema.
Eles não falam que esses procedimentos, em grande quantidade, falando da parte corporal, é um tipo de material que pode dar problemas anos depois. Ela foi ter uma infecção anos depois.
O grande problema desses preenchimentos é o seguinte: a prótese é um material que, se der problema, você retira e resolve. Quando você coloca esse tipo de material, que é tipo um gel, fica esparramado na pele.
Esse tipo de material em grande quantidade, dentro da medicina, está regulamentado e o CFM fala que não se deve usar. Você pode usar pequenas quantidades, e quantidades maiores em casos específicos, geralmente para tratamento de doenças específicas.
Não indica que se usa como se tem se usado hoje, porque sabe que se der algum problema, você não tem o que fazer.
MidiaNews – O senhor já atendeu pacientes pedindo procedimentos fora da realidade?
Jubert Sanches – Isso é uma coisa muito comum. Exemplo: uma pessoa vem fazer lipoaspiração porque quer emagrecer… Não são coisas compatíveis. A lipoaspiração, dentro de norma técnica, não vai dar grande perda de peso. Então, cabe a nós orientarmos, avaliar o paciente individualmente e indicar o que é melhor naquele momento.
Indicar que procure um médico para perda de peso, e depois retorne. Porque realmente acaba que justamente por conta dessa superexposição na mídia social, faz o paciente achar que qualquer cirurgia serve para qualquer pessoa. E não é a realidade.
Então, a gente tem que avaliar, observar se a expectativa dele é compatível com o que está pedindo. O que eu falo para todo paciente é o seguinte: a cirurgia plástica é o que você é, e o que pode mudar.
MidiaNews – Os homens têm se mostrado muito mais vaidosos e mais abertos à cirurgia plástica. Quais procedimentos são mais comuns entre esse público?
Jubert Sanches – Realmente houve uma diminuição da inibição em relação a cirurgia plástica pelos homens. O que a gente vê mais são parte dos olhos, com cirurgia da pálpebra, de orelha, a rinoplastia.
Lipoaspiração aumentou também… Tratamento de ginecomastia, que é quando há aumento do volume mamário no homem.
MidiaNews – E entre as mulheres? Quais são os procedimentos mais comuns?
Jubert Sanches – Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, os procedimentos mais comuns são silicone e lipoaspiração, ou associação das duas.
MidiaNews – Qual a dica o senhor dá para quem está interessado em fazer uma cirurgia ou outro procedimento?
Jubert Sanches – Primeiro: procurar pessoas em rede social por número de seguidores, fotos, não quer dizer que esse profissional tenha uma boa qualificação. O que determina a qualificação adequada do profissional, no nosso caso da área médica, é fácil. Você entra no site da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica ou da dermatologia, e procure um profissional. Ali você sabe que ele tem um título de especialista, pelo menos isso. Hoje é muito difícil falar que não tem informação.
Entrar no Instagram que tem 100, 200 mil seguidores… Vai saber de onde são, se são pessoas reais. É um chamariz para a pessoa ir no consultório, escutar coisas que ela quer escutar, mas isso não dá qualificação a pessoa.
Nem o [Ivo] Pitanguy que trabalhou 80 anos teve 300 mil cirurgias para fazer. É uma conta que não fecha…
FONTE: Midia News