Juristas, professores e estudantes avaliam caráter histórico das cartas em defesa da democracia | Jornal Nacional

A divulgação das duas cartas em defesa da democracia e do sistema eleitoral brasileiro chamou atenção, na quinta-feira (11), por pelo menos dois motivos. O primeiro foi a multiplicação de atos simultâneos com a mesma inspiração em todo o país. O segundo motivo foi a composição heterogênea do universo de participantes.

No pátio, as faixas não deixam ninguém esquecer o palco de um dia histórico e cheio de simbolismos.

A leitura da Carta da USP aos brasileiros e brasileiras em defesa do Estado Democrático de Direto se espalhou pelo país, ganhando muitos sotaques.

“As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça eleitoral.”

“Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.”

“Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito sempre!”

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto avaliou as manifestações desta quinta (11) como expressões da cidadania.

“Uma avaliação positiva, porque expressão do que a Constituição chama de cidadania, no artigo 1º inciso 2º dela, Constituição. A cidadania é um dos fundamentos da República Federativa Democrática do Brasil e significa aquilo mesmo que aconteceu ontem, espírito público. Interesse por tudo o que é de todos. Significa cidadania participar da vida coletiva”, disse Ayres Britto.

A leitura da outra carta, em defesa da democracia e da Justiça, também marcou um movimento plural. Reuniu federações da indústria e de bancos, sindicatos de trabalhadores, associações do terceiro setor, universidades e movimentos sociais. Setores que deram as mãos para defender a democracia.

“É a Constituição se tornando um corpo vivo. É a Constituição ganhando a dimensão da própria concretude, da sua efetividade”, afirmou Ayres Britto.

O historiador Carlos Fico, professor da UFRJ, compara as manifestações de quinta (11) com o ato de 45 anos atrás. Em agosto de 1977, no mesmo pátio da faculdade, o professor Goffredo da Silva Telles Junior desafiou a ditadura ao ler um manifesto pedindo a volta da democracia.

“A conjuntura da carta de 77 é evidentemente muito diferente da situação atual, sobretudo porque havia naquele momento uma ditadura. A semelhança existe, a semelhança da participação dos juristas também dos empresários, que é sempre muito significativa em defesa do Estado Democrático de Direito. Então há semelhanças, há diferenças. Certamente uma grande diferença é que a atual é uma carta, foi uma carta que contou com a participação de muitas pessoas, milhares de pessoas assinaram. Também a gente viu uma preocupação dos organizadores no sentido de marcar certa diversidade com a presença de mulheres, de negros e estudantes, o que não houve em 1977. E ademais, me pareceu também que, além da carta, foi muito importante o posicionamento do diretor da Faculdade de Direito antes da leitura da carta, afirmando que a única força importante e decisiva para o controle eleitoral é a Justiça Eleitoral e evidentemente a participação dos eleitores”, ressaltou Carlos Fico.

A historiadora da UnB Ana Flávia Magalhães também ressalta a importância da pluralidade do movimento.

“Esse manifesto é aquilo que sinaliza para necessidade de que até mesmo os grupos que são posicionados em campos diferentes nessa vida cotidiana precisem estar em um campo comum. Afinal de contas, a viabilidade da sociedade brasileira como uma nação, soberana, pautada no princípio do Estado Democrático de Direito, isso está em risco e precisa ser defendido”, disse Ana Flávia.

Ana Flávia Magalhães afirmou que as cartas de quinta (11) relembram outros momentos importantes da história política do Brasil.

“É algo que faz com que a gente lembre não só o momento das Diretas já, mas outros episódios em que diferentes grupos se mobilizaram pra afirmar desejos de sociedade justa, democrática e igualitária e muitas vezes foram apagados nessa nossa dificuldade de dimensionar como o povo brasileiro, em sua diversidade, tem atuado para defesa de uma sociedade pautada no bem comum”, diz Ana Flávia Magalhães.

Já era noite quando os atos em defesa da democracia e do Estado de Direito chegaram ao fim no país. O 11 de agosto de 2022 segue presente na cabeça dos brasileiros e traz esperanças para as futuras gerações. Quatro estudantes de Direito da USP viveram de perto todos os acontecimentos desta quinta (11).

“Foi uma sensação assim muito inexplicável. Eu fiquei horas ontem até tentando escrever alguma coisa bonitinha para postar na internet sobre o que eu senti sobre o evento e é muito difícil de descrever em palavras o que foi estar junto daquelas pessoas, o que foi ter contato próximo com os signatários de 77, que são pessoas que a gente admira desde sempre. Eu nunca imaginei que eu estaria participando de um evento em defesa da democracia lado a lado com eles como iguais”, conta a estudante Giovanna Gennari.

“Acho que uma coisa que foi muito interessante foi o encontro de gerações. A gente teve desde os signatários de 1977, todos na casa dos 80 anos, até nós que temos 20, 22”, afirma o estudante Cristóvão Borba.

Em meio a milhares de pessoas que acompanharam a leitura das cartas, Cristóvão, Giovanna, Letícia e Silvano celebraram a democracia e os símbolos do país.

“Para além do encontro de gerações, eu sinto que a gente conseguiu fazer um resgate das cores da nossa bandeira. Nossa bandeira ela não tem partidos e a democracia é inegociável. Se em 2077, o Cristóvão me ligar pedindo para estar aqui de novo assinando uma terceira carta em defesa da democracia, eu espero que isso nunca aconteça, mas nós vamos estar aqui”, diz a estudante Letícia Ramos.

FONTE: Lapada Lapada

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